A gente se sente veraneando em cidade da serra ou de qualquer outra cidade sem mar do interior gaúcho. Os sons, as palavras e os gostos ali ouvidos e sentidos nos remetem para bem longe de uma praia do Litoral Norte gaúcho. As pessoas que vão ao local são de hábitos e costumes diferentes e, grande parte, cheia de conservadorismo nas veias. Ao menos é isso que se observa. A praia ‘original’ é Arroio do Sal, “município maravilhoso, com povo ordeiro e hospitaleiro”, como se autodefine. Pode até ser. Ela é dona de 27 quilômetros da costa com o oceano Atlântico e tem 60 balneários de todos os tamanhos, entre eles Areias Brancas, Bom Jesus, Figueirinha, Rondinha, São Pedro e Balneário Atlântico, os mais procurados. Tem população de 11.057 pessoas, conforme o Censo de 2022, o que representa aumento de 42,86% em comparação com o Censo de 2010.
É uma região calma, pacífica. Não há aglomerações. Dá para se instalar na beira da praia com folga. Não existe aquele mar de guarda-sóis visto em praias turbulentas como Capão da Canoa, Tramandaí, Cidreira, Xangri-lá, Torres, frequentadas por multidões enlouquecidas de veranistas de Porto Alegre. Arroio do Sal é excelente para férias em famílias, com crianças correndo, sem medo de nada. As praias são ótimas. Não há enxame de vendedores de quinquilharias. Os cachorros perambulam por ali, com a liberdade que pediram aos deuses. Até os pássaros se aproximam com certa intimidade.
As pessoas falam de qualquer coisa. Pedro, de Santa Maria, se aproximou. Fez perguntas de praxe e lascou essa: “Depois que deixei de fumar e beber, o que mais gosto de fazer é ficar olhando esta meninada de biquini”. Sérgio, outro da velha guarda, veio de Galópolis, e estava feliz em ter achado o lugar certo para veranear. “Aqui tudo é uma bênção. Nunca vi tanta tranquilidade. Não tem nem ladrão”, disse. Marieta, de São Marcos, garante que só aqui dá para se bronzear sem se importar com qualquer observação desagradável. “Ninguém fala se tu és gorda, feia, branquela. A maioria é”, comenta, aliviada. José, de Nova Prata, com dois filhos adolescentes, diz que sua principal preocupação é com vendedores de drogas. “Estou sempre de olho, mas aqui não vi nenhum. Tomara que nunca apareçam.”
O município foi emancipado de Torres em abril de 1988, mas a sua origem como agrupamento urbano remonta à 2ª Guerra Mundial. O sal tornou-se produto escasso no mundo. Assim, alguns moradores próximos à Lagoa de Itapeva dirigiram-se para o arroio, onde tinha uma figueira, para produzir sal junto ao mar, daí surgindo o nome.
Com área de 120 km², o verão é a sua estação preferida. Há mais movimento, a população aumenta para até 90 mil habitantes. O comércio se agita. As vendas crescem. As casas e os prédios são ocupados. De acordo com o Censo 2022, o município é o que tem mais moradias vazias do que ocupadas no país — de quase 19 mil, só 4,5 mil possuem moradores fixos.
A primeira região habitada de Arroio do Sal foi a Estância do Meio, que era subdividida em Raizeira, Estância do Meio, Três Arroios e Figueiras. Essas comunidades viviam da agropecuária e da pesca realizada na Lagoa Itapeva. Até meados de 1920 os habitantes de Estância do Meio não tinham o costume de ir ao mar. A costa ficava à cerca de seis quilômetros e o caminho até lá era cheio de problemas - matos, imensas dunas, inúmeros arroios e terrenos alagadiços.
Quando um morador arriscou ir adiante e se aventurou a chegar à beira do mar, descobriu que lá haviam diversos tipos de peixe em abundância, além de mariscos. Foi a descoberta do caminho para uma nova vida. Outros moradores o seguiram, mas a ocupação foi lenta. O trajeto de ida e volta demandava esforço, tornando-se mais fácil acampar no local. Logo, os moradores de Estância do Meio passaram a construir cabanas onde ficavam por até 15 dias. Com o tempo, avançaram o sinal e foram ficando mais tempo. Não é uma grande aglomeração. Durante os dias da semana, mesmo nesta época, a lerdeza da vida chega a causar tédio.
Rondinha
Rondinha Nova é a praia mais conhecida de Arroio do Sal. Tem longa tradição. Mas está estacionada no tempo. Tem pouca coisa. É difícil achar restaurantes e comércio diversificados. Pouca gente mora o ano inteiro por ali. Ninguém sabe dizer ao certo. Nem a prefeitura de Arroio do Sal, responsável por administrar a localidade. Com lerdeza também para informar. O lixo é pouco recolhido, mas os próprios veranistas se encarregam de colocar um pouco de ordem. Tem um hotel bacana, com preço razoável, boas condições. O que não falta ali é templo evangélico. São quatro em poucas quadras.
