A defesa dos valores reais, da solidariedade contra as injustiças, exige que ninguém se cale
Esta semana, ao suspender férias da Procuradoria Geral da República, Paulo Gonet apontou o início de 2025 como horizonte para o acatamento (ou a rejeição?) de denúncias que podem antecipar a prisão da cúpula golpista, reorientando o país em direção à democracia. Isto é ótimo. Mas não será simples e também traz sinais de alerta em relação aos perigos que se acumulam para o próximo ano. Isso porque não há garantias de prisão para os maiores responsáveis pela execução de crimes fartamente documentados. Afinal, a recente (e muito comemorada por sua simbologia) detenção do General Braga Neto, ao colocá-lo em alojamento privilegiado e pelo fato de ele ser, ali, a autoridade maior, permite dúvidas quanto à eficácia de prisões dos graúdos.
Isto se agrava porque a insegurança em relação à paralisação efetiva dos golpistas, está sendo alimentada por forte onda de ataques às possibilidades de realização de políticas públicas includentes, pelo Governo Lula. Aí estão, em avalanche, a semeadura de mentiras, as manipulações de dados, os ataques especulativos e, como não poderia deixar ser, suas consequências. Dá vergonha de repetir, mas para que não se percam os registros, vale lembrar associações entre a alta do dólar, aquele anúncio da Forbes (para quem o Brasil real, que só vem melhorando, não aguentará dois anos deste governo), e a atitude daquela mulher racista que levou para a casa do Lula uma coroa de flores do tipo que só se oferece para defuntos.
Não é óbvio que o atiçamento à atitudes destrambelhadas segue um plano que está colocando em risco tanto a sustentação da democracia como a vida das lideranças que trabalham contra o golpismo fascista?
A quem isso interessa? De onde vem isso? É fácil entender. Como mostra pesquisa recente, basta seguir o caminho do dinheiro. Entre 2020 e 2024 o Brasil Paralelo, gastou R$ 26,6 milhões para impulsionar 75.391 anúncios do tipo que quem conhece sabe. Isso é bem mais do que a AMBEV gastou com propagandas de bebidas. Aliás, a pesquisa também informa que o segundo lugar em gastos com anúncios midiáticos foi ocupado pela Revista Oeste, que lida com interesses do agronegócio. Para detalhes sobre o metabolismo envolvido na construção da mística do agropop, recomendo leitura do importante livro de Ana Chã, onde isso é destrinchado (CHÃ, Ana M. Agronegócio e Indústria Cultural: estratégias das empresas para a construção da hegemonia, SP. Expressão Popular, 2018).
Vale destacar aqui a importância disso, para o presente e futuro de todos.
Segundo o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), em 2018, sete em cada dez adolescentes de 15 anos já não conseguiam distinguir fatos de opiniões. Isto que precisaria ser enfrentado por mecanismos de educação midiática, de lá para cá só se agravou. Vejam que estamos diante do amortecimento de habilidades necessárias ao combate da desinformação e da manipulação de corações e mentes. Com isso, a sociedade vem sendo impedida de acompanhar de maneira crítica aquilo que transborda do ambiente informacional e midiático, em todos os seus formatos.
Se trata, verdadeiramente, da captura de sentidos que obscurecem a capacidade de entendimento dos propósitos, das intencionalidades, que fazem com que determinadas informações, e não outras, reverberem no inconsciente coletivo.
Vejam que isso não afeta apenas os jovens. A mulher da coroa de flores, assim como o kamikaze, e grande parte da multidão ensandecida do 8 de janeiro mostram que adultos e inclusive lideranças de esquerda correm o risco de se verem desviados da lucidez por pressões do complexo informacional.
Particularmente, não sei como o Lula, cercado por inimigos e puxa-sacos, consegue aguentar.
Vejam que esta semana inclusive o governador do Ceará, Estado que havia conseguido proteger seus cidadãos das chuvas de veneno, ao autorizar a pulverização aérea de agrótoxicos, por drones, escancarou uma porta de desproteção ao direito humano a um ambiente sadio. Reforça-se, a partir do Ceará governado pelo PT, impedimento para que se faça extensiva a outros estados do Brasil uma proteção que desde 2009 está garantida aos habitantes da comunidade econômica europeia. Aliás, no Rio Grande do Sul (mirem-se no exemplo de nossas façanhas), em 31 de outubro a casa do povo decidiu por maioria, e contra todos nós, que nesta terra a pulverização aérea de venenos se inclui entre os valores de relevante interesse social.
Mas (e felizmente há sempre um “mas” nos ajudando a sonhar com um futuro mais decente) nesta semana a Medalha do Mérito Farroupilha, foi concedida, pela Assembleia Legislativa Gaúcha, a João Pedro Stédile.
O momento permitiu, para além da qualificação da própria comenda, que naquele espaço dominado por interesses de um agro que tudo quer, e que tudo pensa poder ter, ocorresse manifestação histórica, a um só tempo esclarecedora da disputa ideológica que vivemos e alimentadora de esperanças, em relação a tempos melhores. Que virão. Corrigindo interpretação distorcida da fala mítica de Sepé Tiaraju, João Pedro destacou que se enganam (ou tentam nos iludir) aqueles que repetem sem refletir o “esta terra tem dono” quando, na verdade, Sepé gritou “Esta Terra é Nossa”. De todos nós e em todas suas dimensões.
Stédile lembrou que em se tratando das coisas físicas, assim como nos planos espirituais, ou das ciências, do amor, das compreensões sobre a vida e do que dá base a todas as ideias, seja naquelas disputas que ocorrem na intimidade de cada um ou naquelas que definem as relações com o todo, e entre todos, a luta ideológica sempre ocorre no campo da comunicação. E ali há uma guerra onde a defesa dos valores reais, da solidariedade contra as injustiças e as explorações, exige que ninguém se cale. Exige perseverança e fé na humanidade. Exige coragem e generosidade, na certeza de que ambas contagiam.
Mas sem anistia, porque a impunidade corrompe, envenena, e também contagia.
Uma música? Que tal essa?
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Vivian Virissimo