Nós, multidão de lerdos em questões tecnológicas, nós do tempo da skynet do James Cameron, do radinho de pilha do Genival Lacerda, por que devemos ocupar o nosso tempo com essa tal de Inteligência Artificial (IA)? IA que, segundo o Miguel Nicolelis, não é nem inteligência, nem artificial. Para ele, não são as máquinas que pensam pela humanidade e sim os Brockman e Zuckerberg, que se escondem atrás delas.
A IA é induzida pela mão do capital e de seus donos. A análise do ilustre torcedor palestrino, foi pregressamente vaticinada por Frank Herbert. Sim, ele, o criador de Arrakis e dos leviatãs das areias, os Shai-Hulud (velhos do Deserto). Não sabemos se foi por pura genialidade ou devido ao consumo, da então em voga psilocibina, que gerou na mente de Herbert essa epifania. O fato é que ele cantou a pedra: “um dia, os homens entregaram a própria razão às máquinas, esperando que isso os libertasse. Mas só se deixaram escravizar por outros homens com máquinas.” [1]
Sem querer falar de Talos, dos mitos gregos, em termo científicos, as pesquisas sobre uma Inteligência Artificial (IA) vêm já com George Boole, matemático britânico, e com Allan Turing, aquele que acabou com os segredinhos dos nazistas. A coisa saiu finalmente da prancheta lá pelos anos cinquenta. Mas começou a gerar lucro pelo uso comercial nos anos oitenta, com produtos voltados a grandes empresas. Da maneira que conhecemos, e à qual nos referimos agora, o primeiro uso massivo se deu com o GPT-3. Daí em diante foi mais difícil para os professores saberem qual era a participação dos seus alunos nos textos que entregavam. Segundo um amigo meu, era um grande “gerador de lero-lero”.
De qualquer forma essa maneira de lidar com uma série de atividades humanas, até então exercida por milhões de trabalhadores, entrou em período de transformação. Seções inteiras de grandes corporações, que possuíam exércitos de pessoas tristes realizando um trabalho socialmente inútil, mas imensamente lucrativo, se evaporaram e se evaporam dia a dia. Por mais que apresentassem resistência, a maioria dos países tiveram que colocar essa nova realidade nos seus cálculos. Tudo pelo bem da produtividade, o que sempre gera o mesmo dilema. Com o avanço tecnológico se produz mais, com menos trabalhadores e ao dispensar a mão-de-obra excedente reduz-se os custos, mas também se reduz o mercado consumidor, mercado consumidor para o qual se destina o produto, produto que aumenta com o avanço da tecnologia.
Nessa nova tendência os EUA investiram bilhões nos projetos de Google, Amazon, Microsoft, Facebook e Nvidia, grande parte dessa grana sendo pública, como de praxe. E para dominar esse campo, os campeões da livre iniciativa aplicaram uma série de ações para impedir que a China pudesse desenvolver produtos de IA que lhe fizessem frente. Em nome da Segurança Nacional, estabeleceram restrições de importação de chips, software, além de imporem sanções econômicas às empresas chinesas que operam nesse campo. E viva a liberdade, carajo!
Os produtos que o capitalismo Yankee oferece são uma faca de dois gumes, o velho truque do cavalo de Tróia. Reunimos todas nossas informações e as colocamos na cartola mágica da IA deles, para o aumento de produtividade. Entretanto, se o poder é a informação toda a informação acaba na mão daquele que desenvolve a tecnologia. Ou seja, entrega-se o fruto da riqueza produzida pelos trabalhadores, civis e estatais, de um país para eles. No processo paga-se caro por esse serviço de “pensar” e doa-se a eles o produto principal dessa atividade: a informação. E essa informação é transformada, pelas big techs, em controle social, disseminação de preconceito e opressão de classe, tudo a serviço da concentração de riqueza e poder, rumo ao 5º Reich. Então, os cidadãos estadunidenses devem entender que o verdadeiro risco a sua segurança nacional são os capitalistas e o seu Estado, e não o “comunismo” chinês.
