Após as enchentes de maio, agora as irregularidades do clima neste verão, com chuvas mal distribuídas e o calor intenso, estão preocupando os agricultores familiares do Rio Grande do Sul. Tanto a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf-RS), como dirigentes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), além da empresa de assistência técnica do estado, Emater/Ascar, preveem quebras significativas na safra de 2025.
Para os dirigentes da Fetraf-RS, há necessidade de replantio da soja em até 20% das áreas em algumas propriedades e de perdas de até 30% na produção. Caso melhore a ocorrência de chuvas no mês de fevereiro, a expectativa é que as lavouras se recuperem do estresse hídrico.
Em relação ao milho, a maior parte das lavouras em fase final de maturação, terá a colheita antecipada em decorrência do cenário climático. Alguns produtores nem fizeram o plantio do milho safrinha, em virtude da incerteza da ocorrência de chuvas.
Conforme a dirigente do MPA Vanderléia Nicolini Chitto (Léia), de Progresso, no Vale do Taquari, teve bastante perda de hortaliças e não só pela falta da chuva, mas pelo sol que estragou e andou queimando. “O sol é muito quente, ele queima, estraga. Tivemos muita perda de hortaliças, produção de melancia, melão, a própria moranga cabotiá teve quebra. A gente sentiu que sofreu bastante com os impactos do sol muito quente, nessa região aqui mais central do estado, do Vale do Taquari e Vale do Rio Pardo.”
Relatório da Emater indica cenário de estiagem
De acordo com o relatório técnico da Emater/Ascar, divulgado no dia 21/01/2025, a redução nas precipitações no Rio Grande do Sul configura um cenário de estiagem, especialmente no Centro-Oeste do estado, onde os danos nas lavouras são mais acentuados. As áreas mais afetadas são aquelas semeadas no início de novembro, que apresentam floração abaixo do esperado, com queda de folhas e flores, resultando em perdas significativas de estruturas reprodutivas e potencial decréscimo na produtividade. Nas lavouras de soja implantadas em dezembro, a ausência de fechamento das entrelinhas intensifica a perda de umidade do solo, devido à maior exposição ao vento e à radiação solar, além de favorecer a infestação de plantas daninhas.
"Em regiões mais críticas, em razão do longo período sem precipitações ou da presença de solos rasos e arenosos, observa-se mortalidade de plantas jovens por enraizamento inadequado, folhas comprometidas e desenvolvimento vegetativo abaixo do esperado. No entanto, a condição de estiagem não é uniforme no estado. Nas lavouras mais a Leste do território estadual, o estresse hídrico diminuiu de forma significativa, aproximando-se de condições climáticas normais. Especialmente nas regiões mais elevadas do Planalto e nos Campos de Cima da Serra, os volumes de chuva mais regulares têm contribuído para manter o potencial produtivo das lavouras mais próximo do projetado", destaca o relatório.
Para a Fetraf-RS, este cenário resulta em uma série de problemas para a agricultura familiar, como o baixo índice de germinação, a diminuição e ressecamento dos frutos, morte das plantas e a perda de valor comercial dos produtos agrícolas. Os impactos da situação meteorológica são relatados por diversos agricultores familiares gaúchos, que demonstram preocupação em relação aos resultados da produção.
Calor e chuva de granizo prejudicam lavouras
Segundo Vilson Schneider, do município de Humaitá, localizado na Região Celeiro, as chuvas irregulares e o calor excessivo já deixam um impacto irreversível na cultura da soja. Ele disse que as perdas estimadas estão entre 50% e 60% na produção. Entre 25 de dezembro de 2024 e 23 de janeiro de 2025, o volume acumulado de chuvas na propriedade foi de apenas 15 mm, agravando severamente as condições de desenvolvimento da lavoura.
Léia, do MPA, conta que alguns municípios foram atingidos por granizo nesse fim do ano e início de ano, com perda nas lavouras de milho e feijão, e também um pouco de impacto nas lavouras do tabaco. "Algumas famílias nos relataram que estão sentindo também agora na safrinha de milho e feijão.”
Em Tiradentes do Sul, o produtor de leite Jovani da Silveira relata que o calor excessivo tem impactado na diminuição da produção de leite, dado o estresse gerado nos animais. Além disso, a irregularidade das chuvas provoca a redução na oferta de pastagem em alguns momentos. Sobre o leite, há relatos de aumento do custo de produção em até 30%, devido à necessidade de maior oferta de milho seco, farelo de soja e de trigo e de silagem aos animais, como meios de manter a litragem.
