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Na mira da privatização: projeto do governo Melo enfraquece controle social do DMAE

Após obter liminar que impediu votação do PL sem audiência pública, sindicato luta para garantir formato presencial

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Servidores do DMAE estão na luta contra a privatização do órgão há oito anos - Foto: Divulgação Simpa

Além de captar, tratar e distribuir água e coletar e tratar o esgoto da população de Porto Alegre, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) também é responsável pelo sistema de proteção contra enchentes da cidade. Menos de um ano após o sistema ter falhado por falta de manutenção, deixando a região central da capital gaúcha submersa, o prefeito Sebastião Melo (MDB) se movimenta para entregar o órgão à iniciativa privada, cumprindo promessa de campanha.

Entre os projetos enviados por Melo à Câmara de Vereadores nos primeiros dias de seu segundo mandato, o PLE 003 de 2025 visa extinguir o conselho deliberativo do DMAE, reduzir sua autonomia e introduzir a delegação dos serviços, abrindo caminhos para a privatização. O texto só não foi à votação porque o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) obteve liminar na Justiça, que suspendeu a votação até que seja realizada audiência pública.

A luta agora é para que a audiência pública, marcada pela presidência da Câmara de Vereadores para segunda-feira (20), de forma virtual, seja realizada em formato presencial. O Simpa defende que as audiências públicas são um instrumento de participação popular e que não devem ser apenas uma formalidade procedimental, e que o meio virtual prejudica a participação popular.

Confira a reportagem em vídeo:

Diretor do sindicato, Edson Zomar tece críticas ao governo municipal. "Na troca de gestão, com a reeleição do prefeito Melo, que publicamente assume a questão da privatização do DMAE, foi encaminhado, agora já início de ano, sem nenhum debate com a sociedade, com a cidade. Inclusive a própria direção do DMAE, há mais de um ano, não recebe o sindicato e os seus representantes."

Para ele, "o governo Melo, se governasse para a população, deveria não enviar um PL que extingue o controle social, não enviar um PL que abra as portas para a delegação de serviços, não enviar um PL onde cargos que são de caráter técnico vão ser ocupados pelos CCs. Mas sim fazer a reposição do servidor do DMAE, que hoje são pouco mais de mil do quadro próprio".

Zomar, que também é servidor do DMAE, afirma que o quadro de trabalhadores do órgão "deveria ser no mínimo duplicado de forma imediata". Para ele, Melo "deveria nomear as pessoas do último concurso, coisa que não fez até agora" e "dar autonomia administrativa para compras de materiais adequados para pessoas que conhecem a atividade". Além de "executar os projetos que deveriam estar em andamento e não estão".


"O governo Melo, se governasse para a população, deveria não enviar um PL que extingue o controle social" / Foto: Rafa Dotti

Ataque ao controle social

Além de transformar em consultivo, o projeto exclui do conselho entidades como o Simpa e outras que representam a sociedade civil. Para a oposição na Câmara de Vereadores, a medida visa atacar o controle social, instância que historicamente faz resistência à privatização. É o que afirma a vereadora Juliana de Souza (PT).

"Essa alteração da correlação de forças se expressa na indicação de seis representantes do Poder Executivo, que compõem a estrutura do Poder Executivo, e de mais dois que o Poder Executivo vai indicar e que podem não ser da administração pública. Podem ser, no nosso olhar e pelo que a gente vê dos movimentos na cidade, aqueles que hoje se colocam em Porto Alegre como os donos da cidade, as representações das incorporadoras, do empresariado, do capital imobiliário", explica.

A vereadora lembra que bairros da Capital sofrem todos os anos com falta de água no verão, como por exemplo a Lomba do Pinheiro. E que, em chuvas recentes, a cidade voltou a alagar. Para ela, as mudanças defendidas pelo governo Melo representam um risco para a prestação dos serviços públicos oferecidos à população de Porto Alegre, "seja o serviço de abastecimento de água, o serviço de saneamento, mas também da drenagem do sistema de proteção contra as cheias".


Vereadora Juliana de Souza afirma que oposição da Câmara está mobilizada para barrar tentativa de privatização do DMAE / Foto: Rafa Dotti

Precarização teve seu preço

"A gente viu durante o período da enchente que a precarização do DMAE, que já está em curso na cidade desde o governo Marquezan (PSDB), ela teve o seu preço. Nós não tínhamos trabalhadores suficientes porque nós temos um alto número de cargos vagos, porque há um processo de precarização que visa privatização", pontua.

Ex-diretor geral do DMAE, Guilherme Barbosa também critica a gestão do governo Melo com a drenagem da cidade. "Depois de tudo que aconteceu e o Governo Federal bancou muito através do presidente Lula – virão R$ 6,5 bilhões para que seja recuperado e ampliado o sistema – a única coisa que a Prefeitura fez até agora foi a recuperação desse dique na zona Norte, que fica ali atrás da Fiergs. De resto, não fez nada. E toma medidas enlouquecidas como, em vez de recuperar as comportas, aumentar mais o muro, fechar aquela possibilidade de entrada."


"Na contramão": Guilherme Barbosa recorda que milhares de serviços foram reestatizados ao redor do mundo após privatizações darem prejuízos à população / Foto: Rafa Dotti

"Falta de investimento, perda de qualidade e tarifa alta"

Barbosa ressalta que Porto Alegre vai na contramão do mundo ao buscar a privatização de um serviço tão importante para a saúde pública. Dados da entidade holandesa Transnational Institute apontam que, desde o ano 2000, mais de 1.700 privatizações foram revertidas no mundo todo. Quase metade são empresas dos setores de energia e de água.

"Em países como Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Reino Unido, que não têm nada a ver com esquerda, que reestatizaram, por quê? Sempre três motivos. São dois que terminam dando o terceiro. Falta de investimento, perda de qualidade e tarifa alta. E os governos, então, puxam de volta porque não dá certo", afirma.

Após a liminar impedir a votação do PL no início do ano, a presidência da Câmara de Vereadores marcou audiência pública para o dia 20 de janeiro, só que de forma online. Servidores e oposição estão mobilizados para garantir o formato presencial, a fim de garantir ampla participação das servidoras, servidores e da população, e pedem que a população se some na luta.

O Brasil de Fato RS procurou a Prefeitura de Porto Alegre para que se manifestasse sobre o projeto de lei e as mudanças no órgão, mas não teve retorno. O espaço permanece aberto.


Edição: Katia Marko