Espero e vejo importância no engajamento de pessoas brancas na luta contra o racismo
Taiasmin Ohnmacht*
Na epígrafe do famoso texto de Lélia Gonzalez, Racismo e sexismo na cultura brasileira, há a descrição de uma cena na qual um grupo de intelectuais brancos convidam pessoas negras para uma atividade na qual a temática era sobre essas mesmas pessoas negras. Bastou uma preta questionar a organização do evento que não previa uma participação enunciativa negra para se instaurar uma grande confusão.
Maya Angelou em seu livro, Cartas a minha filha, conta de um período de sua vida quando foi morar no sul dos Estados Unidos, região que sustentou por muito tempo a segregação racial. Contrariando as próprias expectativas, Angelou se adaptou bem à região, foi professora em uma universidade local e fez novas amizades. Certa vez resolveu perguntar aos colegas brancos como eles aceitaram a segregação, e as respostas foram:
“- Na verdade nunca pensei a respeito. Tem sido sempre assim, e parecia ser assim pra sempre.
- Eu já pensei sobre isso, mas não achei que houvesse algo que pudesse fazer para mudar essa situação.
- Quando os jovens negros protestaram [...] senti muito orgulho. Lembro-me de desejar ser negra para poder me juntar a eles.”
Na quinta feira, 12 de dezembro, tivemos, em Porto Alegre, um episódio de racismo na fala do presidente da Academia Riograndense de Letras (ARL), Airton Ortiz. Mas vejam bem, não quero falar dele, nem de quem ainda o defende. Ele que responda por suas palavras, inclusive juridicamente. O vídeo que circulou da premiada escritora e psicanalista Eliane Marques com sua fala contundente fazendo frente à absurda fala racista (vídeo de autoria de Laís Chaffe, uma escritora branca que felizmente registrou o momento) foi impactante de muitas formas, mas sobretudo por ver a escritora e mulher negra erguendo sua voz solitária naquele contexto violento. Não pretendo omitir que várias escritoras e escritores brancos se posicionaram fisicamente ao lado dela, basta ver o vídeo. Mas e a voz? E a denúncia do racismo? E o repúdio feito pelos próprios brancos? Bem, isso veio, de algum modo, no dia seguinte com muitas notas de repúdio à fala e de apoio à escritora, e veio de diversas instituições ligadas à literatura e à cultura. Com exceção da própria ARL que publicou em seu site uma nota de esclarecimento do próprio presidente que apenas reafirmou o que já havia dito, como se fosse algo novo, tentando fazer soar como uma retificação o que acabou por ser uma ratificação. Contudo, que tenham vindo posicionamentos oficiais das demais entidades foi bom, necessário e fundamental.
Ainda assim quero falar com as pessoas brancas que se colocam como aliadas na luta antirracista. E se me movo a escrever esse texto, é porque espero e vejo importância no engajamento de pessoas brancas nesta luta.
No momento parece que a branquitude hesita em se manifestar. Um pouco por medo de ser traída por uma palavra, uma frase que denuncie o racismo que a atravessa, o que, convenhamos, não sei se há como evitar; outro tanto por perceber na sua participação um risco de eclipsar o protagonismo negro.
No livro de Cida Bento, Pacto da branquitude, a autora afirma que os movimentos sociais têm o potencial de causar o impacto social necessário para gerar indignação e impactar na discussão sobre desigualdades, e a autora não está restringindo essa afirmação a uma luta apenas da população negra, mas aos brancos antirracistas que precisam responder às perguntas: “O que podemos fazer para destruir esse sistema tão desigual e perverso? Qual é o nosso lugar de brancos e brancas antirracistas?”
Quando aludimos às questões acima, em geral, vem o conceito lugar de fala como um obliterador a uma resposta. Nestes momentos quase chego a odiar esse conceito, até me lembrar que Djamila Ribeiro, no seu livro sobre o tema, afirma em acessível explanação que todos temos lugar de fala, trata-se apenas de ter em mente que nosso lugar de fala é sempre parcial, e tal parcialidade estará implicada no que falamos. Se vamos usar um conceito, é bom ler os textos que o formulam. E digo isso aos irmãos negros também, que muitas vezes disseminam conceitos sem maior compromisso com eles.
Brancos simpáticos à causa, não usem nossa justificada necessidade de falar em nome próprio como uma justificativa para vocês se calarem. Por acaso, enquanto brancos, vocês não têm nada a dizer? Nós, negros, lutamos desde sempre e seguiremos lutando, independente de autorização ou participação branca. A minha questão é: se vocês não podem falar em lugar dos negros – e não podem – lembro a vocês que nós, negros, tampouco podemos falar por vocês brancos.
Quanto às pessoas brancas que se posicionam como simpáticas à luta negra, e vêm tentar explicar as falas racistas de seus amigos a partir do lugar do equívoco, do pouco conhecimento, ou o que seja, poupem o seu tempo, e sugiro que o usem melhor aconselhando seus amigos a se repensarem, a estudarem história e a aprenderem a assumir os seus erros.
*Taiasmin Ohnmacht é psicanalista e escritora. Autora dos romances Uma Chance de Continuarmos Assim (Diadorim, 2023), Vozes de Retratos Íntimos (Taverna, 2021), livro vencedor dos prêmios AGES e Açorianos de literatura; finalista do prêmio São Paulo de Literatura e semifinalista do prêmio Jabuti.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Vivian Virissimo