O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCIT) anunciou na última quinta-feira (5) o investimento de R$ 220 milhões na empresa pública Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), única fabricante nacional de semicondutores sediada em Porto Alegre. A medida consolida a iniciativa do governo Lula de retomar as atividades da estatal após ela ser listada pelo governo de Jair Bolsonaro para ser liquidada. O Sul21 conversou com Júlio César de Oliveira, engenheiro de Manutenção na empresa e presidente da Associação de Colaboradores da Ceitec (Acceitec), para entender o que o anúncio representa na prática para o futuro da companhia.
Conforme o MCIT, o investimento será aplicado na adequação da plataforma industrial da Ceitec para a produção em escala de semicondutores de carbeto de silício (SiC), na transferência de tecnologia e na internalização de novos processos produtivos.
Oliveira pondera que o investimentos anunciado é resultado de um trabalho de planejamento realizado para indicar uma nova rota para a empresa. Isso ocorreu porque, diante da paralisação das atividades da Ceitec em razão dela ter sido indicada para liquidação, mais de 100 trabalhadores foram demitidos ou deixaram a empresa — de um máximo de 184, para cerca de 60 durante este período –, inviabilizando a manutenção da produção da época, então voltada para soluções de chips de identificação por radiofrequência RFID (Radio Frequency Identification, na sigla em inglês).
“A Ceitec, antes, tinha uma equipe de design que trabalhava no desenho de chips para RFID. Produzimos ali, por exemplo, chip do passaporte, chip para identificação veicular, chip para identificação animal. Tudo nessa parte de identificação. E, na parte de desenvolvimento, a gente fez muitas parcerias com universidades para criar alguns sensores. Então, a gente teve ali os sensores para detecção de doenças, sensores de microfluídica. Isso era o que a gente fazia antes”, explica.
Ele destaca que, entre as pessoas que foram desligadas da empresa, estavam três doutores que agora retornaram, em cargos comissionados, para participar da elaboração desse planejamento.
“Eles foram demitidos na época da liquidação e, com a virada da chave na troca de governo, o TCU tinha barrado a liquidação e a gente conseguiu reverter essa situação, houve a necessidade da gente dizer: ‘Tá, tudo bem, a empresa ficou parada durante esses anos, como que a gente faz agora para voltar?’ Para voltar completamente com o que a gente tinha, não tem como, porque, por exemplo a parte do design, a gente não consegue recompor todo mundo. Além do custo para formar essa mão de obra, você precisa do tempo, então a gente não acredita que teria esse tempo para voltar a fabricar o que já se fazia. Então, se decidiu ver quais seriam outras capacidades para as quais a gente poderia utilizar a nossa fábrica usando o time que tem. Esses três doutores voltaram para ajudar no planejamento e para ajudar nesse estudo que foi feito e entregue junto à Finep”, diz.
A partir do planejamento elaborado e do investimento anunciado, o foco da Ceitec passará a ser na produção de semicondutores de carbeto de silício, que são utilizados em processos de descarbonização e geração limpa de energia, como em veículos elétricos.
“O que tem de diferente nesses dispositivos de carbeto de silício daquele que é só o silício? Ele aguenta trabalhar em tensões mais altas, em correntes mais altas e até em altas temperaturas. O que isso traz benefício? Por exemplo, se você for usar fazer a aplicação em veículos elétricos, você pode dar uma autonomia melhor para esse veículo ou você pode carregar de forma mais rápida esse veículo. Então, essa vai ser a nova rota tecnológica da Ceitec”, diz o presidente da Acceitec.
Oliveira diz que o mercado de carbeto de silício atualmente “está nascendo”, o que permite que a Ceitec tenha uma vantagem competitiva em comparação a outros mercados que já estão “maduros”. “As outras empresas que estão começando também a produzir os seus produtos em carbeto de silício usam estruturas muito parecidas com as que a gente pode fabricar aqui dentro da nossa Sala Limpa [ambiente controlado para evitar a contaminação durante a produção dos semicondutores]. Então, a gente vai estar, dentro desse mercado para a potência, no estado da arte”, diz.
Por outro lado, ele salienta que o processo de retomada da Ceitec só poderá ser bem sucedido se o planejamento apresentado tiver respaldo político durante o período necessário para a sua implementação. “A gente tem três anos para implementar isso. Se tivermos descontinuidade do projeto, a gente pode perder essa janela. Essa que é a nossa preocupação, de iniciar e ter condições de cumprir com o que foi planejado”, afirma.
Ainda assim, a avaliação de Oliveira é de que o investimento poderá recolocar a Ceitec como uma empresa vital no setor para o Brasil.
“A gente tem que lembrar que na América Latina a gente não tem uma outra fábrica ou outra empresa que tenha as capacidades que a Ceitec tem aqui dentro da Sala Limpa. No Brasil, a gente até tem outras fabricantes de semicondutores, mas elas atuam na parte mais final do processamento, que seria a parte de teste, afinamento, corte e encapsulamento dos dispositivos semicondutores. A Ceitec é a única que pode trabalhar na fase de fabricação do wafer [uma das principais etapas da produção de semicondutores]. Você pega o wafer e faz toda a parte física e química para transformar aquilo num chip. Então, a importância que a gente vê pro Brasil é muito grande”, diz.
“Vemos com muito esperança a mudança de chave agora para essa nova rota e pretendemos trabalhar na construção de dispositivos para potência para atender o mercado de descarbonização, dispositivos para mobilidade na parte de veículos elétricos e também na parte de geração de energias renováveis, tanto eólica, como energia solar. Vemos com bons olhos e com muita esperança de que a gente consiga implementar esse plano e que a gente não tenha turbulências políticas também para atrapalhar o planejamento, porque isso poderia tirar a Ceitec do ar de novo”, finaliza.
Edição: Sul 21