Rio Grande do Sul

GASTOS PÚBLICOS

Em quatro anos, governo Melo gasta cerca de R$ 20 milhões em contratação de consultorias

Maior valor refere-se ao projeto de despoluição do Arroio Dilúvio

Sul21 |
Projeto de revitalização da Avenida Ipiranga tem o contrato mais caro, de R$ 4,4 milhões - Foto: SMAMUS/Divulgação/PMPA

Desde de que tomou posse em janeiro de 2021, em seu primeiro mandato, o governo do prefeito Sebastião Melo (MDB) assinou, pelo menos, 20 contratos de consultoria para os mais diversos assuntos, conforme levantamento realizado pela reportagem do Sul21. Somados, os contratos totalizam R$ 21 milhões, mais especificamente R$ 21.034.105,00.

O levantamento foi realizado com dados disponibilizados no Portal Transparência, a partir de pesquisa com o filtro “consultoria” em contratos firmados desde 2021. O resultado mostrou 85 contratos sobre os mais diversos assuntos. Muitos tinham o caráter de prestação de serviços rotineiros da administração pública e foram deixados de lado. Sobraram então 20 contratos.

O de valor mais alto, de R$ 4.490.278,14, refere-se a contratação de consultoria especializada para elaborar os “estudos urbanísticos, sociais, econômicos e ambientais, bem como plano de comunicação, visando à implementação de Operação Urbana Consorciada (OUC) na Avenida Ipiranga”. Vigente desde o dia 4 de setembro de 2023, o contrato entre a Prefeitura de Porto Alegre e o Consórcio Regeneração Urbana Diluvio se encerra no dia 3 de setembro deste ano.

O projeto para a despoluição do Arroio Dilúvio foi apresentado pelo governo municipal em setembro de 2024. Os consultores contratados sugerem a implantação de coletores de esgoto em pontos específicos em épocas de baixa vazão da rede pluvial, em dias não chuvosos, e a criação e adequação de novas Casas de Bombas de Tempo Seco (CBTS). A medida visa impedir o despejo de esgoto misto diretamente na rede de drenagem urbana. O projeto também tem o objetivo de viabilizar novas construções no entorno da Avenida Ipiranga e, como contrapartida, garantir recursos para a despoluição do arroio.

Se a proposta realmente irá adiante ainda não se sabe. Procurada pela reportagem, a Prefeitura preferiu não se manifestar.

A pesquisa dos contratos no Portal da Transparência revela um parceiro frequente do governo Melo nos projetos de privatização e concessão mais simbólicos da atual gestão. Trata-se da São Paulo Parcerias S/A, empresa de sociedade de economia mista focada na concepção e implementação de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPP). Foi com ela que a Prefeitura assinou contratos que somados chegam a R$ 8,8 milhões, valor que representa quase 50% de todos os 20 contratos pesquisados desde 2021 com o filtro “consultoria”.

Contratada pela Secretaria Municipal de Parcerias, estão sob responsabilidade da São Paulo Parcerias S/A os projetos de concessão à iniciativa privada do Viaduto Otávio Rocha, da Usina do Gasômetro, do Trecho 2 da Orla do Guaíba e da implantação e manutenção de sanitários públicos fixos. Dos cinco contratos, todos ainda vigentes, o de maior valor custa aos cofres públicos municipais R$ 2.484.685,90 (R$ 2,4 milhões) – no Portal da Transparência, ele consta apenas como “consultoria e assessoria projeto escolas municipais”, sem mais explicações sobre o objeto do contrato.

Questionada pela reportagem do motivo em escolher fazer todos esses contratos com a São Paulo Parcerias S/A, a Prefeitura também preferiu não se manifestar.


Pesquisadores têm criticado a proposta da Prefeitura de PPP do lixo por 35 anos / Foto: Luiza Castro/Sul21

Entre a teoria e a prática

As diversas consultorias contratadas pela Prefeitura para diferentes assuntos têm sido questionadas pela sua eficiência prática. O caso mais recente se refere à proposta de Parceria Público-Privada (PPP) que pretende repassar por 35 anos a gestão dos resíduos sólidos da Capital para uma empresa privada.

Um estudo elaborado pelo Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento e pelo Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa, ambos ligados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), comparou a PPP apresentada pelo governo Melo no final do ano passado com o Plano de Ação Climática, lançado em setembro de 2024. O resultado foi uma série de contradições entre teoria e prática.

“A questão do Plano de Ação Climática ilustra algo que tem acontecido, que é essa ‘indústria das consultorias’, onde são produzidas análises e planos na linha do ideal, mas que na verdade são completamente desconsiderados na prática. Há todo um greenwashing de apresentar planos, dizer que está preocupado, que está ouvindo cientistas ou organizações, mas que na verdade é um pouco do tradicional ‘para inglês ver’”, afirma Marcelo Kunrath, professor do Departamento de Sociologia da UFRGS e coordenador do Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento.

Em sua análise, o Plano de Ação Climática (PLAC) tem várias ideias interessantes e reconhece uma série de problemas que existem e causam a crise climática, propondo soluções para enfrentar a questão. As ideias e propostas, todavia, ficaram apenas no papel. “Quando vamos ver a proposta concreta da Prefeitura no caso dos resíduos sólidos, que é a PPP, o plano é simplesmente desconsiderado, simplesmente não é levado em conta”, explica Kunrath.

Uma das consultorias contratadas para elaborar o PLAC é o Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais (ICLEI, na sigla em inglês). Por R$ 350 mil, o ICLEI segue tendo contrato vigente com a Prefeitura até setembro deste ano para a “prestação de serviços de consultoria técnica especializada para elaboração do Plano de Preparação e Mitigação de Desastres Climáticos (PPMDC), na Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade”.


