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Por que o Brasil ainda falha em implementar a lei que obriga o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas?

Especialista afirma que o principal problema é exatamente o que a legislação tenta combater: o racismo estrutural

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Embora seja obrigatório há mais de vinte anos, ensino de história e cultura afro-brasileira não é realidade na maioria das escolas do país - Agência Brasil

Vinte e dois anos após a promulgação da Lei do Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, menos de 40% dos municípios institucionalizaram a obrigatoriedade nas escolas. Os dados são referentes a 2024 e fazem parte do levantamento realizado pela Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (Pneerq). 

A legislação mudou pontos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) com objetivo de garantir o reconhecimento do papel da população negra na formação social, econômica e política cultural do Brasil. Embora seja obrigatória tanto para escolas públicas quanto particulares em todo o território nacional, ela ainda está distante do cotidiano da maioria das instituições.

Em entrevista ao Brasil de Fato, a pedagoga e doutora em educação, Mônica Sacramento, coordenadora programática da ONG Criola, afirma que o principal obstáculo para implementação efetiva da lei é justamente o racismo estrutural, realidade da sociedade brasileira que a norma tenta combater. 

"É uma lei, há 22 anos promulgada, com resoluções, com diretrizes, com um bom número de material produzido. Em 22 anos se fez muito para suprir as lacunas identificadas lá em 2003. Então, essa dificuldade de incorporação é creditável ao racismo institucional. Existe, de fato, há 22 anos um conjunto muito grande de materiais, de estudos, de pesquisa, de documentação, de ferramentas pedagógicas e, até hoje, as pessoas dizem que não estão preparadas, que não sabem abordar esse assunto.” 

Um artigo recente, de autoria dos especialistas em direito do consumidor Jonas Sales Fernandes da Silva e Igor Rodrigues Britto, afirma que a não adequação das instituições à lei, pode gerar questionamentos. Os dois juristas são ligados ao Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e ao Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e publicaram o texto no site especializado Conjur. 

Os autores argumentam que a ligação entre estudantes e escolas privadas configura uma relação de consumo. Portanto, o descumprimento da legislação pode ser denunciado aos Procons, por exemplo. Além disso, a prestação do serviço deve implicar uma alta carga de regulação por parte do poder público. Nesse contexto, as escolas têm obrigação de garantir que seu conteúdo cumpra as exigências legais.  

Na conversa com o Brasil de Fato, Mônica Sacramento ressalta que, tanto nas instituições privadas quanto públicas, é preciso inserir o tema no cotidiano das gestões como uma preocupação constante. “Sem isso, ou não será feito ou será feito como algo que é quase que um uma corruptela da lei. Serão tratados aspectos folclóricos. Isso não é o que está posto na lei. A lei fala da compreensão e da introdução da cultura afrobrasileira nos currículos escolares.” 

Para a especialista, é urgente que cidadãos e cidadãs compreendam a realidade social, o passado histórico e os conflitos sociais que estão postos no Brasil, a partir da percepção do racismo. “Isso requer um compromisso ético e político de cada brasileiro e de cada brasileira com a resolução de um problema histórico. Não é uma questão de culpabilizar ou responsabilizar, mas uma convocação à ética política, àquilo que enxergamos como potencial para a democracia brasileira.” 

Ouça a entrevista na íntegra no tocador de áudio abaixo do título desta matéria. 

Edição: Martina Medina