O neurocientista Nicolelis, o principal adversário do discurso do que é a IA, diz que uma das inviabilidades da mesma é a grande quantidade de energia que se usa para acionar seus motores e os rios de água gastos para esfriá-los. Entretanto, a empresa fundada por um jovem chinês, Liang Wenfeng, a DeepSeek, com apenas duzentos pesquisadores, criou a nova IA. Feita com um atilho e dois paus de fósforos, a DeepSeek consegue rodar sua IA até num dois-oito-meia. Exageros à parte, de fato o novo sistema usa só uma fração de água e energia daquelas que são consumidas pelas monstruosidades estadunidenses.
Para que se tenha uma ideia, o projeto, supostamente, custou apenas 6 milhões de dólares, grana que as big techs gastam em cafezinho. Só o salário anual do CEO da Nvidia, Jensen Huang, chega a ser cinco vezes esse valor. A IA da DeepSeeck foi lançada na mesma semana da posse do Laranjão do apocalipse. Pura coincidência! O lançamento da plataforma chinesa fez com que alguns dias depois a Nvidia, dos Brockman, perdesse, só num dia, 600 bilhões, e no conjunto o setor dançou com 1 trilhão de DÓ LA RES, de valor de mercado. Essa bagatela é equivalente à metade do PIB do Brasil de 2023. E de quebra os pesquisadores orientais ofereceram a sua criação no tal de open source, ou seja, “di grátis”. “Nosso princípio não é subsidiar (o mercado) ou gerar lucros enormes.” Assim Wenfeng define a missão de sua empresa. Os gringos estão vendo estrelinhas até agora com o tapa no pé da orelha que levaram.
A Nvidia, e outras empresas, criaram uma série de produtos e equipamentos para comercialização associada a IA. O meliante Trump disse que vai colocar 500 bilhões para infraestrutura de IAs. O projeto se chama de Stargate, nome chupado de uma série de ficção dos anos noventa. Esse projeto prevê vários data centers que são unidades de processamento, armazenamento e análise de dados. Essas Gigantescas geringonças, que consumem grande quantidade de energia e água, servem para treinar as IA. A pergunta é: se a IA, no modelo que está sendo anunciado pela China, realmente entregar o que promete, gastar uma fração mínima dos recursos do modelo estadunidense, o que eles vão fazer com essa tralha toda? E uma desconfiança incômoda embaraça os comensais: os projetos estadunidenses criavam dificuldades para vender facilidades?
Essa jogada chinesa, teoricamente, não é coisa do Xi Jinping, nem do PCCh. He, he, he, se isso for verdade de um lado nós teremos os pretensos liberais, saudosos do Fuhrer, sendo bombados pelo estado para se manter na concorrência e do outro “comunistas” fazendo eles comerem poeira só com iniciativa privada. Ou seja, nem no campo do capitalismo os Yankees conseguem mais ser superiores.
A lição, inteligível aos mais néscios colunistas de jornalões, que se pode tirar desse episódio é que, definitivamente, os EUA não jogam mais sozinhos. Desde a queda da URSS, eles eram donos da bola, do campinho e do fardamento, já não mais. O Brasil, com o governo Lula, já identificou a patranha. O presidente determinou, em março do ano passado, que se comece a trabalhar na nossa IA tupiniquim. Então, é premente que o nosso governo, depois desse duplo twist carpado da corrida tecnológica, estabeleça IMEDIATAMENTE um grupo de trabalho para estudar essa nova rota que se abre, que além de barata, é ecológica e democrática.
[1] Essa frase surge nos lábios da Reverenda Madre Gaius Helen Mohiam, uma Bene Gesserit, no primeiro livro de Duna, de 1965.
* Historiador, museólogo e escritor autor de Bento Gonçalves do nascimento a revolução: uma biografia histórica. [email protected]
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko