Músicos como Vítor Ramil, Renato Borghetti, o maestro Antônio Carlos Cunha, o cineasta Henrique de Freitas Lima, o artista plástico Aloísio Petersen, professores e escritores como Luiz Augusto Fischer e Luiz Coronel são alguns entre milhares de ouvintes e telespectadores que pedem a permanência do programa Cantos do Sul da Terra, apresentado por Demétrio Xavier de segunda a sexta na FM Cultura e no domingo na TVE, canais públicos de comunicação.
O Governo do Estado negou a continuidade de cedência do apresentador originário do Tribunal de Justiça para continuar os programas em 2025. Assim, o programa iniciado em 2011 está, mais uma vez, na iminência da extinção.
O governador Eduardo Leite vem sendo questionado sobre a medida tomada pelo secretário de Comunicação, Luiz Carlos Caio Tomazeli recente no cargo e novo na atuação em trâmites na área cultural.
O secretário não atende aos pedidos de entrevista. Ao Brasil de Fato a assessoria disse que “a não prorrogação da cedência do servidor Demétrio de Freitas Xavier (...) se trata de decisão administrativa. Existe a possibilidade do apresentador fazer o programa como voluntário, como já ocorreu entre 2020 e 2022 em formato semanal”.
Ao saber da negativa da cedência, os Sindicatos dos Radialistas e de Jornalistas protocolaram um pedido de revisão do ato administrativo junto à Casa Civil do Governo do Estado e também junto ao presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Alberto Delgado Neto.
A comunidade cultural passou a manifestar sua desconformidade também por meio de um abaixo-assinado que já passa de 1400 assinaturas e uma Carta Aberta ao governador pedindo a manutenção da cedência apoiada por dezenas de espaços culturais que começaram um rodízio de atos de apoio ao movimento #ficademétrio e #ficacantosdosuldaterra.
O programa foi criado em 2011 para a rádio e foi ao ar semanalmente até 2018. Foi interrompido por dois anos em ato administrativo que culminou com o retorno do músico, da TVE/RS para o TJRS, naquele ano. A partir de 2020, ele retomou a produção semanal como voluntário até ser novamente cedido à TVE/RS, em 2022.
O apresentador partilha seu conhecimento com generosidade que comove os milhares de ouvintes. Demétrio também acaba de ganhar o prêmio na categoria Crônica pelo livro “Cevando a Palavra”, nome de um dos quadros do seu programa, da Associação Gaúcha de Escritores (AGES).
Na última segunda-feira (9), dezenas de pessoas estiveram no Café Cantante em apoio ao programa e a permanência do músico, apresentador e radialista que não quer se manifestar sobre o que vem sofrendo. Apenas canta. Neste dia, abriu o repertório com a música “Si se calla el cantor”, do argentino Horácio Guarani.
“A comunidade cultural está mobilizada para garantir a permanência desses programas pelo valor cultural e de integração latino-americana inestimável que propiciam”, declarou a proprietária Jane Pillar. Ela informou que 22 estabelecimentos de economia criativa do bairro Bonfim se somam ao movimento que conta com apoios de grupos e espaços culturais como a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, grupo Unamérica, Clube de Cultura, Fundação Ecarta, Espaço Amelie, El Pesto, Anticuário Restobar, Café FonFon, Milonga Bar, Livraria Cirkula, Livraria Clareira, Olho Mágico Cervejaria entre vários outros que já se pronunciaram.
Os atos seguirão se revezando em diferentes espaços culturais da cidade em alusão ao valor do programa e do reconhecimento ao serviço de interesse público prestado pelo apresentador na valorização dos diferentes aspectos da musical, língua e integração regional.
Movimento plural
Presente à manifestação no Cantante, o jornalista e cartunistas Celso Schröder destacou que o ato ataca frontalmente a comunicação pública do RS, em mais um capítulo para fragilizar a Fundação Piratini em vias de extinção.
Ele entende que a importância dos programas deveria ter, inclusive, espaço e projeção nacionais e compara a valiosa contribuição de Demétrio Xavier ao apresentador e pesquisador Rolando Boldrin já falecido, que manteve por anos um programa referência nacional na preservação da cultura brasileira raiz.
O jornal Extra Classe também repercutiu o movimento e retratou manifestações de outro experimentado jornalista cultural e pesquisador Juarez Fonseca que ironizou o ato do governo nas redes sociais: “@Agora mais uma otoridade do governo do estado quer dar sequência à extinção das emissoras públicas do RS, começando por tirar do ar o programa “Cantos do Sul da Terra”, apresentado há muitos anos por Demétrio Xavier, um dos maiores conhecedores da música latino-americana. A tal otoridade é o novo secretário da Comunicação do Milk… @Isso é o fim da picada! Precisamos reagir contra essa ação que prejudica a cultura do RS! Espera-se que a secretária da Cultura interfira nesse processo”.
