PRIVATIZAÇÃO

'Ilegal': organizações criticam Comitê Gestor de Saúde criado por Ibaneis Rocha

Decreto é apontado como tentativa de terceirizar gestão da saúde no DF

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Comitê Gestor de Saúde do DF será presidido pelo secretário de Economia Ney Ferraz, responsável por indicar os membros do órgão - Foto: Arquivo/Agência Brasília

O Governo do Distrito Federal (GDF) deu mais um passo rumo à privatização da saúde. Sem realizar consulta pública, o governador Ibaneis Rocha (MDB) criou, por meio de decreto, o Comitê Gestor de Saúde do DF. Com a função de coordenar e executar políticas de saúde, o Comitê é vinculado à Secretaria de Economia do DF (SEEC-DF) e terá como presidente o secretário Ney Ferraz. 

O decreto nº 46.833 foi divulgado em edição extra do Diário Oficial do DF (DODF) e é criticado por parlamentares e por membros do Conselho de Saúde do DF (CSDF), órgão deliberativo composto por representantes da sociedade civil e por trabalhadores da saúde, que não foi consultado pelo governo em relação ao Comitê. Essa seria uma das ilegalidades do decreto, que também contraria a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS).

Para Adriano Borges, que integra o Conselho no segmento usuário pelo Movimento Popular por Moradia do DF (Amora), o decreto é “antidemocrático” e visa entregar a estrutura e a execução da política de saúde para pessoas aliadas do governador. 

“Eu entendo como um decreto antidemocrático que visa acabar com o controle social no Distrito Federal, e com as prerrogativas e as funções do Conselho de Saúde do DF, para passar a política pública de saúde para algumas pessoas de interesse do governador, que se demonstra mais uma vez ser antidemocrático e que não respeita as normas do SUS e da Constituição Brasileira. Porque a Constituição prevê o controle social, a participação da comunidade nas políticas públicas de saúde com natureza deliberativa”, afirma o conselheiro. 

O deputado distrital Gabriel Magno (PT-DF) protocolou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para anular a criação do Comitê. “A decisão extrapola o poder do Executivo ao interferir na estrutura de gestão do SUS", afirma o parlamentar.  

Na justificação do PDL, enviada à Câmara Legislativa do DF (CLDF), Magno aponta que o Comitê é ilegal por violar a Lei Orgânica do SUS, lei nº nº 8.080/1990, que estabelece que a gestão do SUS é única, de forma que a formulação, execução e coordenação de políticas públicas de saúde são de competência exclusiva das Secretarias de Saúde. 

“A criação de um órgão paralelo para gerenciar a política pública de saúde fere a lógica e a estrutura do SUS, provocando a fragmentação e a possível descoordenação da política pública de saúde, comprometendo a gestão eficiente e a entrega de serviços à população”, detalha o documento.

A instauração do Comitê também é criticada pela falta de transparência e de participação popular, já que o decreto foi editado sem consulta pública e sem manifestação do CSDF. 

“A centralização do controle da saúde pública na Secretaria de Fazenda, um órgão que se caracteriza pela priorização de cortes orçamentários, representa um retrocesso alarmante na gestão da saúde no Distrito Federal. Essa medida não apenas ignora a legislação federal, mas também desconsidera a participação essencial dos Conselhos de Saúde na formulação e fiscalização das políticas de saúde, comprometendo, assim, a qualidade do atendimento à população”, afirmou o deputado distrital Max Maciel (Psol-DF). 

Privatização 

Segundo o decreto do GDF, o Comitê Gestor de Saúde será presidido pelo secretário de Economia Ney Ferraz, responsável por indicar os membros titulares e executivos.

A composição do Comitê terá três membros titulares e três membros suplentes do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (Iges-DF) e o mesmo número de membros da Secretaria de Saúde. Também serão indicados dois representantes do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB) e dois do Instituto de Cardiologia e Transplante do Distrito Federal (ICT) para compor o Comitê. Além disso, haverá 13 cargos comissionados. 

A estrutura do Comitê foi criticada pela deputada distrital e presidente da Comissão de Saúde da CLDF, Dayse Amarílio (PSB-DF). 

