Se existe alguma leitura de conjuntura inquestionável é aquela que atesta a crise de representatividade que vive a esquerda no Brasil e no mundo. As causas são inúmeras, e tampouco é minha intenção abordá-las neste breve texto. O que me motiva a escrever essas linhas é justamente sobre o verdadeiro “mantra” que se tornou a questão do trabalho de base, no qual a unanimidade em defender a sua necessidade é inversamente proporcional à sua efetividade a partir de uma proposta minimamente adequada à realidade dos territórios.
Se por um lado temos muitos discursos em defesa do trabalho de base, por outro lado pouco se fala sobre como efetivamente fazer e aplicá-lo nos territórios. Logo, é sobre essa perspectiva que procurarei apresentar algumas ideias. Geralmente quando se fala no trabalho de base se parte de uma premissa equivocada, a qual é possível traduzi-la na seguinte reflexão: “precisamos falar sobre política com o povo”.
Essa abordagem me parece apresentar uma espécie de equívoco cronológico, ou seja, ignora uma questão fundamental e anterior: como criar as condições objetivas e subjetivas que levem à construção de uma relação de confiança para no momento oportuno tratar de questões de natureza política em seu aspecto amplo, como, por exemplo, a fundamental necessidade de organização do povo pelo próprio povo para ocupar uma posição de protagonismo na luta contra as desigualdades que lhes atingem tão ferozmente.
Nesse sentido, as condições objetivas estão representadas pela premissa que me parece elementar: estar fisicamente nos territórios a partir de um verdadeiro sentimento e interesse de vivência e convivência com os moradores das vilas que possibilite uma relação de interação e fraternidade forjada pelos sentimentos mais altruístas possíveis que levará a um reconhecimento mútuo pelo convívio intenso e de longo prazo. Nas palavras de Eduardo Galeano: “Não conheço felicidade maior que a alegria de me reconhecer nos demais”. Em relação às condições subjetivas, temos a perspectiva do conteúdo, ou seja, estando nos territórios, o que fazer lá? Nesse sentido, é decisivo partir de vivências cotidianas e projetos de natureza profundamente significativas para a disputa de sentidos dos moradores, por exemplo, iniciativas voltadas ao esporte, cultura, costura, computação etc. Dessa forma, favorecendo um campo mais fértil para o interesse coletivo de participação nesses projetos.
A partir da relação entre essas condições apresentadas, surge a inevitável pergunta: quem são as pessoas dispostas a construir um verdadeiro exército de militantes para conviver e militar nos territórios de forma organizada e articulada? Se pensarmos apenas no número de filiados dos partidos de esquerda em Porto Alegre temos uma possibilidade concreta. Estamos falando de milhares de pessoas com as mais variadas formações cognitivas que representam um imenso potencial para formar esse grande exército de militantes.
Os partidos, bem como os movimentos sociais progressistas, têm responsabilidade decisiva para o convencimento e mobilização de seus quadros para uma retomada histórica dos espaços que outrora já foram ocupados e que contribuíram para um momento histórico de significativa organização popular. Não tenho dúvidas de que o trabalho de base precisa ter como marca indelével o protagonismo dos territórios. Todavia, para esse protagonismo é fundamental a construção coletiva com todas e todos que acreditam na possibilidade de construção de um mundo mais igualitário.
Obviamente, que esse breve texto não pretende de forma alguma esgotar o assunto, mas trazer algumas perspectivas que ajudem a construir um caminho concreto para a construção do trabalho de base que até o presente momento conta apenas com iniciativas elogiáveis, mas esparsas e desarticuladas entre si, e muito aquém do desafio quantitativo que vivemos na conjuntura política contemporânea. Precisamos transformar os discursos em prática na melhor compreensão da pedagogia do exemplo de Ernesto Che Guevara. Do contrário, seguiremos tergiversando sobre o tema que até o momento não fez outra coisa senão ajudar a direita a seguir inserindo-se cada vez mais nos territórios.
* Militante comunitário.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Katia Marko