Vamos começar o ano reagindo e pensando coletivamente?
Eu não estava na quinta-feira (12), no ato de entrega de prêmios da Academia Rio-grandense de Letras, quando seu presidente, Airton Ortiz, proferiu um discurso extremamente racista.
Nas fotos e vídeos a escritora Eliane Marques está com o prêmio ainda quentinho em suas mãos. Não deu nem tempo de desfrutar de mais uma conquista de seu romance Louças de família que já teve que ir, tremendo (como ela mesma relataria), a denunciar mais uma vez o racismo.
A escritora Taiasmin Ohnmacht cobrou das pessoas brancas um posicionamento. Também o fez a própria Eliane Marques na hora do repúdio, perguntando-se como pode ser que perante essa violência haja pessoas que permaneçam sentadas.
Fiquei pensando em como eu teria agido.
Algumas escritoras brancas deram apoio a Eliane para ir manifestar o repúdio. Ela era a única pessoa negra presente. Ela, a pessoa a levar o prêmio. No vídeo registrado pela escritora Laís Chaffe vemos algumas mulheres, e menos homens, no palco, junto a ela. Com certeza eu também teria estado ali, em abraço e indignação, mas será que eu teria falado no microfone?
Acho que não.
Por isso agora é o momento de escutar o reclamo e repensar.
Muitas de nós, provavelmente, não teríamos falado para deixar o lugar as próprias pessoas negras.
Fiquei pensando em outras situações que vivi/o. Como ativistas feministas, nas manifestações pedimos que os companheiros que vão apoiar não sejam protagonistas e fiquem atrás. Nem sempre o conseguimos. Desde esse lugar eu nunca teria querido tirar o que entendia como protagonismo das pessoas negras.
Contudo, continuei lembrando de outras situações.
Em 2012, uma vez findo o EFA-lac Encontro Feminista Autônomo latino-americano e caribenho e ainda algumas companheiras de outras cidades e países estando em Porto Alegre, fomos uma noite a um Sarau numa comunidade urbana. Um espaço de esquerda, parceiro.
Uma hora, um homem falou um poema confundindo erotismo com violência, o “poema” terminava com algo assim como que ele furava o cu dela.
Eu que vinha de um paraíso feminista, de estar construindo e debatendo durante vários dias entre mulheridades, o cu furado a uma mulher, sangrou em mim, gerando uma dor profunda. Nesse momento se fez um silêncio e eu, que nem cogitava falar, as palavras me escaparam. Então, o homem do “poema”, surpreso com meu comentário que definitivamente não esperava, me explicou que ela era sua esposa e que ele podia fazer isso com ela.
Meu corpo cada vez sangrava e espumava mais, por todos os orifícios, enquanto a temperatura se elevava. Continuei defendendo a mulher do poema, ou, a todas as mulheres que são violentadas pelos “seus” maridos que porque assinaram um contrato matrimonial acham que podem fazer o que bem entender com a outra pessoa, mesmo sem consentimento.
Frente a um debate inesperado os organizadores tentaram me calar pondo música. A mim ninguém me cala! Foi pior. Não só eu levantei o tom da minha voz, também o companheiro de uma amiga se manifestou concordando comigo. Achando o poema um absurdo de violência.
Nesse momento eu não senti que ele roubasse o protagonismo das feministas. Pelo contrário, tive a sensação de que há instancias nas quais precisamos nos unir e sermos fortes.
Acho que era a isso ao que se referiam Taiasmin e Eliane, precisamos unir forças e vozes e atitudes. As pessoas negras tempo todo denunciam o racismo. E nós, pessoas brancas?
Eu não estava na entrega de prêmios da Academia Rio-grandense de Letras quando seu presidente, Airton Ortiz, proferiu um discurso extremamente racista. Por isso quero agora me levantar e falar e gritar junto às minhas irmãs e irmãos negrxs. Chega de racismo! Precisamos sentar e ler e conversar e estudar e pensar.
Quero deixar um convite. Vamos ler juntxs O pacto da branquitude, de Cida Bento? Vamos formar um grupo de pessoas de todos os sexos e gêneros? Aí vemos se o encontro é presencial, em Porto Alegre, online ou em modo híbrido. Pessoas interessadas me escrevam a [email protected].
Precisamos agir e reagir.
Vamos começar o ano reagindo e pensando coletivamente?
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Vivian Virissimo