Rio Grande do Sul

Coluna

Ignorância, paralisia intelectual e escravidão interior

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Imagem extraída do filme 'PSICOSE EM MASSA: Como uma sociedade inteira se torna MENTALMENTE DOENTE' - Reprodução
Sem anistia, e com povo na rua. Parece que agora apenas isso pode virar o vento depois do temporal

No imaginário coletivo existem símbolos padronizados que orientam nossas ações por impulso, aquelas que ocorrem “de pronto”, dispensando qualquer reflexão.

O líder, o rei, a princesa, a noiva, o inimigo, o monstro, o caçador, o auxiliar, entre outras caracterizações presentes nas histórias de heróis, nos mitos e nos contos de fadas, ajudam a identificar aqueles papéis que, interiorizados desde a infância das sociedades humanas, dariam  impulso a nossa atitudes e paixões inconscientes.

Os estudiosos que tratam disso argumentam que a maturidade só é alcançada por uma preparação que permita compreender (aceitar) aqueles papeis, em sua condição de máscaras. Isto ocorreria em convívio social e se revelaria pela capacidade de leitura de conteúdos, demarcando estratificação entre as pessoas e as máscaras sociais por elas incorporadas nos papeis relacionais que assumem (bem como naquilo que isso implica, em termos de auto imagens fantasiosas).

Em O herói de mil faces, Joseph Campbell destrincha isso discutindo padrões inerentes a todos os mitos, de todas as sociedades humanas, em todos os tempos. Na real, há que ler o livro. Aqui, de maneira super simplificada, repito apenas que se trata de algo tão profundamente inserido em nossa espécie, que ainda hoje (e quem sabe até o fim dos tempos) parece se aplicar perfeitamente ao comportamento de todos nós.

Se trata da trajetória do Herói (ok, da pessoa heroica e portanto sem limitação de gênero).

Se refere a uma jornada de autoconhecimento e superação que, embora potencializada em situações especiais como a de Alexandre, Joana D’arc, Buda, Mulher Maravilha, Hércules, Ulisses, Tarzan, Chapeuzinho Vermelho e Batman, a rigor estaria latente nas diferentes aventuras marcadoras de transição, experimentadas por cada pessoa, em sua trajetória de vida.

As diferenças estariam no reconhecimento e aceitação (enfrentamento) de uma realidade apresentada na forma de desafios tão ameaçadores que induziriam, por acomodação ou covardia, à fuga, à negação ou à adoção submissa de fantasias reconfortantes. E estas seriam as atitudes da maioria. Crianças e adultos infantilizados que compensariam seus temores fomentando mitologias onde tratariam de se espelhar, com inveja e admiração, em heróis imaginários.

Estes, por sua vez, corresponderiam àquelas poucas pessoas que, como protagonistas de momentos de transformação social, ao encarar os desafios, superando os próprios limites, acabariam alterando as fronteiras do que até então parecia possível. Pessoas reais, portanto, dariam base àqueles relatos parcial ou totalmente fantasiosos, que descrevem feitos messiânicos, de santos e santas inerentes a todas as religiões e culturas. Quem conta um conto, aumenta um ponto, diria minha vó, esclarecendo numa frase tudo que tentei explicar até aqui.

Bom, no caso genérico, válido para todas as pessoas, a vida apresenta ou impõe representações atualizadas daqueles desafios enraizados no fundo do ser. Estes desafios são explicitados em cada momento histórico de forma coerente com as simbologias de sucesso e desejo de vitórias, ali vigentes.

Dizendo de outra maneira: aqueles/as que se propuserem a encarar aquilo de que todos fogem, irão enfrentar a incompreensão e dificuldades inusitadas e literalmente comerão do pão que o diabo amassou. Mas, se persistirem, acabarão encontrando apoiadores que contribuirão para a superação de todos os obstáculos. Nesta visão a trajetória do herói corresponde a um ritual que leva as pessoas a “evoluírem”, se “transformando” ao ponto de que, assim “melhoradas”, poderão contribuir para o esclarecimento e a transformação da realidade.

Vejam aí a história coletiva dos sem terra, evoluindo das barracas de lona preta para as agroindústrias. Vejam a trajetória de Lula. Vejam a história de Hitler. Vejam a mitologia que envolve todos os grandes lideres, suas realizações e os grupos que se formam em torno de suas representações.

Mergulhando mais a fundo no inconsciente coletivo, os estudiosos dizem que os impulsos básicos de todos os animais se resumem à busca de sustento, proteção e alimento. Os lideres alcançariam distinção apenas se e quando percebidos como capazes de contribuir para aqueles objetivos.

Obter comida, não servir de alimento e procriar. Ou, entre os humanos, ser caçador não ser caçado, transar.

