A questão da mudança climática permanecerá na ordem do dia
Iniciamos 2025, após um ano tão emblemático como 2024. Primeiro a tragédia socioambiental e climática de maio, segundo as eleições municipais de outubro. Neste primeiro artigo do ano queremos abordar os desafios em termos urbanos e metropolitanos e à construção do direito à cidade que será enfrentado em Porto Alegre, na Região Metropolitana e no Rio Grande do Sul neste ano.
Em 2025 estamos em um ano não-eleitoral, mas no início de “novas” (ou não tão novas assim) administrações municipais, assim como a composição das câmaras de vereadores. Embora, como abordamos em artigos anteriores, a correlação de forças políticas não tenha se alterado muito, o campo democrático e popular continua minoritário nas prefeituras e nos legislativos metropolitanos.
Em Porto Alegre, com o prefeito reeleito e o legislativo de maioria conservadora, já se vislumbra um ferrenho embate com a oposição. Entre os temas que teremos que enfrentar está o processo de revisão do Plano Diretor (PDDUA). Ao que parece, a atual gestão pretende continuar com suas políticas de “liberalização” e “flexibilização” da produção da cidade, favorecendo claramente os interesses do grande capital imobiliário, um dos seus principais financiadores na campanha. A contraposição ao modelo hegemônico só poderá ser eficaz com muita mobilização e participação popular, o que vai exigir engajamento da sociedade civil e dos movimentos sociais e populares.
Neste processo de revisão, observamos claramente a intenção de desmontar as estruturas de gestão democrática da cidade, os conselhos municipais e o orçamento participativo. Nota-se que a primeira ação pública do prefeito foi referida em um programa “Mais Comunidade” que claramente substitui o OP em prol de uma ação populista “pé-no-chão” do “prefeito do chapéu de palha” na periferia da cidade.
Outra frente de embate são as propostas de privatização e concessões de órgãos da administração indireta, como é o caso do DMAE, departamento responsável pelo fornecimento de água potável e pelo serviço de esgoto pluvial e cloacal da cidade e que esteve no centro da crise socioambiental de maio. Ao invés de investir no corpo técnico e aparelhar a instituição, a prefeitura manifesta a intenção de entregar um serviço essencial para a população para a iniciativa privada, a qual não tem comprovado competência em outros setores dos serviços públicos no estado, como é o caso da distribuição de energia elétrica.
Assim, no caso de Porto Alegre, a questão da gestão democrática e do avanço da gentrificação do espaço urbano estarão na ordem do dia. O secretário municipal Germano Bremm foi reconduzido ao posto na Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS), sinalizando uma continuidade na política urbana voltada aos projetos do mercado imobiliário na cidade, com licenciamentos bastante questionáveis, como é o caso dos empreendimentos do grupo Zaffari no Praia de Belas e no Jardim Sabará. Este último implicando na supressão de dezenas de hectares de mata nativa na região. Soma-se ainda a ausência de uma política habitacional voltada para o interesse social, num momento de crise de moradias e de grande elevação dos preços dos imóveis das áreas não atingidas pela inundação, paralelo à forte desvalorização dos bairros afetados.
No nível regional também iniciaremos mais um ano de dúvidas com relação à gestão metropolitana. O atual Governo Estadual (em seis anos de gestão) pouco ou nada fez pela gestão metropolitana. Basta lembrar que ainda não temos o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), uma das exigências do Estatuto da Metrópole. Nossa gestão metropolitana continua sendo realizada por um aguerrido e reduzido corpo técnico, com pouco, ou quase nenhum empenho governamental. A maioria das prefeituras eleitas no ano passado, pelo seu perfil político-ideológico, tende à medidas de curto prazo e a um foco localista, deixando a questão metropolitana para segundo plano. Os eventos de maio demonstraram da pior forma possível o quanto o planejamento urbano e o ordenamento do território tem que ser considerado na escala regional, especialmente na Região Metropolitana. Neste sentido, consideramos importante a articulação de uma “bancada metropolitana” na Assembleia Legislativa, capaz de evidenciar a importância do debate sobre as políticas para a região no parlamento gaúcho, muito especialmente em um contexto de “reconstrução” de muitas das cidades mais atingidas pela histórica enchente de 2024
A questão da mudança climática permanecerá na ordem do dia junto com a importância de pensarmos nossas cidades, metrópoles e o território nesta perspectiva também. Embora os discursos e algumas ações governamentais demonstram certa preocupação com o tema, na prática vê-se uma série de medidas que vão de encontro à adaptação às mudanças climáticas, como é o caso das constantes flexibilizações da legislação ambiental. Tanto no Governo do Estado como na prefeitura setores políticos ligados ao agronegócio e negacionistas ocupam importantes posições, o que impede medidas mais efetivas de enfrentamento da crise climática no estado. Esta deverá ser outra frente de mobilização da cidadania, contando com as universidades e movimentos sociais, que devem se conscientizar da importância de agregar este tema em suas pautas de discussão e formação.
Em 2025, o INCT Observatório das Metrópoles (rede nacional) iniciará um novo programa de pesquisa, intitulado “Transformações da ordem urbana e desafios para o desenvolvimento urbano igualitário, justo, inclusivo e ambientalmente sustentável”. Nele pretendemos atualizar em nível nacional nosso diagnóstico sobre a ordem metropolitana e urbano-regional brasileira, pesquisando sobre as novas dinâmicas territoriais, sociais e políticas e seus impactos nas diversas escalas e dimensões do processo de metropolização, com suas conexões com as tendências à exclusão social, exacerbação das desigualdades e a insustentabilidade ambiental. Estas, são decorrentes das mudanças estruturais do capitalismo global e da sua expressão nacional na forma da desindustrialização e da reprimarização da economia, associadas às transformações digitais (o poder das redes sociais e do capitalismo de plataformas) e às mudanças climáticas.
Por outro lado, com base nesta construção de conhecimento, pretendemos contribuir para a construção, implementação e monitoramento de uma estratégia de desenvolvimento urbano que transforme as nossas metrópoles em ativos fundamentais para o desenvolvimento da nação. As atividades buscam articular organicamente a pesquisa, a formação, a divulgação científica e a transferência de conhecimentos para atores da sociedade, pois o campo democrático popular não assiste passivo aos ataques e ao processo de desmonte da máquina pública que observamos na região, como ilustra a ação judicial vitoriosa movida para garantir a realização de audiências públicas antes da votação da reforma administrativa proposta pelo governo Melo neste segundo governo.
O Núcleo Porto Alegre participará ativamente desta construção e segue comprometido com a incidência na região metropolitana de Porto Alegre, cientes de que o conhecimento que produzimos também deve ter uma função social e contribuir para o debate sobre as políticas públicas necessárias para garantir o direito à cidade na metrópole. Estamos abertos para entidades e movimentos que queiram colaborar com nossas atividades e pesquisas Convidamos a todas e todos a participar desta programação.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo