Rio Grande do Sul

Criminalização

Projeto que criminaliza ocupações em Porto Alegre deve ser votado nesta segunda (10)

Texto estabelece proibições, por cinco anos, a quem cometer crime de ‘invasão’ a áreas ou imóveis públicos ou privados

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Porto Alegre enfrenta um grande déficit habitacional, agravado pela enchente de maio do ano passado - Jorge Leão / Brasil de Fato

De autoria das vereadoras Comandante Nádia e Fernanda Barth, ambas do PL, e o vereador Jessé Sangalli (PL), o projeto de lei que criminaliza ocupações está na ordem do dia da Câmara de Vereadores de Porto Alegre da próxima segunda-feira (10). O texto estabelece proibições, pelo período cinco anos, contados do trânsito em julgado da respectiva condenação, a quem cometer crime de "invasão" a áreas ou imóveis públicos ou privados. 

Segundo o texto as proibições são: participar de programas habitacionais; contratar com o Poder Público Municipal; receber benefícios ou incentivos fiscais; ser beneficiário de programas de assistência social promovidos pelo município; receber auxílios, benefícios e participar de demais programas do Executivo municipal; inscrever-se em concursos públicos ou processos seletivos para nomeação em cargos, empregos ou funções públicas no âmbito do Município; e ser nomeado em cargos públicos comissionados no âmbito do Município. 

De acordo com.os autores, o PL visa reforçar a proteção de imóveis públicos e privados, como também promover a justiça social ao garantir que os benefícios e programas municipais sejam destinados aqueles que realmente necessitam e respeitam as normas de conveniência e o patrimônio alheio seja ele público ou privado. Conforme apontam, Porto Alegre precisa de medidas efetivas para proteger seus bens públicos e garantir a ordem urbana.

Para a coordenadora estadual do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Ceniriani Vargas da Silva (Ni), o projeto de lei é inconstitucional, e não deveria ter sido aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. De acordo com ela o projeto está dentro de uma estratégia de criminalização via institucional que está sendo promovida no país inteiro. “Esse mesmo projeto de lei foi aprovado na Assembleia Legislativa aqui do Rio Grande do Sul, o PL 154, tem um PL também aprovado na Câmara Federal e em diversas outras Assembleias Legislativas pelo país.” 

Conforme ressalta Ni, essa articulação faz parte de um movimento que vem crescendo nos últimos anos, articulado por latifundiários, por ruralistas, e também pelos especuladores imobiliários, "que deixam os seus imóveis vazios, buscando a valorização deles no mercado. Não investem e também criminalizam quem faz a luta.”

Foto: Reprodução

De acordo com o Observatório das Metrópoles e com o Censo de 2022, de 686.414 domicílios particulares permanentes em 2022 na capital gaúcha, 558.151 estavam ocupados, 101.013 vagos e 27.250 eram de uso ocasional.

“O principal deste projeto de lei, no contexto de Porto Alegre, é ainda mais absurdo, tendo a realidade que a gente está enfrentando do pós-enchente, onde mais de 30% da cidade foi afetada pela enchente, mais de 160 mil pessoas foram atingidas. A gente está falando de uma cidade que já tem um déficit habitacional absurdo. Nos últimos anos, nas últimas gestões, não foram construídas unidades habitacionais. Não tivemos nenhum projeto habitacional na última gestão municipal construída na cidade”, afirma Ni.

Ocupações são resultado de falta de investimento

“É uma realidade dessa luta que as pessoas acabam tendo que fazer a partir das ocupações, resultado da falta de investimento na política pública de produção habitacional. As pessoas ficam sem alternativa, e quem faz esse tipo de luta a partir das ocupações são pessoas extremamente vulneráveis, são pessoas que precisam de um processo de assistência social, são pessoas que necessitam disso, inclusive, para a sua própria sobrevivência”, enfatiza Ni. 

.Em sua avaliação, o projeto reflete a incoerência do poder público, que não faz o papel de garantir o direito à moradia para as pessoas que não têm onde morar, que perderam as suas casas, inclusive aquelas pessoas que tinham onde morar, e agora sofrem um processo de criminalização.

“O povo sofrendo as consequências desse projeto político implementado na cidade de Porto Alegre, e quando tem como única alternativa para garantir o seu direito de morar, participar de um processo, de uma ocupação de um imóvel vazio que não cumpre função social, são criminalizados correndo o risco ainda de perder o mínimo, que é o acesso a esses benefícios sociais.”

Criminalização da luta por moradia

Na avaliação da vereadora Juliana Souza (PT), o PL criminaliza a luta por moradia. Assim como apontado por Ni, a parlamentar destaca o contexto de déficit habitacional, agravado com a crise climática. “Temos uma prefeitura que não executa políticas de moradia, tendo construído apenas três casas em 4 anos. Além disso, a especulação imobiliária avança sobre nossa cidade, plenamente apoiada pelo governo municipal. Isso tudo, no momento que recém saímos de uma enchente que deixou ainda mais pessoas sem casa. Ninguém ocupa porque quer, mas sim pela ausência de políticas que assegurem a função social da propriedade e o direito à moradia digna.”

Juliana destaca que o mandato está em pleno diálogo com os movimentos de luta pela moradia para resistir "a mais este ataque a direitos do povo, por meio de um projeto que viola direitos fundamentais e estabelece punição adicional não prevista em lei penal. Nós seremos resistência mais uma vez, buscando conjugar a luta no plenário pela oposição e a mobilização social”.

Para o vereador Erick Dênil (PCdoB), a cidade de Porto Alegre enfrenta um problema sério em relação a moradia, agravado pela enchente de maio do ano passado, que devastou a casa de milhares de porto-alegrenses. "As ocupações são uma forma de luta pela garantia de um direito humano e constitucional. A criminalização das pessoas que lutam para ter um teto para suas famílias é um desrespeito ao nosso povo. Não podemos permitir que esse projeto seja aprovado!"


Edição: Katia Marko