Jair Mayer, agricultor familiar do município de Tiradentes do Sul, relata com preocupação a escassez de água potável em sua comunidade. “O poço artesiano da comunidade, que é destinado ao consumo humano, já está sendo usado por algumas famílias para dessedentação animal. O consumo de água aumentou e o nível dos rios está diminuindo dia após dia.”
Bom para o arroz
Único grão que tem um desenvolvimento de boa qualidade, segundo a Emater/Ascar, é o arroz. No dia 15 de janeiro iniciou a colheita de arroz no estado pelos municípios de Itaqui e Maçambara. As áreas foram semeadas entre 1º e 10 de setembro, e alcançaram a maturação, sem apresentar impactos significativos da estiagem, que afeta a região desde meados de dezembro. A produtividade obtida é considerada satisfatória e atinge 8.750 kg/ha. As condições climáticas, de maneira geral, continuaram favoráveis para as demais lavouras, embora haja algum risco de estresse devido às temperaturas próximas aos 40°C em municípios da Fronteira Oeste. Esse cenário pode ocasionar esterilidade de espiguetas nas lavouras em fase de floração e prefloração.
"A excelente disponibilidade de radiação solar e a baixa umidade relativa do ar têm influenciado de forma positiva a sanidade da cultura. No entanto, ainda há alto consumo de água para irrigação, o que mantém os produtores atentos aos níveis dos rios e barragens", destaca a Emater. Segundo o Instituto Rio Grandense de Arroz (Irga), a área implantada é de 927.885 hectares de arroz irrigado. A Emater/Ascar estima produtividade inicial de 8.478 kg/ha.
Previsão do clima para fevereiro
Os institutos de meteorologia afirmam que fevereiro é o último mês do chamado verão meteorológico (trimestre de dezembro a fevereiro), embora o verão astronômico chegue ao fim apenas no dia 20 de março, às 6h01. Como mês de verão, obviamente é quente e costuma registrar dias de muito alta temperatura com chuva principalmente de natureza convectiva, ou seja, associada ao ar quente e úmido com altos volumes localizados que costumam trazer alagamentos, inundações repentinas e tempestades, algumas severas.
A primeira semana, ou os primeiros dez dias de fevereiro, serão marcados por calor excessivo, em particular no Rio Grande do Sul. As máximas podem superar os 40ºC em grande número de municípios. Na sequência do mês, ainda haverá dias quentes e alguns de muito calor, mas com intervalos de temperatura agradável.
Mudanças na produção
Para o coordenador geral da Fetraf-RS, Douglas Cenci, o cenário é preocupante. “O estado enfrentou quatro anos consecutivos de estiagens que, somadas às enchentes, resultaram em perdas econômicas e sociais significativas para os agricultores familiares. Uma nova perda produtiva agrava a situação dos agricultores, podendo ampliar o endividamento e levar muitos à desistência."
Cenci afirma que este é um cenário cada vez mais recorrente e os governos estadual e federal precisam encará-lo com seriedade e criar políticas públicas voltadas a mitigar os prejuízos sofridos pela categoria da agricultura familiar. "Avaliamos que, em primeiro lugar, é preciso garantir a reestruturação dos agricultores diante das perdas já sofridas; em segundo, auxiliar os agricultores no processo de adaptação da produção diante do novo contexto climático e; em terceiro, implementar medidas globais (no campo e na cidade) que busquem mitigar ou reverter a severidade das mudanças climáticas.”
No que diz respeito ao processo de adaptação da agricultura familiar a nova situação climática, estão em andamento iniciativas que visam construir resiliência no campo, através de mudanças no manejo dos sistemas produtivos.
Nesse sentido, a Fetraf vem trabalhando a partir do Método Sistema de Plantio Direto de Hortaliças e outras Culturas (SPDH+), que consiste num conjunto de técnicas que objetivam a diminuição de custos de produção, a retenção de umidade no solo – diminuindo assim a evapotranspiração acelerada pelas altas temperaturas –, a manutenção e/ou aumento dos índices de produtividade, a redução da penosidade do trabalho e, somado a isso, a melhora nas condições ambientais dos agroecossistemas, colaborando na adaptação dos agricultores às mudanças climáticas e na mitigação de seus impactos.
Edição: Katia Marko