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Coluna

E a tributação continua na pauta!

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O ministro Fernando Haddad já começou a pautar a discussão da tributação da renda e a proposta cogitada pelo governo é de desonerar as rendas de até R$ 5 mil - Ricardo Stuckert
Espero que essa pauta seja capaz de mobilizar mentes, corações, braços e pernas da sociedade

Fiquei algum tempo sem escrever essa coluna e volto no mesmo assunto da reforma tributária, pois esse tema permanece na pauta. O ano de 2024 foi dedicado à regulamentação da reforma da tributação do consumo, assunto que ocupou todo o ano de 2023, que culminou com a aprovação da Emenda Constitucional 132. A primeira parte da regulamentação acabou agora, no mês de dezembro, com a aprovação do texto do PLP 68, de 2024, que criou o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo.

Esta Lei Complementar não inovou muito além do que já constava na Emenda Constitucional, ou seja, teremos um novo tributo sobre o consumo que vai desonerar a atividade econômica, especialmente os exportadores, mas que vai também produzir uma mudança muito significativa na capacidade do Estado de utilizar o tributo como instrumento de intervenção e de indução da economia. A expressiva votação no Congresso Nacional revela o quanto essa parte da reforma está alinhada com a atual correlação de forças.  

A parte mais esperada da reforma tributária, no entanto, ainda não saiu do papel. É a reforma da tributação da renda. O ministro Fernando Haddad já começou a pautar a discussão desse assunto e a proposta cogitada pelo governo é de desonerar as rendas de até R$ 5 mil, compensando-se com uma tributação mínima de até 10% para quem ganha mais de R$ 50.000,00 por mês, essa última parte seguindo a mesma lógica da proposta apresentada pelo Brasil no âmbito do G20, de uma tributação mínima para os bilionários.

Não se trata ainda de uma correção linear da tabela do Imposto de Renda, mas, sem dúvida, já é um grande avanço. A elevação da isenção para rendas mensais de até R$ 5 mil irá desonerar mais de 15 milhões de contribuintes do IRPF e o governo projeta uma redução do tributo para todos que ganham até R$ 7,5 mil mensais, ou seja, mais de 25 milhões (60%) de contribuintes. Trata-se de uma promessa da campanha do presidente Lula. Essa medida, no entanto, custará aos cofres públicos cerca de R$ 35 bilhões, conforme estimativas do governo, o que impõe a necessidade de se implementar uma medida de compensação.

A cobrança de uma alíquota mínima de até 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil mensais é uma alternativa, que poderá produzir uma arrecadação adicional de aproximadamente R$ 50 bilhões, atingindo apenas 2% dos contribuintes do IRPF[i], aproximadamente 800 mil pessoas.

A proposta apresentada pelo governo está longe do que seria a ideal, ou seja, a revogação definitiva da isenção para lucros e dividendos, instituída em 1995, no contexto da onda neoliberal, que hegemonizava o debate econômico na época. Aliás, é interessante observar que em 1995, o limite de isenção do IRPF correspondia a aproximadamente R$ 5.000,00, que está sendo proposto hoje.   

As rendas dos mais ricos são muito pouco tributadas porque a maior parte é composta por lucros e dividendos isentos. No ano calendário de 2022, por exemplo, mais de R$ 840 bilhões foram distribuídos sem nenhuma incidência do imposto, dos quais quase 65% se concentravam nos contribuintes com renda superior a R$ 40 mil mensais, ou seja, pouco mais de um milhão de contribuintes. A tributação dessas rendas na mesma medida em que se tributam as rendas do trabalho geraria uma arrecadação adicional de R$ 160 bilhões. A opção por não enfrentar esse problema só pode ser explicada pela falta de uma correlação de forças favorável no Congresso Nacional ou pela ausência de mobilização popular neste tema. 

Enquanto isso não acontece, a ampliação da isenção para quem ganha até R$ 5 mil e a garantia de incidência de uma alíquota mínima de até 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil já é um passo muito significativo no sentido da progressividade do sistema tributário. De um lado, amplia a disponibilidade de renda para as camadas mais empobrecidas, o que é funcional para aquecer a atividade econômica, de outro, reduz as desigualdades sociais. 

É preciso alertar, no entanto, que, embora seja uma proposta que beneficia mais de 25 milhões de trabalhadores, não se observa pressão popular expressiva pela sua aprovação, que seja capaz de fazer frente à enorme resistência organizada dos setores mais ricos, porém minoritários, que não aceitam nenhuma medida, ainda que residual, que possa mitigar seus privilégios tributários.  

Infelizmente, no âmbito deste importante debate, o governo incorporou, de forma inoportuna, na minha avaliação, a proposta de revogação da isenção de imposto sobre rendimento de aposentadorias para portadores de moléstias graves, tema extremamente sensível e capaz de produzir enormes resistências. Ainda que possam existir distorções pontuais no uso deste benefício, o fato é que estamos tratando de um volume total de rendimentos de R$ 82 bilhões, em 2022, dos quais, somente uma pequena parcela corresponde a valores individuais superiores a R$ 20 mil mensais, objeto da proposta governamental. Muito poucos contribuintes se enquadram nessa condição, mas o tema é muito sensível para toda a sociedade e carrega um enorme potencial de rejeição, e sua inclusão no debate, neste momento, só faz desviar o foco do elemento essencial da proposta, que é a tributação dos mais ricos para desonerar os mais pobres.

Espero que esse debate seja realmente aprofundado naquilo que constitui a essência da proposta do governo e que o tema da isenção para portadores de moléstia grave seja retirado para ser tratado em outro momento. Espero que a tributação dos mais ricos, com a alíquota mínima de até 10%, para desonerar os mais pobres com o aumento do limite de isenção, seja uma pauta capaz de mobilizar mentes, corações, braços e pernas da sociedade. Já vimos que essa não é a proposta ideal, pois não corrige todos os problemas, mas é, sem dúvida, um passo muito importante e que precisa ser dado neste momento, sob pena de desperdiçarmos uma grande oportunidade para reduzir o caráter regressivo do Imposto de Renda, abrindo espaço para mais avanços no futuro. 

[ii] Conforme Dados Abertos – Receita Federal do Brasil – GN_IRPF_AC2022_REEXTRAÇÃO_SET_2024.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Katia Marko