A beleza da beira do mar é sensacional. Mais calma impossível. Pouquíssima gente. Ali, se pode ficar dono de bons pedaços de areia. Neste mês de janeiro, por exemplo, as águas estavam limpas, fantásticas, claras, mas pouca gente se arriscava a entrar mar adentro. Todo o Litoral Norte gaúcho, inclusive Rondinha, foi invadido por mães d’água*, provocando queimaduras em milhares de pessoas. A preocupação com a questão girava por todos os lugares. E o vinagre, um santo remédio para combater as queimaduras, esgotou em diversos armazéns e supermercados.
Contam por ali que Rondinha tem uma beleza mais rústica, o que é verdade, e que a praia é tranquila, com uma faixa longa de areia dourada e grossa. O mar é levemente agitado, formando algumas ondas mais fortes, consideradas boas por quem gosta de surfe, mas não se vê surfistas por ali. De águas transparentes, é propício para o banho e prática de esportes como kitesurf e windsurf, mas os praticantes não aparecem com frequência. A infraestrutura na beira da praia é quase zero, não há barracas para a venda de milho, peixinhos fritos, pastéis, caipirinhas, bebidas. O indicado é que o visitante leve alimentos e bebidas para poder desfrutar de um agradável dia na praia, não ficar irritado e querer ir embora muito rápido.
O grande atrativo das proximidades de Rondinha é o Parque Natural Municipal Tupancy, localizado a 8 km do Centro de Arroio do Sal, a cidade-chefe. É uma Unidade de Conservação onde é possível encontrar uma fauna silvestre bem diversificada. O parque recebeu este nome em homenagem ao Grupo de Escoteiros Tupanci, vinculado ao Colégio Rosário, de Porto Alegre. Tupancy é uma palavra de origem indígena que significa “Mãe de Deus”. Há mais de cem espécies de aves por ali, trilhas, ratões de banhado, jabutis, lagartos e tantos outros bichos, mas as capivaras sumiram. Contam que elas desapareceram completamente nos últimos meses. Já eram poucas e, por falta de reprodução, foram morrendo.
O local oferece ao visitante uma infraestrutura com diversas atrações. Além disso, também protege os recursos naturais característicos da Zona Costeira e da Mata Atlântica do Estado. Especialmente ecossistemas de dunas, banhados, mata de restinga, lagoas interiores e fauna e flora associada a esses ambientes.
O parque tem dois hectares e oferece aos visitantes também um Observatório de Aves. Os eventuais turistas ainda dispõem de uma passarela onde é possível que o visitante observe a mata que fica nas margens da Lagoa Tupancy, a própria lagoa e os animais do parque.
Outro atrativo são as duas trilhas que podem ser feitas no interior do parque e que estão permanentemente abertas ao público visitante. A Trilha da Lagoa tem 1.100 metros de extensão e é de nível fácil. Já a Trilha da Coronilha, possui aproximadamente 1.400 metros e apresenta nível intermediário de dificuldade. As trilhas são autoguiadas e sinalizadas, ou seja, sem necessidade de acompanhamento de guias.
No Centro de Visitantes, são disponibilizadas informações sobre o parque e é onde é realizada a acolhida dos turistas. O Parque Tupancy está situado no Balneário Tupancy, entre as praias de Rondinha e Balneário Atlântico, na avenida Interpraias, 7.843, e fica aberto de terça a sábado, das 8h30min às 11h30min e das 14h às 17h30min. Escolas que desejam visitar o local devem realizar agendamento.
Vale ou não vale a pena desvendar as praias de Arroio do Sal? Sem dúvida que valem a pena. Para quem não gosta de multidões, as praias da região são ideais. Não diria desertas porque é exagero. Mas são ótimas. Não têm as loucuras das mais procuradas do nosso Litoral, onde há fila até para comprar pão no supermercado ou beber uma caipirinha na beira da praia e onde a gente não sossega com tantos sons e barulhos musicais enlouquecedores e ensurdecedores. Experimente! É uma nova forma de veranear.
* Em caso de queimaduras por águas-vivas (ou mães-d'água), o melhor remédio é o vinagre. Jamais utilize água da torneira ou mineral no local, é o que alerta a bióloga do Centro de Informação Toxicológica (CIT), Kátia Moura. Ela explica que, para limpar a ferida, use a própria água do mar e, para aliviar a dor, o vinagre.
Edição: Vivian Virissimo