Hoje em dia com os mesmo conteúdos, e no limite daqueles grupos que onde as necessidades básicas estão atendidas, a forma mudou.

O desejo de acumular e enriquecer substituiu o de comer. Na fúria por dominar há uma extrapolação do medo de ser comido. E no sexo, para muitos, parece predominar o desejo de usar corpos alheios, de maneira real ou imaginária, sem se envolver emocionalmente.

A degradação é óbvia.

Por isso, o posicionamento atualizado das pessoas em relação à satisfação daqueles impulsos básicos, ajuda a entender esforços desenvolvidos pelas “forças de mercado”, contra avanços relacionados à emancipação humana. Se trata da mercantilização do inconsciente, onde operam com sucesso mecanismos de corrupção ativa e passiva voltados ao amortecimento da consciência. Uma estratégia de mercado potencializada pelas novas mídias e orientada no sentido de alimentar a recusa à maturidade.

Aliás a atual crise de governo em função de normativas para controle do pix ilustra isso. O caos emergiu de publicidade enganosa sugerindo ali existir intenção de bloquear ou pelo menos dificultar o atendimento de necessidades de milhões, relacionadas entre outras coisas, ao comer, não ser comido e transar. Também deve ser considerado aqui o desejo de “ser grande”, emulando heróis imaginários e fazendo parte da mais nova onda de submissão voluntária.

A manipulação de informações associadas ao desejo de “não se assumir”, ao permitir a transferência de responsabilidades, dá margem para esta emergência de falsos heróis. Simples assim: as mentiras e distorções geram medo infantil que levam à negação da própria autonomia.

Enfim, se emancipação humana significa ir além dos impulsos inconscientes, também exige o reconhecimento das responsabilidades e a disposição para o enfrentamento/ desmistificação de papéis assumidos por personalidades que orientam grupos “infantilizados”, à fragilizarem mecanismos de controle da corrupção. Foi o que ocorreu no caso do pix e é o que está acontecendo no todo, com a erosão interpretativa das realizações do governo Lula.

O mais triste é que, com estes novos heróis e seus sucessos, nossa juventude tende a envelhecer sem amadurecer. Nesta condição mais do que a lei da gravidade, prevalecerá entre nós a “lei de Gerson”: “O importante é levar vantagem em tudo, cerrrrto?”

Errado.

E afundaremos de vez, já em 2025, se não atentarmos para isso.

O importante está na compreensão de que cada pessoa deve buscar o melhor para si de forma condicionada (com prevalência) ao melhor para todos.

Há uma boa ilustração para isso tudo, no filme Uma mente brilhante. Vejam o filme. Aqui destaco que em determinado momento três amigos entram num bar. Ali, quatro mulheres, uma turma de amigas, sorriem para eles.

Uma delas (não lembro o nome da atriz) é tipo a Sharon Stone em seus melhores momentos de Atração Fatal. As outras são mulheres jovens e bonitas ao padrão normal. Pois bem, o herói diz algo como: “amigos, todos devemos ignorar a deusa. Se cada um de nós chegar em uma das outras três, teremos seis pessoas muito felizes e apenas uma, frustrada”.

Qualquer outra solução ignoraria o fato de que todos sempre haveremos de querer dar conta das necessidades do presente, onde a melhor solução será aquela onde cada um buscar o melhor para si de forma cooperativa e condicionada ao melhor para todos.

A conclusão é de que precisamos de normas que ajude-nos nesta busca pela emancipação humana. Leis que estimulem a autodeterminação, fortaleçam os coletivos e impeçam o controle do inconsciente (e dos governos) por parte de pessoas infantilizadas, desumanizadas e ignorantes a respeito do que significa a naturalização da lei do mais forte.

Ou bem as soluções serão coletivas, ou a miséria se expandirá numa correria em busca de atalhos para “se dar bem, já”, às expensas de degradação que com isso avançará em todos os níveis.

Reconhecendo que todos perdemos com esta história do pix, precisamos aceitar que os publicitários e distorcedores de fatos, da direita, lidam melhor com o inconsciente coletivo, do que os nossos. Por isso, a saída não estará nos blogs, mas sim nas ruas.

Então, e uma vez que a disputa se dá nos corações e mentes, precisamos de urgente apoio institucional e coletivo aos sindicatos, associações, movimentos e meios de comunicação honestos e responsáveis. Sem isso, os “nossos” espaços continuarão parecendo bichinhos de estimação, a latir para dragões de komodo.

Sem anistia, e com povo na rua. Parece que agora apenas isso pode virar o vento depois do temporal.

Uma música? Vento Bravo, Edu Lobo e Tom Jobim.

Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo