Para encerrar este ano em que a organização comunitária se mostrou fundamental para superar os efeitos da enchente, cozinhas solidárias do Levante Popular da Juventude e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Porto Alegre preparam o Natal Sem Fome em seus territórios.
Voluntária e liderança da Cozinha do Barracão, na Vila Cruzeiro, Elisabete Lopes da Silva, ou Dona Bete, como todos a chamam, conta que a festa, neste sábado (21), vai ter distribuição de almoço, de cestas básicas, e de lanches e brinquedos para a criançada.
"Sábado tem a festa de Natal das crianças né? Que por sinal, estamos aí correndo atrás pedindo ajuda, para ajudar eles", afirma ao falar da mobilização e dos preparativos na semana que antecede o evento.
Ela destaca o poder da solidariedade. "As pessoas não têm noção da alegria que é tu dar e tu ver as crianças receber. Que seja um pirulito que tu dá… que tu não tenha muita coisa para dar, mas eles recebem aqui com tanto carinho, com tanto amor, sabe? Que te deixa assim, ó, radiante! Que te deixa para cima."
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Cozinha nasceu durante a enchente
Dona Bete conta que o espaço que era a sala de costura do coletivo comunitário Mulheres de Luta se transformou na Cozinha Solidária da Juventude, de forma emergencial, em 1º de maio, no primeiro dia das chuvas. "Chegou a produzir mil e duzentas quentinhas por dia. Tudo de forma voluntária."
"Desde então nós estamos aí e agora nós não conseguimos mais parar, né? E daqui para frente, a cozinha solidária, se Deus nosso senhor ajuda, e tá ajudando, as pessoas estão ajudando muito também... vai se ampliar cada vez mais", projeta.
Horta comunitária
No outro lado da capital gaúcha, na Vila Jardim, um grupo de mulheres se organizou e, no início de novembro, com apoio do Levante e do MST, limpou um terreno e criou uma horta comunitária. Os alimentos sem veneno são um orgulho, e serão distribuídos entre os moradores, no almoço da festa de Natal preparada especialmente para os pequenos.
"O objetivo é a gente fazer a comunidade feliz, né? Ajudar as pessoas, trazer o máximo de criança para brincar nesse dia com as famílias, dar lanche, dar os alimentos, transformar o dia deles feliz", afirma Lilian Andressa dos Santos da Luz, moradora da Vila Jardim envolvida no projeto.
Rifas, brechó e campanhas de doação e doações de alimentos vão garantir a festa neste domingo (22). "Vai ter cachorro-quente, bolo, refri, geladinho, doces e pão de queijo, pipoca, mousse, gelatina… vai ter brinquedos infláveis, piscina de bolinha e cama elástica", conta.
Nascimento de uma nova cozinha
Ao lado de onde antes era um terreno com entulhos e hoje é a horta, será construída uma cozinha solidária, no início de 2025. Para isso, vão derrubar o barraco abandonado e levantar o prédio que vai garantir o espaço para o trabalho e reuniões. A expectativa é grande.
Em uma peça cheia de roupas à venda por R$ 1, a moradora Thauana Cristina Santos da Luz fala da preparação. "Aqui é o nosso brechó, onde a gente está fazendo pra arrecadar fundos pra nossa festa de domingo. Também a gente vai continuar com nosso brechó pra arrecadar fundos pra gente construir a nossa cozinha."
Thauana acredita que a cozinha solidária vai trazer mais união para os moradores. "A gente está até fazendo reuniões. A gente vai unir bastante o pessoal pra fazer um mutirão pra conseguir arrumar ali, pra fazer a cozinha."
Para o motoboy Júlio Cordeiro, essa mobilização na vila é positiva. "Essa iniciativa aí do Levante, da cozinha, da horta e de ajudar a criançada também na festa de Natal aqui, eu acho uma iniciativa que vai ser de muito benefício com a comunidade", afirma.
"Da questão da cozinha ali, vai ser de benefício para mim que sou, que trabalho como motoboy. E vários outros guris que trabalham como motoboy aqui na nossa comunidade. A questão da comida sustentável também, eu acho tri essas coisas, tipo, cuidar do meio ambiente. Até a gurizadinha aí, as criancinhas, já podem ver a horta, já se interessam por uma questão do ambiente", avalia.
Organização e transformação na periferia
As cozinhas do Levante e do MST estão presentes em 14 territórios de Porto Alegre e região Metropolitana. Trabalho que não é um mero ato de assistencialismo, mas que organiza e transforma a vida da população periférica. É o que afirma Mariana Dambroz, militante do Levante Popular da Juventude.
"Continuamos combatendo a fome dos territórios, enviando comida para territórios atingidos que ainda não conseguiram se reorganizar. Mas de que forma que a gente consegue olhar para esses territórios e ir avançando no processo de organização? Tanto no envolver outros sujeitos, do território, que eles consigam olhar, como no processo de contribuir, de que forma a gente aos poucos vai avançando na organização popular do território."
Mariana diz que as cozinhas solidárias se mostraram um espaço de organização da juventude, que é o foco do Levante. "É um dos dispositivos, a partir daí vem outras formas de luta como muralismo, embelezamento dos territórios, num processo de agitação e propaganda."
Destaca ainda que as iniciativas mostram à população o trabalho de produção de alimentos dos sem terra. "A gente consegue inclusive fazer o debate da reforma agrária a partir desses produtos. De que forma esse alimento saudável é um alimento sem agrotóxico, um alimento sem exploração. É uma pedagogia de solidariedade de classe que está chegando nas periferias."
Edição: Katia Marko