Nesta quinta-feira (12), a TVE recebeu um troféu destaque durante a 66ª edição do Prêmio ARI/Banrisul de Jornalismo pelos 50 anos da emissora pública.
Depoimentos emocionados
“O Cantos do Sul da Terra é um acerto do começo ao fim, seja na FM Cultura, seja na TVE. A concepção faz jus à sensibilidade e à inteligência que se expressam na literatura, na canção, nas práticas culturais em geral deste canto do planeta, que o Demétrio Xavier tem sabido captar e dar a ver a ouvir. Um programa que é um refrigério para a mente, ao mesmo tempo que ê uma abertura de horizontes: ninguêm passa por qualquer dos momentos do programa sem abrir-se perguntas, espantos, maravilhamentos. Longa vida ao Cantos do Sul da Terra!”
Luís Augusto Fischer - Escritor, ensaísta e professor
Além deste depoimento, Fischer publicou uma crônica na revista Parêntese #255: A ceva e a morte da ceva no site Matinal no final de semana.
“Certos programas adquirem um significado artístico e cultural que os tornam verdadeiramente relevantes. Demétrio revela a esplêndida e rica diversidade da cultura pampeana e o faz com esmerada competência. Num momento em que o banal e o frívolo correm soltos, Demétrio nos traz a alma do pampa no som dos violões e na voz de nobres cantores. Sua presença na Cultura é um presente que nos lega nossa arte em suas dimensões de passado e futuro.”
Luiz Coronel – Escritor e compositor.
“O programa já pode ser considerado um clássico do rádio gaúcho. Diverso, original, surpreendente, a cada dia nos mostra novas facetas de uma América Latina que, apesar de nossa, nos é desconhecida. Esta magia só se dá por causa de seu produtor e apresentador Demétrio Xavier, um especialista que é também artista dos melhores da raça.”
Henrique de Freitas Lima – cineasta.
“Programa fundamental para a cultura, para a arte, para a História da nossa música, da nossa Cultura do Rio Grande do Sul e da nossa América Latina.”
Renato Borghetti – compositor e instrumentista.
“O programa tem um valor inestimável, incalculável, para a propagação da cultura latino- americana. Demétrío Xavier é um apresentador artista, único; tem um estilo próprio de comunicação. Tem um vasto conhecimento sobre música latino-americana, sobre poesia. Demétrio consegue essa integração. E o mais importante: ele apresenta tudo de uma forma fluente e tem um cunho pedagógico; vai trazendo informações históricas, estabelecendo relações entre artistas, entre culturas; conectando as raízes e construindo conhecimento. Eu, como professor da UFRGS e como maestro compositor, posso dizer que tenho aprendido muito com o Demétrio Xavier. Ele simplesmente é um patrimônio, posso dizer, da nossa Cultura, do nosso Estado. Nós precisamos do Demétrio, precisamos continuar ouvindo os Cantos do Sul da Terra.Tem sido parte das minhas discussões na UFRGS com meus alunos, sobre gêneros que são peculiares, sobre as raízes da nossa música, sobre o folclore latino-americano. Ele é uma autoridade e eu admiro a maneira com que ele comunica, com um (...) português impecável adaptado a um linguajar gauchesco. Isso é fantástico. Não é um dos melhores programas da nossa emissora de rádio e de TV: ele é único, único; e por isso ele precisa ser preservado. Nós precisamos dos Cantos do Sul da Terra. A fluência e a poética de comunicação (...) tem conquistado cada vez mais espectadores para a nossa rádio FM Cultura e para a nossa TVE. Isso é muito importante (...)”
Antônio Carlos Borges-Cunha – maestro e professor
“Os programas transversam a nossa música raiz do passado e do presente com a música latino-americana e isso é o conceito mais atual de contemporaneidade. São de extrema cultura e são imprescindíveis. Por isso deveriam ir, inclusive, a nível nacional.”
Aloizio Pedersen – artista plástico e arte-educador
Os servidores da Fundação Piratini também reativaram uma página na rede social Facebook onde estão sendo postados alguns depoimentos.
Trajetória
Formado em Ciências Sociais pela Ufrgs, Demétrio Xavier tem cerca de 40 anos dedicados à pesquisa e difusão da música popular de matriz crioula do Prata, com ênfase na obra de Atahualpa Yupanqui. Cantor e violonista, apresenta-se na Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul. Tem três CDs gravados: Camino – Demétrio Xavier interpreta Atahualpa Yupanqui (1998); O Pajador Perseguido (2005) e Cantos do Sul da Terra (2018). Em 2009, com Marco Aurélio Vasconcelos, ganhou a Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana, com a canção A Sanga do Pedro Lira, letra de sua autoria. Seu nome foi incluído em 2022 na terceira edição do Diccionario biográfico de la música argentina de raíz folklórica, de Emilio Pedro Portorrico. Em 2023 lançou as primeiras traduções da obra literária de Yupanqui para o português.
