Entre julho e setembro de 2013, Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, ou simplesmente Belchior, juntamente com sua esposa Edna Prometheu, passaram 60 dias na cidade de Seberi, região Noroeste do Rio Grande do Sul. No período em que buscavam uma vida pacífica e anônima, após passar por Porto Alegre, foram acolhidos pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e abrigados no centro de formação da cooperativa camponesa Cooperbio.
As lembranças desse período virou o minidocumentário Belchior entre os camponeses e foi lançado no Centro de Memória e Cultura Casa Diógenes Oliveira lotado, nesta quarta-feira (14), com a participação do produtor, o jornalista do Brasil de Fato RS Marcos Antonio Corbari. A primeira exibição do filme aconteceu durante a programação natalina da cidade de Seberi, em atividade organizada pela prefeitura municipal junto à Casa de Cultura Valter Kerber.
“É uma colcha de retalhos de memórias e afetos o que a gente traz. O período em que Belchior e Edna ficaram conosco foi mantido em segredo absoluto até a morte dele, em 2017. A gente se reúne e pela primeira vez fala sobre esse momento. Isso, lá no nosso pequeno município virou uma espécie de folclore. Se tem negacionistas que não acreditam nas vacinas, não faltam negacionistas para não acreditar que o Belchior caminhou entre os camponeses, entre as pessoas simples, entre os militantes esquerdistas do campo daquele pequeno município. Esse documentário vem trazer um pouquinho dessa jornada”, conta Corbari.
O documentário traz depoimentos de algumas pessoas que conviveram com o músico e a sua companheira, assim como uma foto de Belchior na cachoeira que acabou levando seu nome.
A exibição do documentário em Porto Alegre contou com discotecagem do DJ Pitta, e uma roda de conversa mediada pela jornalista Katia Marko, editora-chefe do Brasil de Fato RS, com a presença de Corbari, e da bióloga Débora Varolli, militante do MPA.
Saudade do Tio Antônio
“O Belchior continua com a gente, cada vez que ouvimos sua música ele está ali. Sentimos saudade mesmo é do tio António”, conta Débora no documentário.
Integrante da gestão da Cooperbio na época que Belchior passou pelo espaço, Débora conta que assim que ele chegou à cidade pediu para ser chamado de Antônio, e assim surgiu o tio Antônio. Entre as lembranças ela cita que Belchior gostava de ficar sentado em um cepinho (árvore cortada), na beira do açude, praticamente todas as manhãs de sol. “Era inverno, e ele sentadinho com o caderninho apoiado. Essa é a lembrança que, de fato, ficou. Ele gostava muito de comidas bem feitas, bem temperadas, bem elaboradas. Os momentos que nós passávamos com ele eram bem legais, de boas conversas, boas comidas.”
Para Katia Marko, o documentário consegue trazer todo o amor contido na obra de Belchior “Como nossos pais, Um jovem Latino americano e tantas outras, fazem parte da vida de boa parte desse público que está aqui. E o documentário consegue trazer a beleza do que foi o trabalho, a arte do Belchior a partir de falas simples, da convivência de vocês com o tio Antônio.”
Corbari espera que o documentário sirva para que estimule outras pessoas que tenham históricas para contar sobre o músico, o façam. “Os companheiros e companheiras da comunidade do Arvoredo, os que conviveram com ele em Santa Cruz, no Uruguai. Esse período de silêncio, em que ele deixou o Belchior de lado e viveu como o tio Antônio, talvez tenha sido o período em que teve a oportunidade de, de fato, realizar muito do que ele poetizou. Através das coisas mais simples e mais singelas, que com o holofote ligado em cima, realmente, não conseguiria”, pontua.
Ainda no tempo que ficaram na região o casal fez uma arte com tinta e sementes, que é utilizada ainda hoje como símbolo do projeto Alimergia (Alimento - Meio Ambiente - Energia).
No final do encontro Corbari declamou a música Humano Hum: “Lavrar a palavra a pá, Como quem prepara um pão. / Quando o mar virar sertão,/ Nossa palavra será/ Tão humana como o pão./ E o canto que soar um palavrão / Se mostrará como é: Anjo de espada na mão.”
Belchior entre os camponeses tem pouco mais de 30 minutos de duração e foi realizado através do edital local da Lei Paulo Gustavo. Conta com apoio da Secretaria Municipal de Educação/Prefeitura Municipal de Seberi, do Ministério da Educação/Governo Federal e do Conselho Municipal de Cultura de Seberi.
A produção também contou com o apoio do Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), Cooperbio, projeto Alimergia, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Pedro Munhoz, Ronald Wolf, Angela Padilha Wagner e Espaço Girassol.
O minidoc está disponível no Youtube:
Edição: Katia Marko