A Lei Complementar nº 212/2025 que cria o programa de renegociação da dívida dos estados com a União foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 14 de janeiro, mas não foi bem vista por governadores de oposição, que criticaram os trechos vetados pelo Planalto. O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e reduz os juros da dívida para os estados que aderirem até 31 de dezembro de 2025.
Entre as mudanças do programa, o pagamento da dívida é renegociado por 30 anos e passa a ser corrigido pela inflação, em vez da taxa Selic, mais uma taxa que pode chegar a 4%, semelhante aos 4% já cobrados atualmente. A novidade é que essa taxa acima da inflação, que hoje é paga ao Governo Federal, ganha novos destinos. Os estados poderão abater 2% ao usarem o valor em investimentos em educação, saneamento, infraestrutura e segurança.
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O economista André Aranha explica que a União, em vez de cobrar os juros, obriga o estado a investir esse valor no próprio estado, ideia que foi chamada de "Juros por Educação" quando apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 2023. "Isso se manteve no projeto, na lei complementar, tem essa parte. E essa é a parte mais interessante, porque modifica a lógica de eu ficar só fazendo o Estado se sucatear. Eu tô tentando fazer ele investir na recuperação econômica dele."
Os outros 2% vão para uma reserva de uso dos estados, o Fundo de Equalização Federativa, por meio do qual os estados em situação fiscal ruim compensarão os com boa situação fiscal. Essa foi uma das medidas criticadas pelos governadores de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Goiás. Somente esse grupo, junto de São Paulo, soma cerca de 90% da dívida dos estados com a União, que hoje é de mais de R$ 760 bilhões.
André Aranha aponta que essa medida foi necessária para costurar politicamente o projeto. "Para você entrar no Propag, em vez de você pagar esses juros pra União, uma parte deles você vai pagar pros outros estados."
RS pode ficar fora do Propag
O governador Eduardo Leite (PSDB) ameaça não aderir ao Propag por conta do veto a trecho da lei que permitia que o estado não contribuísse ao fundo em função da situação de calamidade decretada durante a enchente. O reconhecimento da calamidade pelo Congresso Nacional suspendeu o pagamento da dívida do RS à União por três anos.
Nas redes sociais, Leite disse: “Na prática, voltaríamos a repassar valores à União, contrariando a suspensão da dívida pelo período de três anos, cujos valores estão sendo destinados ao Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs) para reconstrução”.
André destrincha a discordância. "O que torna a questão mais complexa é que o veto, o dispositivo que foi vetado, ele falava que o Rio Grande do Sul, o estado em calamidade, não teria que contribuir para outros estados durante todo o Propag, e o Propag dura 30 anos. Então o Rio Grande do Sul teria 30 anos sem participar desse pedágio, com os outros estados. O que desbalanceia um pouco, o acordo fica muito generoso para o Rio Grande do Sul."
Aumento a curto prazo e economia em décadas
A medida impõe uma perda entre R$ 5 e 7 bilhões, entre 2025 e 2027, mas a partir de 2028 passa a reduzir a dívida do Rio Grande do Sul. A bancada do PT na Assembleia gaúcha critica o posicionamento de Leite e celebra a possível economia que a medida vai gerar em 30 anos.
"Nós vamos ganhar R$ 55 bilhões nesse prazo, ou seja, a taxa de juros zero. Esta proposta aprovada, ela vai criar um benefício para o Rio Grande do Sul de investir algo em torno de R$ 1,8 bilhão a mais por ano no nosso estado, o que é extraordinário", afirma o deputado Miguel Rossetto, líder da bancada do PT-PCdoB na Assembleia Legislativa.
Para o deputado, seria irresponsável o estado não assinar o acordo. "O governador tem o mínimo de responsabilidade, não vai prejudicar 30 anos no estado por conta do interesse no seu último ano de mandato para governador, e seria uma irresponsabilidade monstruosa. Não fecha essa conta."
"Uma dívida interminável"
Apesar das mudanças nos juros das dívidas, o Propag não altera o montante do débito dos estados. Alguns especialistas defendem que essa dívida já está paga. É o caso do auditor fiscal aposentado João Pedro Casarotto, membro do Núcleo Gaúcho da Auditoria Cidadã da Dívida.
"Em dezembro de 2023, a dívida do Rio Grande do Sul com a União, que tomou lá atrás, representava R$ 48 bilhões. Até então, até dezembro de 2023, o Rio Grande do Sul já havia pago R$ 59 bilhões, em termos corrigidos. E nesse dezembro de 2023, nós estamos ainda com saldo devedor de R$ 90 bilhões. Então é uma dívida interminável. Ela não vai acabar nunca", afirma.
Ele explica que os valores do montante da dívida dos estados pagos à União, por disposição legal, são usados para o pagamento da dívida pública federal. "Nós tiramos essa capacidade de investimento no estado para transferir para esse sistema financeiro. Esse sistema financeiro é, na verdade, o grande beneficiário desse processo todo. Todos os recursos vão para lá e é por isso que a gente defende que precisa mudar a sistemática, tem que refazer."
Como exemplo, ele destaca que "desde 2013 o Rio Grande do Sul já estaria com essa dívida paga" se a dívida fosse corrigida e o valor recebido fosse devolvido monetariamente sem juros. Na sua avaliação, o mecanismo da dívida ataca o pacto federativo decidido pela Assembleia Nacional Constituinte, ao restringir a autonomia dos estados com imposições de austeridade.
"Quer dizer, desde 2013 até agora nós estamos pagando uma dívida, estamos nos sujeitando ao comando do governo central de graça, só por conta de juros. E ainda se faz uma nova lei em que se mexe um pouco nessa questão dos juros, mas para aderir a isso tem que assinar o documento dizendo que concorda com todo o saldo devedor", critica.
Para Casarotto, há falta de interesse dos representantes políticos em promover mudanças nesse sistema da dívida. "Não é uma questão técnica, não é questão financeira, é uma questão puramente política", conclui.
Edição: Katia Marko