Rio Grande do Sul

Coluna

A nossa utopia brota da fé poética

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"Somos e seremos o Sonho de Pachamama de uma fraternidade humana multifacetada junto com o resto das espécies sagradas, que respiram e vivem nesta nossa casa azul" - Foto: Juan Dédalos
A Consciência Pachamama semeia palavras que libertam as consciências e nos despertam

A Consciência Pachamama busca e permanece atualizando a sede de uma solução integral para o problema da fome, da obstinação arrogante do poder em mentir, esquecer e tentar apagar o rastro dos delitos que caracterizam a principal propensão a pensar em medidas e categorias que levam nossa sociedade doente a vender qualquer coisa para obter lucros, o controle através da usura institucional e a eliminação drástica do pensamento dissidente.

Como deveria ser uma linguagem que expressasse o que a ideologia não pode expressar?

Estamos nos acostumando a uma tendência obsessiva ao individualismo neoliberal, e na Nación Pachamama compreendemos, junto com Abuelas e Abuelos dos Andes, que a poesia pode falar tudo o que a ideologia financeira precisa e exata não pode.

O olhar poético propõe uma assembleia coral daqueles que continuam a levantar a voz para nos lembrar que somos seres humanos, filhos da mesma Terra Pachamama e somos responsáveis uns pelos outros.

Nos dói ver os excluídos da sociedade em todo o planeta, mas também escutamos o grito dos animais, dos ecossistemas, da água, das árvores e de toda a ferida aberta da santa Terra.

Não há opção, não há fórmulas possíveis de negociação: ou continuamos a apoiar as velhas propostas de autoritarismo e barbárie, ou caminhamos pela solidariedade e pela insurgência inclusiva.

A nossa utopia está brotando da fé poética nos sonhos ancestrais, numa nova e antiga visão do Sonho Solidário, são papéis, palavras adormecidas que nunca fecharam os olhos e agora espreitam com as pálpebras escritas para sentir como caminha lenta, mas firme a caravana vermelha da utopia.

Palavras que são agentes de transformação do individual para o coletivo, como borboletas que marcham como operárias militantes do grande voo da liberdade e do bem-estar comum.

Nos perguntamos se ainda é possível um movimento operário com a palavra que voa, que modifica e substitui o discurso neoliberal e o léxico unicamente econômico.

E depois de silenciosas reflexões e assembleias com os Abuelos e Abuelas, sentimos que é possível e, sobretudo, necessário, além da passividade imóvel da burguesia urbana para manter um sistema “moderno”, que nós, unidos a todos os insatisfeitos, a partir da inocência e franqueza com a inteligência estética do comportamento, contribuamos para a extinção deste inferno e prevaleçam, sobre as exigências do imaginário político conservador, os direitos civis da felicidade popular.

A situação atual é baseada no saque de bens públicos, das imensas e intocáveis riquezas dos ecossistemas, e no roubo organizado sobre as classes populares, a força de trabalho. Os miseráveis salários dos trabalhadores e aposentados, a infâmia de um péssimo sistema médico para todos e todas, beiram o trabalho escravo. Só é possível detê-lo com a mobilização dos setores oprimidos.

A proposta da Nación Pachamama é a aliança estratégica da classe trabalhadora com a força daqueles que imaginam, dos artesãos e dos que se expressam de dentro no mesmo sentido.

Podemos, juntos, trabalhadores e sensibilidade imaginativa, criar o sonho de uma sociedade construída a partir de outras bases radicalmente novas que tornem impossível o sofrimento de todas as espécies e, claro, da humanidade.

Este não é o tempo das armas, como nos anos 1970, é o tempo da palavra, para imaginar e gerar uma utopia dialética que nos traga clareza sobre a reconstrução espiritual do mundo, e é isso que a poesia tem feito desde que se enraizou na vida humana, trazendo um conhecimento emocional e criativo que liberta e dá inteligência à humanidade.

Sem poesia, a ditadura legal e burocrática conservadora acabará por destruir toda a vida neste grande fosso que nos foi criado pelos chefes autocráticos monstruosos que vemos hoje denominando-se como donos da verdade, vomitando números e estatísticas.

Sim, a Consciência Pachamama semeia palavras que libertam as consciências e nos despertam para nos unirmos e compreendermos o que as palavras significam: a liberdade de consciência e a verdade justa que ainda amparam nos poemas a ideia luminosa de igualdade e justiça para todas as pessoas e seres vivos, sem exceção de qualquer tipo ou espécie.

Somos e seremos o Sonho de Pachamama de uma fraternidade humana multifacetada junto com o resto das espécies sagradas, que respiram e vivem nesta nossa casa azul.

O poema não é, evidentemente, aquele lugar-comum açucarado ou a banalidade confessional a que estamos habituados, com rimas dispostas como um rebanho de nuvens a caminho do futuro depósito de lixo. A poesia é e será um chamado a despertar a ação rebelde que desobedece aos costumes, algo que teoricamente tem a ver, acreditamos, com ampliar o horizonte significativo face aos discursos quase onipotentes de hoje.

Não somos e nunca seremos galinhas que, trancadas em seus currais, recebem alpiste apocalíptico e se contentam com nada. Somos e semeamos um ativismo poético e crítico que emancipa as consciências com uma chama coletiva e de raízes latino-americanas.

Podemos resistir na trincheira da palavra e sim, amar desesperadamente, como amam os loucos, os sábios, os santos e as criaturas bem-aventuradas, os dias de sol e a auréola das lunações.

Trazemos para acender no peito dos trabalhadores e trabalhadoras, a chama do descontentamento, é disso que trata a nossa poesia andina, filha da Consciência Pachamama. Trazemos uma discordância com a narrativa dócil e com os discursos de ordem e comando, a fome de negação desse caos estabelecido.

Não é preciso ser uma pessoa esclarecida para estar totalmente insatisfeito com os privilégios, o que acontece em quase todas as áreas. A insatisfação absoluta nos parece ser a musa inspiradora deste tempo e, claro, o desamparo dos excluídos que nos move a exercer a religião da Terra: a solidariedade como ato poético, que se liga à essência vitoriosa da humanidade.

Somos do bairro daqueles que seguem sonhando e servindo face aos aparentes paradoxos entre os trabalhadores e a cultura eco-espiritual, e defendemos que, se nos unirmos, um dia as estrelas serão para aqueles que as trabalham...

Desde a persuasiva fugacidade das nuvens, abraços solidários e militantes a todas e todos os companheiros.

* Rene Sabino, escritor e ativista da Nación Pachamama.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko