Amelinha Teles passou pela nossa cidade, deixando o Porto bem mais Alegre
Amelinha Teles passou pela nossa cidade, deixando o Porto bem mais Alegre.
Nos 60 anos de aniversário do golpe empresarial-militar, Maria Amélia de Almeida Teles, mais conhecida por Amelinha, veio lançar seu novo livro: Contos da cela três. Memórias de uma presa política na ditadura.
Na terça-feira (3), tivemos uma belíssima e profunda conversa na livraria Paralelo 30, no contexto de um Sarau das minas bem especial. Todas as vezes que conversei com a autora e ativista, desde 2019 quando a conheci pessoalmente, falamos sobre o seu passado, sobre a ditadura, sobre o Movimento de Memória, Verdade e Justiça do qual faz parte, porém, nunca entramos em detalhes do acontecido diretamente com ela. Ela que esteve “incomunicável por seis meses no ano de 1973. Na maioria do tempo, na Cela Três do antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS/SP)”.
Foi agora que falou das saudades que sentia do seu filho e da sua filha de 4 e 5 anos, que sorria contando das cartas e desenhos e de como, já na época, começou a escrever esses contos que só na pandemia conseguiu materializar. Até esse momento, era literatura oral. Ela tem vários livros publicados. “Ao longo da minha vida, busquei escrever sobre esses horrores em forma de ensaios, artigos, textos e agora contos. São tantas as dores que ainda não consegui colocar no papel tudo o que vivi naquele tempo em que fiquei trancafiada”.
Contou de si que ela é uma pessoa muito otimista, e, de fato, quem a conhece sabe do seu largo e brilhante sorriso e constante alto astral. Ela disse: “Mesmo nada dando certo, eu acho que vai”. E me deixou pensando tanto! Ela, uma pessoa que passou por tantos horrores: torturas físicas, psíquicas e psicológicas, a quem seu filho e filha a viram nesse estado, sua irmã, Criméia Alice Shmidt de Almeida, foi presa política grávida de 8 meses e teve seu filho no DOI-Codi/SP. Isso tudo DOI demais! E ainda assim, a pessoa é otimista.
No conto “As canetinhas coloridas”, escreve: “E legal, saudável e prazeroso, a gente poder pensar em situações bonitas e bacanas mesmo quando a gente está presa e incomunicável, a gente pensa em coisas boas e se sente feliz. É como se a gente não estivesse presa”. Ela fala de um modo simples sobre os momentos mais duros que alguém pode vivenciar, sem negar a dor. Em outras palavras, fala em separar a imaginação do corpo, ensinando a voar.
Nesses tempos de tranca, ela também precisava conversar com alguém, então procurou uma vida com quem dividir fatos e sorrisos. Um dia apareceu ali uma lagartixa, que está nos seus contos como a Lagartixa Linguaruda de Nascimento. Tem vida até no sobrenome.
No conto “A mulher, a lagartixa e a prisão”, a personagem Maria vai presa por defender que todas as crianças “deveriam ter direito à escola pública, gratuita e de qualidade”. Amelinha, que também se chama Maria, até ser detida trabalhava na imprensa clandestina feminista. Nesse conto nos mostra o difícil que era pensar a impossibilidade de se manifestar em tempos ditatoriais. Um conto, um livro tão atual nesses dias que ouvimos as direitas falando em Escolas sem partidos e, em simultâneo, vemos a formação das Escolas paralelas.
Esse vídeo é uma denúncia de Intercept, ali vemos como a direita conseguiu modificar os discursos e vai se imiscuindo na mentalidade das pessoas desde a escola. Educação é tudo.
Nesse momento que às vezes achamos tudo muito duro, quando vemos o Congresso com maioria de direita e ultradireita, um momento em que os planos de um outro golpe, mais assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes saem à luz, vamos às ruas com mais força do que nunca e seguir gritando DITADURAS NUNCA MAIS, ANISTIA NEM PENSAR, porque se Amelinha, hoje, com seus 80 segue lutando, nós temos que estar junto.
Também é o momento dos movimentos feministas gritar contra os retrocessos impostos pelo Congresso Nacional que custará cada vez mais vidas de mulheres e meninas brasileiras. Vamos às ruas contra a PEC 164/2012!
Gravidez forçada é tortura. Criança não é mãe!
Hoje, terça-feira, 10 de dezembro, haverá manifestações em todo o Brasil.
A passagem pela nossa cidade dessa mulher gigante, feminista e ativista política, nos deixa muitos aprendizados, forças, esperanças, energia e responsabilidade para estar nas lutas. Maria Amélia, carinhosamente chamada de Amelinha, continua escrevendo, com projetos, com uma memória de dar inveja e com vontade de caminhar, deixando cansadas a muitas pessoas bem mais jovens que ela.
Se ela pode, nós também temos que poder.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo