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Coluna

O bom combate

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"Em tempos em que a cultura do ódio e da violência ganham as redes sociais de uma forma nefasta, e que as guerras parecem ameaçar a própria humanidade, precisamos adotar, fazer crescer a cultura do amor e proteção à Vida" - Foto: Tiago Giannichini
Uma porta se abre para a batalha pela dignidade humana, contra a fome e a miséria

Dizem os sábios que o amor move o mundo, permite sua existência, que a vida é sustentada porque o amor é o conteúdo da consciência. Onde não há amor, que é fonte de vida, se instala a não-vida, a cultura da morte, da destruição, do ódio. Como equilibrar os impulsos políticos, econômicos, sociais que parecem colocar em xeque a vida?

Essa reflexão tomou corpo a partir do lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, por ocasião do Encontro do G20, no Rio de Janeiro. Se em pleno século 21, com todas suas conquistas tecnológicas, milhares de pessoas morrem diariamente de fome no planeta Terra, alguma coisa está muito "fora da ordem mundial", citando nosso querido poeta baiano Caetano Veloso.

O alimento, a comida, é condição básica para uma pessoa permanecer viva. É óbvio, mas parece que esquecemos essa lição essencial. A realidade da fome e da insegurança alimentar no planeta hoje é um reflexo nítido da desvalorização da vida como um valor em si. A vida deve ser mantida, vivida com dignidade, até o momento de nossa partida. Até lá, o mínimo que se pode garantir para todos os seres humanos é o direito de se alimentar, se possível de forma saudável, pelo menos três vezes ao dia.

O alimento, o pão nosso de cada dia, é, em tese, a garantia da vida, de pertencimento à comunidade humana. A comida reflete também a identidade de um povo, a sua soberania. Mas nem sempre isso se dá. Devido à falta de acesso aos alimentos e às desigualdades, milhões de irmãos e irmãs da nossa família humana passam fome e muitos morrem de desnutrição e suas complicações.

Onde nos perdemos para que essa situação ainda perdure? Por que a fome não provoca manchetes nos meios de comunicação e nas rodas de conversa entre amigos? Algumas tentativas de explicação podem ser feitas. Perdemo-nos em uma cultura que estimula o individualismo, a aquisição e acúmulo de bens materiais, nutrindo a percepção de que somos independentes, separados uns dos outros.

Contudo, não nos contam na escola que a vida é como uma teia, onde tudo está conectado em interdependência e reciprocidade. Com esse olhar mais amplo e inclusivo, podemos afirmar que se uma só pessoa passa fome no mundo, todos contribuímos de alguma forma para isso, seja com a nossa omissão ou pela falta de empatia pela situação do outro.

Não importa o local, o país onde as pessoas vivem, sua cultura e jeito de ser, TODAS devem ter acesso aos frutos da sagrada Terra. Temos muito a aprender com Pachamama, Mãe de todos nós. Que mãe quer ver um de seus filhos com fome? Para que todos tenham vida plenamente, Pachamama é uma Senhora doadora de rios, lagos, oceanos, terras, plantas, para que seus filhos usufruam com equilíbrio, parcimônia e fraternidade desses bens naturais.

Com essa compreensão de que formamos um todo, de que a separatividade é uma ilusão, podemos evoluir e superar a questão da fome no mundo de uma vez por todas. É preciso encontrar uma forma de nos sentirmos comprometidos e ajudar, cada qual à sua maneira, neste bom combate contra essa situação que deve envergonhar qualquer ser humano que busque compreender o verdadeiro significado de "ser humano".

Em tempos em que a cultura do ódio e da violência ganham as redes sociais de uma forma nefasta, e que as guerras parecem ameaçar a própria humanidade, precisamos adotar, fazer crescer a cultura do amor e proteção à Vida. Precisamos perceber que a paz não se limita ao cessar-fogo, mas cessar a fome.

Uma porta se abre para a batalha pela dignidade humana, contra a fome e a miséria. Mas se a sociedade civil, as populações como um todo, não se envolverem com esse bom combate, muito pouco os governantes das 20 maiores economias do mundo poderão fazer, limitados pelas agendas políticas que priorizam, o custeio da indústria bélica e a manutenção de índices econômicos que não implicam em desenvolvimento humano. A prioridade das grandes potências mundiais, de forma clara, não inclui dar de comer a quem tem fome.

Precisamos, urgentemente, nos voltarmos para nossa humanidade quase perdida. E Pachamama nos convida o tempo todo a sentirmos, a aprofundarmos na Unidade da Vida que Somos. Eu Sou porque Somos, diz muito bem o sábio conselho da tradição africana. Precisamos resgatar a simplicidade da vida. Percebermos a Irmandade humana que somos, e além disso, percebermos a Unidade da Vida em todas as suas manifestações.

Se não fizermos esse ponto de giro, pouquíssimo poderemos fazer para acabar com a fome e a insegurança alimentar no mundo. E daqui a cem anos ou mais, será que ainda precisaremos de campanhas para combater a fome e a miséria no planeta que produz três vezes mais comida do que precisa? Se não nos autodestruirmos até lá, descobriremos.

Mais do que em qualquer momento histórico, precisamos de Consciência Pachamama, dos valores do cuidado, de pertencimento à comunidade de vida e de amor, muito amor. Acabar com a fome no mundo é uma demonstração do mais puro e verdadeiro amor à vida. Já nos lembrava um santo sábio chamado Jesus, que nasceu em dezembro: eu vim pra que todos tenham vida.

Façamos o bom combate!

* Zulema Mendizabal e Kristiano Puma Aguilar, ativistas da Nación Pachamama

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Katia Marko