“Tentam colocar no mesmo patamar a Secretaria de Saúde do DF e o IGES-DF, como se fossem iguais. Uma contratada, não pode ter a mesma importância que a contratante. Estamos diante de um passo perigoso rumo à privatização da saúde pública! Uma tentativa obscura de dar ainda mais poder à iniciativa privada, enquanto a rede pública segue sucateada e sem investimentos dignos para os seus profissionais e para a população”, afirma. 


Hospital de Base é administrado pelo Iges-DF / Divulgação/IGES-DF

Conforme mostrou o Brasil de Fato DF, o Iges já acumula 94 representações recebidas pelo Tribunal de Contas do DF (TCDF) entre 2020 e setembro de 2024. Há acusações de superfaturamento, de irregularidades em contratos diversos e até de nepotismo. 

“A verdade é que, até o momento, coisas básicas seguem sem solução. O IGES-DF não apresenta cumprimento de metas ou transparência nos contratos e recebe da secretaria um recurso robusto para estar à frente da gestão de toda atenção secundária e de dois dos maiores hospitais da cidade. Agora mais uma afronta aos usuários do SUS e aos servidores que seguem adoecidos e sem condições de trabalho”, destaca Amarílio.

:: TCDF recebeu 94 denúncias contra o Iges desde 2020 ::

O Sindicato dos Enfermeiros do DF (SindEnfermeiro-DF) também repudiou a criação do Comitê Gestor, afirmando que a Secretaria de Economia não possui "instrumentos, conhecimento e dispositivos técnicos" necessários para gerir a saúde pública do DF. Segundo a entidade, o ato reforça a postura adotada pelo GDF no sentido de privatizar serviços de saúde. 

"A situação se torna mais grave quando se institui no Comitê a participação dos Serviços Sociais Autônomos (SSA) – IGES-DF, HCB, ICTDF -, formas contratualizadas de prestação de serviços à saúde, popularmente conhecidos como gestão terceirizada ou indireta. A ausência de competência técnica da Economia combinada com o apoio político dos serviços terceirizados na gestão do Comitê, evidencia o interesse do governo em fortalecer o e ampliar o processo de terceirização na cidade", afirma o presidente do SindEnfermeiro-DF, Jorge Henrique.

"A verdade é que Ibaneis quer entregar toda a infraestrutura da cidade para prestadores de serviços, colocando o orçamento do DF – dentre eles o da saúde – na mão dos empresários", conclui. 

O Sindicato dos Médicos do DF (SindMédico-DF) chamou o decreto de criação do Comitê de "intervenção branca" na gestão de saúde do DF e afirmou que vê motivos para uma "intervenção federal" na área. A entidade afirmou, ainda, que denunciará o caso ao Ministério Público do DF (MPDFT) e à Controladoria Geral da União (CGU).

"Com essa decisão, o GDF ignora a legislação federal e retira atribuições dos legítimos representantes da população e dos profissionais de saúde, concentrando o controle da saúde pública na Secretaria de Economia – um órgão que, historicamente, prioriza cortes de recursos em vez do fortalecimento do atendimento à população. Essa mudança evidencia um projeto maior de precarização da saúde pública, abrindo caminho para a terceirização e a entrega da gestão e dos recursos do SUS ao setor privado", destaca o SindMédico-DF em nota.

O Conselho Regional de Medicina do DF (CRM-DF), após reunião realizada com parlamentares, entidades e órgãos de controle na segunda-feira (10), se manifestou exigindo a revogação imediata do decreto e a atuação do MPDFT para avaliar a legalidade da medida e tomar providências cabíveis. 

"Nós ficamos estarrecidos com o decreto. Para além de ferir a Lei Orgânica da Saúde e a lei 8.142/90 [que institui a criação dos conselhos de saúde], percebemos que o controle social é o maior desrespeitado nesse decreto. E quando se desrespeita o controle social, está se desrespeitando principalmente os usuários e os trabalhadores do sistema de saúde", afirmou Lívia Vanessa, presidente do CRM-DF. 

A reportagem entrou em contato com as secretarias de Saúde e de Economia do DF, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.

Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino