Rio Grande do Sul

DIRETOS HUMANOS

OEA divulga observação preliminar sobre situação dos atingidos nas enchentes

A Relatoria Especial que realizou a visita ao Brasil destaca a habitação digna como uma das situações mais críticas

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Foram realizadas visitas a locais destruídos, encontros com associações da sociedade civil, comunidades quilombolas e pessoas desalojadas - Jonathan Hirano/CEDH-RS

No início de dezembro, a Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Redesca) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) visitou regiões particularmente afetadas pelas enchentes ocorridas em maio deste ano no Rio Grande do Sul com o objetivo de documentar os efeitos da tragédia na economia, direitos sociais, culturais e ambientais e analisar as respostas do governo e da comunidade. 

Em nota, a Relatoria apresentou algumas observações preliminares de situações críticas no estado, principalmente em relação a moradia, saúde e educação das comunidades mais vulnerabilizadas e a necessidade urgente de rever e reforçar as políticas preventivas. O relatório final ainda está sendo concluído e após elaborado fará recomendações ao Estado brasileiro.

A dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Alexânia Rossato afirma que a realidade é realmente essa. "As enchentes alteraram a natureza como um todo e é claro, alterou a vida social também. Muitas pessoas não podem mais voltar para os seus bairros, que viraram bairros fantasmas, porque foram construídos nas manchas de inundação. A nossa esperança é a de que o relatório final encaminhe uma conclusão que indique a responsabilidade do Estado brasileiro para a retomada das condições dignas de milhares de famílias."

Segundo ela, para os atingidos organizados no MAB não há dúvidas que a espera pelo reassentamento desde a enchente de setembro agravou a situação das famílias no Vale do Taquari, e isso se deu pela ineficiência do Estado. "A falta de manutenção do sistema de cheias na região Metropolitana se resume também na falha na gestão pública. Então, esperamos que o relatório se direcione aos responsáveis. Infelizmente, pelo nível que chegamos, pela crise climática que vivemos, é praticamente impossível evitar as próximas enchentes, mas é possível evitar os grandes desastres, a perda material e as mortes."

Situações emergenciais

Entre seus apontamentos iniciais, a Redesca considera uma das questões mais críticas a habitação digna, saúde e educação. Milhares de pessoas ainda residem em áreas com alto risco de inundações, em condições precárias, em abrigos, quartos temporários ou em casas de parentes ou vizinhos. Na área da saúde, a assistência e o cuidado médico não são eficientes, principalmente quanto à saúde mental. Da mesma forma, declara que são evidentes as dificuldades relacionadas ao direito à educação de crianças e adolescentes. 

O Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do RS, Enrico Rodrigues, que acompanhou a visita da Redesca às comunidades mais atingidas, também defende a importância de não se construir apenas políticas de mitigação, mas de assistência e garantia dos direitos humanos.

“Garantir direitos humanos nessa crise é necessário para que não haja processo de desterritorialização desnecessárias e de gentrificação. As soluções técnicas não podem ser construídas de cima para baixo. Esse diálogo com os atingidos é previsto nas leis. Temos que compreender que essas mudanças climáticas são uma realidade permanente. E que essa tragédia de maio é tida como o maior evento climático do hemisfério Sul. Por isso é de extrema importância que haja a participação da comunidade internacional no direito de garantir a proteção dos direitos humanos para além das atuações de órgãos nacionais”, afirma Rodrigues.

A Redesca também pontuou preocupação com os povos indígenas, as comunidades quilombolas e as mulheres, grupos de maior vulnerabilidade que foram mais afetados e não recebem assistência adequada. Assim como os trabalhadores das economias informais que apresentam grandes dificuldades em garantir meios de subsistência sustentáveis.

Prevenção e mitigação

Além das alterações climáticas, os desmatamentos e o uso inadequado do solo com as monoculturas foram considerados responsáveis pelo agravamento dos riscos e a recorrência das enchentes no estado. Segundo a relatoria, uma das ações estratégicas para prevenção e mitigação de riscos futuros está em reconhecer o conhecimento tradicional, dos povos indígenas e dos sistemas de conhecimento locais. 

A Redesca afirmou a importância de expandir a participação social nos processos de tomada de decisão sobre políticas ambientais e climáticas, garantindo que as vozes das comunidades vulneráveis ​​sejam ouvidas e incorporadas de forma significativa. Reforçando a produção e divulgação de informação acessível, baseada em evidências científicas, que permita às comunidades compreender os desafios e participar de forma informada. Esta participação é também uma ferramenta para desenvolver políticas mais inclusivas e eficazes, alinhadas com as necessidades reais das pessoas afetadas.

“Esperamos que tal tragédia não vire um novo balcão de negócios, popularmente conhecido como 'toma-la, dá cá', aguardamos maior investimento público nos órgãos públicos de pesquisa, universidades federais e estaduais, sociedade civil organizada e a população atingida para que apontem as melhores soluções, relacionadas ao clima, moradia, aspectos sociais e arrefecimento da crise vivida pelo estado", pontua Júlio Alt, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS, que também acompanhou as visitas.

Redesca

A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais é um escritório criado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) com o objetivo de fortalecer a promoção e proteção dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais no continente americano, liderando os esforços da Comissão nesta matéria.

Durante a visita, a Redesca realizou reuniões em Brasília, com autoridades federais e estaduais, incluindo a ministra dos Direitos Humanos e a presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, bem como com representantes da sociedade civil, da academia e de comunidades diretamente afetadas, como cidades, indígenas, comunidades quilombolas e trabalhadores da economia informal.

A nota pode ser lida na íntegra no site da OAS.


Edição: Katia Marko