A drenagem urbana foi objeto de contratação de consultoria entre julho de 2022 e janeiro de 2024 / Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Outra consultoria, a Wolf Soluções Ambientais LTDA, foi contratada por R$ 134.800,00 mil entre fevereiro e outubro de 2024 para identificar e mapear áreas contaminadas e potencialmente contaminadas na Capital. Questionada sobre os resultados práticos deste estudo, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) optou por não se manifestar.

Entre abril de 2022 e abril de 2023, a empresa Ambiética Assessoria Ambiental LTDA também firmou contrato com a Prefeitura para elaborar, implementar e monitorar o Programa de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (PEDS) nas escolas da rede municipal de ensino de Porto Alegre. A proposta chegou a ser apresentada às equipes diretivas de escolas de educação infantil e de ensino fundamental em junho de 2022. Passados quase dois anos do fim do contrato de consultoria, que custou R$ 580 mil, o governo municipal novamente preferiu não comentar como o programa tem sido implementado nas escolas.

Tema recorrente a cada chuva que cai e alaga regiões da Capital, a drenagem urbana foi objeto de contratação da empresa Rhama Consultoria Ambiental LTDA entre julho de 2022 e janeiro de 2024 – portanto, antes da grande enchente de maio do ano passado. Ao custo de R$ 1 milhão (exatamente R$ 1.099.889,56), a empresa foi contratada para a “prestação de serviços técnico-profissionais especializados de estudo de viabilidade técnica, operacional e econômico-financeira de serviços de drenagem específicos para o município de Porto Alegre para a Secretaria Municipal de parcerias (SMP)”, conforme consta no Portal da Transparência.

Questionada sobre quais resultados desta consultoria têm sido postos em prática atualmente, o governo municipal também optou por não responder.

Assessoria verde

Na área ambiental de Porto Alegre, há uma empresa que tem prestado serviços frequentes para a Prefeitura: trata-se da Profill Engenharia e Ambiente S.A. Em novembro de 2021, ela foi contratada pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) para elaborar o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, ao custo de R$ 521 mil.

Alguns meses depois, em fevereiro de 2022, a empresa assinou outro contrato com a Smamus, dessa vez para elaborar o mapeamento e a caracterização das Áreas de Preservação Permanente (APP) da Capital. Finalizado em setembro de 2023, o contrato custou R$ 658 mil aos cofres municipais.

Apesar de obter contratos para a execução de trabalhos importantes na área ambiental na Capital, a empresa teve seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) feito para subsidiar o projeto imobiliário na Fazenda do Arado, em Belém Novo, declarado em parte como “falso/enganoso/omisso” em laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), em inquérito da Polícia Civil concluído em maio de 2021. Na conclusão do inquérito, a Polícia Civil afirma ter havido alteração nos mapas geológicos da área, omissões sobre a existência de fauna ameaçada de extinção, entre outras falhas técnicas.

O EIA/RIMA feito pela Profill Engenharia e Ambiente S.A para subsidiar o projeto imobiliário na Fazenda do Arado foi produzido em 2012, como exigência do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PPDUA). Após a elaboração do estudo, entretanto, surgiram dúvidas com relação a diferentes aspectos técnicos. Como as explicações dos responsáveis pelo empreendimento não foram consideradas satisfatórias, o estudo ambiental virou assunto de polícia.

Em dezembro de 2018, um inquérito policial foi aberto e a Direção do Departamento de Criminalística enviou uma equipe de peritos ambientais à Fazenda do Arado, com o objetivo de apurar denúncia de irregularidades e omissões no EIA/RIMA elaborado pela empresa Profill Engenharia e Ambiente S.A.


Fazenda do Arado, localizado na zona Sul de Porto Alegre / Foto: Luciano Pandolfo/Smamus PMPA

Na ocasião, parecer do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) apontou irregularidades nos estudos sobre o estágio da Mata Atlântica na Ponta do Arado e sobre espécies ameaçadas, além da baixa altura do terreno nas áreas próximas ao Guaíba, em nível inferior ao estipulado pelo antigo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) para a construção de empreendimentos. A baixa altura exigiria um grande aterro dentro da Área de Preservação Permanente (APP).

A conclusão do inquérito policial que investigou a prática de crime contra a administração ambiental ocorreu em maio de 2021. Nele, a Polícia Civil afirma ter havido alteração nos mapas geológicos da área, e que o EIA não explicou os critérios utilizados para diferenciação entre “áreas úmidas” e “banhados”. As áreas de banhado impactam na definição das Áreas de Preservação Permanente (APP).

No topo do Morro do Arado, o inquérito policial também concluiu que houve omissão nos mapas do EIA sobre a existência de Área de Preservação Permanente (APP). A Polícia Civil ainda concluiu ter havido omissões sobre a existência de fauna ameaçada de extinção, como o gato-maracajá, entre outras falhas do EIA em relação às exigências do Termo de Referência da Secretaria Municipal do Meio Ambiente.

Diante dos elementos apontados no laudo do IGP, o inquérito policial concluiu que o Estudo de Impacto Ambiental do projeto imobiliário é “falso ou enganoso, inclusive por omissão”.

Na ocasião, questionada pela reportagem do Sul21, a Prefeitura explicou que a empresa foi considerada apta a participar da licitação e, portanto, homologada como a vencedora. Agora, perguntada sobre de que forma o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica e de que modo o mapeamento e a caracterização das Áreas de Preservação Permanente (APP) têm sido postos em prática e orientado as políticas da Prefeitura, o governo municipal também optou por não responder.

Edição: Sul 21