Memórias, História, Resistência, justas e necessárias na véspera de Natal
Às cetistas e aos cetistas, e ao seu reencontro em 2024
“LUTADORES E LUTADORES. A sensação mais forte/ é de impotência./ Nada somos/ e os batalhões inimigos são amplos,/ têm a pele escura,/ o rosto feroz.
Quase somos sozinhos,/ sem armas,/ apenas a palavra,/ sem força,/ apenas a ideia,/ sem estratégia,/ apenas a esperança.
São poucas as companheiras e poucos os companheiros/ e a coragem./ Vivemos presas/os à casa,/ ao medo,/ pouco sabemos da vida/ e da dor.
Mal distinguimos o limite/ entre o sofrimento do povo/ e a verdade,/ entre o silêncio e a liberdade./ O continente é mais vasto/ que nossa união e cansaço.
No entanto,/ minha irmã, meu irmão,/ não dobramos o corpo, / não apagamos a luta.
A MANHÃ PERTENCE AO POVO.” (CAJADO, Peregrinos – Ano III – Nº 11, fevereiro-março/1980).
“Para quem como eu cresceu à sombra da Teologia da Libertação e tinha, jovem estudante de teologia e frade franciscano, anos 1970 a referência dos livros Teologia da Libertação, de Gustavo Gutiérrez, Jesus Cristo Libertador, de Leonardo Boff, as Cartas da Prisão, de Frei Betto; para quem como eu, e muitas e muitos de nós, teve mestres, nos anos 1970 e 1980, como os irmãos maristas Antônio Bortolini e Firmino Biazus, no CETA (Centro de Treinamento para a Ação) e os seus Peregrinos (...); para quem como eu, e muitas/os religiosas-os e jovens, como forma de viver a fé, a opção da vida religiosa e o compromisso com os pobres, foi morar em vilas populares da Lomba do Pinheiro, da Vila Arapeí em Porto Alegre, no bairro Cruzeiro em Venâncio Aires, na vila Santo Operário em Canoas, no bairro Fátima em Cachoeirinha...” (Selvino Heck, FRANCISCO E GUSTAVO, artigo no Jornal do Brasil, 29.09.2013).
“b. Em 13 Mai 77, o nominado, Selvino Heck, professor de religião, foi identificado como autor da distribuição, no interior do Colégio Nª Srª da Glória, em PORTO ALEGRE/RS, a alunas que frequentavam o Centro de Treinamento para a Ação – CETA, com a recomendação para que o panfleto fosse lido e passado adiante, para que mais jovens participassem das manifestações estudantis“ (CONFIDENCIAL, Presidência da República, SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES, Agência de Porto Alegre, INFORME Nº 051 116/APA/80. Data: 26 MAI 80 ASSUNTO: ATIVIDADES DO Pe. SELVINO HECK NO COLÉGIO ANCHIENTA EM PORTO ALEGRE/RS). ORIGEM: APA/SNI. AVALIAÇÃO: B/2. DIFUSÃO: AC/SNI.)
TAs e os cetistas criaram um jornal chamado CAJADO, organizaram os Cursos de Base, que se espalharam por todo Rio Grande do Sul, foram morar em diferentes vilas populares de Porto Alegre e Grande Porto Alegre / Arquivo pessoal
Memórias, História, Resistência, justas e necessárias na véspera de Natal, com as transcrições de décadas atrás, de artigos meus e dos arquivos do SNI, PF e DOPS. E mais que atuais em 2024.
O CETA, Centro de Treinamento para a Ação, era o grande espaço de formação de jovens cristãos nos anos 1970, com apoio dos Irmãos Maristas, especialmente dos Irmãos Antônio Bortolini e Firmino Biazus. As e os cetistas criaram um jornal chamado CAJADO, organizaram os Cursos de Base, que se espalharam por todo Rio Grande do Sul, foram morar em diferentes vilas populares de Porto Alegre e Grande Porto Alegre. E construíram o Movimento dos Peregrinos.
Dizem os Estatutos do Movimento: “Art. 1. O Movimento dos Peregrinos é um Movimento que busca vivermos valores evangélicos, estando atento aos sinais dos tempos e que caminha com o povo sujeito de sua própria história para construir uma sociedade que corresponda aos desígnios de Deus. Art. 2º. São finalidades do Movimento dos Peregrinos: a) propiciar profunda reflexão que venha a iluminar a ação concreta de cada um. b) propiciar encontros de amizade, entreajuda e troca de experiência. c) fomentar momentos de oração que sirvam de alimentos e resposta aos apelos de Deus e os outros nos fazem. d) criar, manter e estimular cursos de formação. e) criar, manter e estimular equipes de atuação pastoral que atuem nas diversas áreas pastorais.”
“Objetivo geral do Movimento dos Peregrinos, decidido em Acampamento em Montenegro nos dias 19 e 20 de março de 1977, reunidos num clima de amizade, reflexão e oração: Ser um grupo qu3 busca viver com simplicidade os valores evangélicos estando atentos aos sinais dos tempos e lutando para construir uma sociedade mais justa e fraterna.”
E o poema de Natal de 1979, publicado no CAJADO, e estendido a todas e todos em 2024, num feliz e abençoado Natal:
“MENSAGEM DE NATAL 1979. ´Eu vos digo: o Reino já está no meio de vocês´.
João,/ seu Zé,/ Santo,/ dona Maria, outras e outros, muitas outras e muitos outros,/ em Caçapava, Livramento,/ ou Torres nascidos,/ vieram, na Lomba do Pinheiro,/ na Vila Iguaçu,/ na Cruzeiro,/ lugares vários e distantes,/ cumprir missão.
Nasceram para a consciência,/ para o mundo, o além do imediato,/ da casa,/ da família,/ do mísero salário,/ dos problemas:/ falta d`água,/ terreno não legalizado,/ nua parede, sem reboco,/ forro inacabado,/ comida dos filhos,/ eterno dia a dia do operário.
Nasceram como quem nasce/ de uma vez para sempre,/ nenhuma força a segurar/ a nova visão,/ o projeto coletivo,/ o medo superado,/ o individualismo,/ o silêncio também.
João, seu Zé, Santo, Dona Maria/ são o povo do Senhor,/ nascendo hoje no estábulo do mundo,/ reunindo os pastores/ do tijolo, da massa,/ da forja, da cozinha,/ ao redor das perguntas,/ da fome,/ dos desencontros,/ da possível transformação.
São o Cristo anunciando hoje/ a mulher nova, o homem novo,/ exigindo a mudança,/ a Nova Lei,/ derrubando o trono/ os fariseus da palavra,/ do dinheiro e do poder.
São o povo repartido igualmente,/ o grito de todas e de todos,/ as mãos conscientes/ negando a mão do patrão/ e apertando solidamente/ as mãos da irmã e do irmão.
João, seu Zé, Santo, Dona Maria, outras, outros, muitas outras, muitos outros,/ são o canto da liberdade,/ cantado por operárias e operários,/ agricultoras e agricultores,/ mulheres, jovens, crianças,/ o Reino assumido no sangue,/ na luta,/ Deus presente na história,/ o Cristo renascido,/ vivo na mulher e no homem,/ e sempre.” (Selvino Heck, CAJADO, Peregrinos, Ano II, nº 10, dezembro-janeiro 1970-1980).
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Vivian Virissimo