Além de captar, tratar e distribuir água e coletar e tratar o esgoto da população de Porto Alegre, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) também é responsável pelo sistema de proteção contra enchentes da cidade. Menos de um ano após o sistema ter falhado por falta de manutenção, deixando a região central da capital gaúcha submersa, o prefeito Sebastião Melo (MDB) se movimenta para entregar o órgão à iniciativa privada, cumprindo promessa de campanha.
Entre os projetos enviados por Melo à Câmara de Vereadores nos primeiros dias de seu segundo mandato, o PLE 003 de 2025 visa extinguir o conselho deliberativo do DMAE, reduzir sua autonomia e introduzir a delegação dos serviços, abrindo caminhos para a privatização. O texto só não foi à votação porque o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) obteve liminar na Justiça, que suspendeu a votação até que seja realizada audiência pública.
A luta agora é para que a audiência pública, marcada pela presidência da Câmara de Vereadores para segunda-feira (20), de forma virtual, seja realizada em formato presencial. O Simpa defende que as audiências públicas são um instrumento de participação popular e que não devem ser apenas uma formalidade procedimental, e que o meio virtual prejudica a participação popular.
Confira a reportagem em vídeo:
Diretor do sindicato, Edson Zomar tece críticas ao governo municipal. "Na troca de gestão, com a reeleição do prefeito Melo, que publicamente assume a questão da privatização do DMAE, foi encaminhado, agora já início de ano, sem nenhum debate com a sociedade, com a cidade. Inclusive a própria direção do DMAE, há mais de um ano, não recebe o sindicato e os seus representantes."
Para ele, "o governo Melo, se governasse para a população, deveria não enviar um PL que extingue o controle social, não enviar um PL que abra as portas para a delegação de serviços, não enviar um PL onde cargos que são de caráter técnico vão ser ocupados pelos CCs. Mas sim fazer a reposição do servidor do DMAE, que hoje são pouco mais de mil do quadro próprio".
Zomar, que também é servidor do DMAE, afirma que o quadro de trabalhadores do órgão "deveria ser no mínimo duplicado de forma imediata". Para ele, Melo "deveria nomear as pessoas do último concurso, coisa que não fez até agora" e "dar autonomia administrativa para compras de materiais adequados para pessoas que conhecem a atividade". Além de "executar os projetos que deveriam estar em andamento e não estão".
Ataque ao controle social
Além de transformar em consultivo, o projeto exclui do conselho entidades como o Simpa e outras que representam a sociedade civil. Para a oposição na Câmara de Vereadores, a medida visa atacar o controle social, instância que historicamente faz resistência à privatização. É o que afirma a vereadora Juliana de Souza (PT).
"Essa alteração da correlação de forças se expressa na indicação de seis representantes do Poder Executivo, que compõem a estrutura do Poder Executivo, e de mais dois que o Poder Executivo vai indicar e que podem não ser da administração pública. Podem ser, no nosso olhar e pelo que a gente vê dos movimentos na cidade, aqueles que hoje se colocam em Porto Alegre como os donos da cidade, as representações das incorporadoras, do empresariado, do capital imobiliário", explica.
A vereadora lembra que bairros da Capital sofrem todos os anos com falta de água no verão, como por exemplo a Lomba do Pinheiro. E que, em chuvas recentes, a cidade voltou a alagar. Para ela, as mudanças defendidas pelo governo Melo representam um risco para a prestação dos serviços públicos oferecidos à população de Porto Alegre, "seja o serviço de abastecimento de água, o serviço de saneamento, mas também da drenagem do sistema de proteção contra as cheias".
Precarização teve seu preço
"A gente viu durante o período da enchente que a precarização do DMAE, que já está em curso na cidade desde o governo Marquezan (PSDB), ela teve o seu preço. Nós não tínhamos trabalhadores suficientes porque nós temos um alto número de cargos vagos, porque há um processo de precarização que visa privatização", pontua.
Ex-diretor geral do DMAE, Guilherme Barbosa também critica a gestão do governo Melo com a drenagem da cidade. "Depois de tudo que aconteceu e o Governo Federal bancou muito através do presidente Lula – virão R$ 6,5 bilhões para que seja recuperado e ampliado o sistema – a única coisa que a Prefeitura fez até agora foi a recuperação desse dique na zona Norte, que fica ali atrás da Fiergs. De resto, não fez nada. E toma medidas enlouquecidas como, em vez de recuperar as comportas, aumentar mais o muro, fechar aquela possibilidade de entrada."
"Falta de investimento, perda de qualidade e tarifa alta"
Barbosa ressalta que Porto Alegre vai na contramão do mundo ao buscar a privatização de um serviço tão importante para a saúde pública. Dados da entidade holandesa Transnational Institute apontam que, desde o ano 2000, mais de 1.700 privatizações foram revertidas no mundo todo. Quase metade são empresas dos setores de energia e de água.
"Em países como Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Reino Unido, que não têm nada a ver com esquerda, que reestatizaram, por quê? Sempre três motivos. São dois que terminam dando o terceiro. Falta de investimento, perda de qualidade e tarifa alta. E os governos, então, puxam de volta porque não dá certo", afirma.
Após a liminar impedir a votação do PL no início do ano, a presidência da Câmara de Vereadores marcou audiência pública para o dia 20 de janeiro, só que de forma online. Servidores e oposição estão mobilizados para garantir o formato presencial, a fim de garantir ampla participação das servidoras, servidores e da população, e pedem que a população se some na luta.
O Brasil de Fato RS procurou a Prefeitura de Porto Alegre para que se manifestasse sobre o projeto de lei e as mudanças no órgão, mas não teve retorno. O espaço permanece aberto.
Edição: Katia Marko