CARTA ABERTA
Ao governador Eduardo Leite
Ao Secretário de Comunicação, Luiz Carlos Caio Tomazelli
PELA PERMANÊNCIA DO CANTOS DO SUL DA TERRA
A comunidade cultural vem a público solicitar ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul a permanência dos programas Cantos do Sul da Terra, idealizados, produzidos e apresentados por Demétrio Xavier na FM Cultura e TVE.
O Governo do Estado indeferiu a solicitação da cedência do apresentador, oriundo do Tribunal de Justiça do Estado, para continuar o exercício de suas funções junto ao Departamento de Radiodifusão e Audiovisual, da Secretaria de Comunicação (processo administrativo n° 21/0811-0000719-9). Negativa que gera a iminência do fim dos programas.
A classe artística e cultural reafirma o inestimável valor deste programa.
Muito mais que uma grade musical, o programa incorpora contribuições de diversas áreas, aliando a apurada curadoria musical à literatura, saberes campeiros, estéticas e linguagens de diferentes origens, tanto em espanhol como português, trazendo inestimáveis aportes de conhecimento que formam a identidade da cultura crioula.
A alta relevância desse espaço de compartilhamento e reflexão sobre as culturas e identidades regionais do Sul da América Latina é fortemente reconhecida pelos ouvintes, tele-espectadores e atores do cenário cultural gaúcho e latino-americano.
Os programas se consolidaram como territórios imateriais de valorização da expressiva diversidade de manifestações, aproximando definitivamente as identidades dos países ao sul do Continente.
Por todas estas contribuições, solicitamos, mais uma vez e definitivamente, a manutenção desses programas de interesse público.
Link da petição pública
https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR145705
Fica Demétrio, fica radiodifusão pública e sua equipe de profissionais competentes*
A sociedade gaúcha está se mobilizando em defesa da TVE e da FM Cultura, emissoras da extinta Fundação Piratini, e da permanência da programação dos únicos canais públicos que existem no estado do Rio Grande do Sul. Sindicatos, associações, personalidades e militantes da cultura estão propondo um evento de natureza político/cultural no dia 6 de janeiro de 2025, segunda-feira, no bar Ocidente, a partir das 19 horas.
Será apresentado um manifesto que defende a dimensão pública da radiodifusão com a diversidade, qualidade e abrangência necessárias para garantir uma esfera pública democrática, diversa e inclusiva.
Reivindicam também a permanência do programa Cantos do Sul da Terra, apresentado pelo músico Demétrio Xavier, como exemplo da qualidade de uma apresentação que promove a cultura regional em sintonia com a cultura nacional e universal.
A luta pela manutenção da TVE e da FM Cultura já existe há muitos anos. Batalhas judiciais, discussões incansáveis do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SindJoRS) e do Sindicato dos Radialistas do RS com o governo do Estado, com a Secretaria de Comunicação (Secom), com a Casa Civil, com a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e com o Ministério das Comunicações foram sempre na tentativa de demonstrar o óbvio.
Precisamos manter o único espaço que tem a preocupação de disseminar a cultura local e regional e que abre espaço para os diferentes personagens de nossa sociedade.
E a resposta está aí: o troféu Antônio Gonzalez pelos 50 anos da TVE e 35 anos da FM Cultura na entrega do Prêmio ARI / BANRISUL de Jornalismo 2024. Segundo lugar na categoria Televisão do 41º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) em parceria da OAB-RS, prêmio entregue no Dia Internacional dos Direitos Humanos. E o programa TVE Esportes homenageado com o Prêmio Destaques Esportivos 2024 pelo Grêmio Náutico União. Só para citar alguns dos últimos reconhecimentos dessa instituição que construi seu espaço no coração das gaúchas e dos gaúchos.
Se mesmo equipamentos sucateados e o descaso da máquina pública em renovar a estrutura técnica esses jornalistas e radialistas geram tanto reconhecimento e congratulações, imaginem se governantes destinassem uma série de necessários investimentos para capacitar ainda mais os equipamentos necessários para o trabalho digno e necessário das nossas categorias.
O ambiente atual existente não é o adequado e o que precisamos, urgentemente, é construir alternativas para esta situação, trazendo uma mínima garantia e tranquilidade para que jornalistas e radialistas tenham o espaço adequado emocionalmente para exercer a sua profissão.
Esse evento, que terá como objetivo principal resgatar as lutas históricas pelo bem da comunicação pública, pretende ser novamente um marco de diálogo da sociedade civil com os nossos governantes para chegarmos ao objetivo comum: entregar para a sociedade um jornalismo de qualidade, de combate às notícias falsas e que luta pela manutenção de nossa democracia.
* Nota conjunta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (Sindjors) e do Sindicato dos Radialistas.
Edição: Vivian Virissimo