Rio Grande do Sul

REPRESENTATIVIDADE

Bancada Negra é resultado do combate antirracista e das políticas de reparação

Integrantes da primeira Bancada Negra na história do legislativo de Porto Alegre falam de suas lutas e desafios ao BdFRS

Brasil de Fato | Porto Alegre |
A Bancada Negra da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, eleita nas eleições 2020 - Foto: Leonardo Contursi / CMPA

O ano de 2021 marca o histórico enegrecimento da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Com a posse de Karen Santos e Matheus Gomes, do PSOL, Laura Sito, do PT, Bruna Rodrigues e Daiana Santos, do PCdoB, formou-se a primeira Bancada Negra da Capital, maior fenômeno local das eleições de 2020.

Todos jovens oriundos do movimento negro, fazem parte de uma geração com acesso a uma ferramenta decisiva para ascender em uma sociedade de bases racistas: as cotas universitárias. Eleitos, carregam o desafio de representar o povo historicamente invisibilizado nos espaços políticos e assumem a agenda de quem vive nas periferias.

Mas os problemas apareceram cedo. Vereadora mais votada da cidade, Karen Santos conta 2021 tem sido de muita violência racista institucional dentro e fora do parlamento. Entende ser dever qualificar a formação política do movimento negro e das comunidades populares. “O desafio que está colocado é a reorganização das nossas bases políticas no sentido das pressões que precisam ser feitas para dar mais efetividade a essas representações parlamentares. E não substituir o protagonismo do movimento negro e das comunidades populares”, pontua.

Bruna Rodrigues, uma das vereadoras que sofreu ataques racistas nos últimos meses dentro da Câmara, sempre soube que não seria fácil combater temas como a de falta de oportunidades de emprego e de acesso à renda, educação, saúde e saneamento. “Fomos eleitos durante a ascensão de, por um lado, um lindo levante antirracista mas, de outro lado, a consolidação de uma onda negacionista e de ódio impulsionada pelo governo federal”, pondera.

Para Matheus Gomes, o principal desafio é consolidar a presença negra na política. Explica que alguns vereadores não entendem o sentido da eleição da Bancada Negra. “Negam a mudança para manter seus privilégios. Sentimos o racismo no dia a dia das políticas defendidas pela prefeitura, mas também na relação estabelecida conosco”, pontua.

“Nossa eleição foi histórica, mas é importante lembrar que somos apenas 5 de 36”, pondera Laura Sito, que afirma a necessidade de manter e ampliar o pioneirismo da Bancada Negra. “Sabemos da responsabilidade que é representar a comunidade negra, que tem muita expectativa em cima dos resultados que podemos gerar, e as comunidades das periferias que nos elegeram, e isso nos honra muito.”

Daiana Santos, primeira mulher lésbica assumida na Câmara e que defende também a bandeira da luta LGBTQIA+, considera o principal desafio da Bancada Negra desarticular o “sistema racista, branco e hegemônico” histórico na política. Para ela, a representatividade traz a possibilidade de trabalhar uma perspectiva coletiva frente as injustiças sociais, “porque é o nosso povo preto que está sempre enfrentando essas batalhas pela sobrevivência”.

Desafios da agenda antirracista no cotidiano

Bruna Rodrigues considera-se “filha de uma política que deu certo”, ao lembrar que sua aproximação com a política foi a partir da luta por vaga na creche para a filha. Depois, concluiu o ensino médio e hoje é estudante cotista na UFRGS. “Digo isso porque as cotas foram importantes para mim, mas não só.”

Para ela, a eleição de 2020 empolgou uma parcela do povo de Porto Alegre que sempre esteve dentro da Câmara, mas somente em espaços como a manutenção, a copa, a limpeza. “Agora é a oportunidade e a responsabilidade de falar de uma vida real que nunca foi falada: de mulheres que sofrem com a falta de vaga na creche, de negras e negros que sentem na pele a dor da fome e o desemprego e que infelizmente ainda são vítimas de um racismo que cotidianamente fecha as portas das oportunidades e das perspectivas de uma vida digna”, reflete.

Matheus Gomes pontua que ter negras e negros no Parlamento, muito mais do que a forma visível da representação, é agir. Cita a atuação na defesa de uma renda complementar emergencial municipal, que segundo ele foi negligenciada pelo prefeito Sebastião Melo (MDB). Também a atuação ao lado da população e o apoio à Cozinha Solidária do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na Azenha.

O parlamentar também destaca a atuação em defesa de uma política de proteção ambiental para Porto Alegre, contra a lógica de deterioração da Orla do Guaíba e a fragmentação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental. Além de criação de frentes parlamentares em Defesa do Livro, da Leitura e da Escrita, e do Carnaval, do Samba e do Pagode.

Colocar a periferia no centro da política


Com Bancada Negra, movimento negro encontra voz nos debates legislativos da cidade / Foto: Ezequiela Scapini

Na avaliação de Daiana Santos, a Bancada Negra compreende “a necessidade desses temas e dessas políticas com a urgência necessária para a efetivação como forma de restituição histórica, mas principalmente da dignidade humana num projeto de nação que compreende a equidade como um dos principais eixos, para que a gente possa ter acesso garantido e romper esses ciclos históricos que geram violência.

Laura Sito, ao recordar também do recente episódio de racismo sofrido na Câmara, “em que eu e outras vereadoras negras fomos chamadas de lixo e de empregadas domésticas”, avalia que com os desafios não é diferente. “A cobrança em cima dos nossos mandatos vai ser sempre maior porque estamos mais visados, todos os olhos estão em cima da gente pra ver se somos capazes, aguardando um deslize para que de alguma forma aprove uma tese racista.”

Ela salienta que os mandatos foram eleitos em um contexto histórico de luta antirracista, mas que eles também estão no Parlamento para resolver problemas do dia a dia das pessoas. “Meu mandato, por exemplo, não tinha a fome como pauta central, mas com a chegada da pandemia, o aumento do desemprego e o desalento do poder público, em todas as esferas, com a população mais pobre, nos fez colocar esse tema na centralidade do meu mandato”, conta, lembrando também da luta pelo projeto de Renda Básica Municipal.

Para Karen Santos, a representatividade antirracista deve contribuir para uma outra formação política que coloque no centro a periferia, as organizações societárias negras como os quilombos, escolas de samba, clubes negros, grupos de capoeiras, espaços de matriz africana. “É disputar esse espaço amplo e favorável que existe para a nossa existência coletiva, democrática e que é extremamente política e potente. O oposto do que são as instâncias do Estado burguês”, pondera.


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Edição: Katia Marko