Os desafios são enormes com a crise climática que está abalando o Brasil e o mundo
As frases em frente à mesa coordenadora não deixavam dúvida, e anunciavam: “Agrotóxico mata. Água vale mais que minério. Comida de verdade no campo e na cidade. Agroecologia promove saúde. Água não é mercadoria. Juventude que ousa lutar constrói o poder popular. Sem feminismo não há agroecologia. Agricultura urbana: plantando e colhendo vida na cidade. Se há LGBTfobia, não há agroecologia. A causa indígena é de todoxs nós. Reforma Agrária: pela defesa da terra e dos territórios.”
A 26ª Plenária da CNAPO, Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, começou no dia 3 de dezembro, em Brasília, no ´Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos´. Mazé Morais, da direção da CONTAG e membro da CNAPO pela sociedade civil, fez a pergunta chave, com a resposta chave: “Por que reduzir os agrotóxicos? Porque Matam.”
A PNAPO, Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, com o PLANAPO, Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, e a instituição da CNAPO, Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, e da CIAPO, Câmara Interministerial, deram-se nos anos 2010, no governo Dilma Rousseff, num amplo diálogo e construção coletiva entre governo federal, movimentos populares e sociedade civil. Como muitas Comissões e Conselhos, Políticas e Programas, a CNAPO foi extinta com o impeachment e o golpe.
A Secretaria Geral da Presidência da República fez, em 2013, o Projeto ´Memória da Participação Social – História oral da Secretaria Geral da Presidência da República, 2011-2014´. Como Secretário Executivo da CNAPO, junto com Iracema Moura, fui um dos entrevistados do Projeto, no segundo semestre de 2014. Aqui vão alguns trechos da entrevista de 10 anos atrás.
“O tema da agroecologia e das práticas agroecológicas existe há muito tempo. Vem a partir dos anos 1970, e especialmente anos 1980, ligado às CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, via Teologia da Libertação, quando se liga o Evangelho ou a questão da fé com a vida, com a realidade concreta. As CEBs e a Comissão Pastoral da Terra viram nas práticas agroecológicas uma forma concreta de fazer com que a fé não fosse apenas campo espiritual, mas uma fé que tem a ver com a vida e a realidade. Depois, anos 1980 e 1990, essas práticas agroecológicas passaram para os movimentos sociais do campo. A partir daí começou a surgir a necessidade de ter políticas públicas ligadas aos temas da agroecologia e da produção orgânica. Com o governo Lula começou um conjunto de políticas públicas de agricultura familiar, camponesa, indígena.”
Segue a entrevista de 2010: “No primeiro ano do governo Dilma, em 2011, a Marcha das Margaridas, marcha de agricultoras lideradas pela CONTAG, apresentou à presidenta como uma de suas reivindicações centrais a construção de uma política pública de agroecologia. A presidenta acolheu a ideia e proposta, e determinou que o governo e seus órgãos, especialmente o Ministério do Desenvolvimento Agrário, construíssem uma política nacional de agroecologia, em diálogo com os movimentos sociais. Foi editado um Decreto criando a Política nacional de Agroecologia e Produção Orgânica em agosto de 2012, com a criação de uma Câmara Interministerial, a CIAPO, Comissão Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica, e uma Comissão, a CNAPO, Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, esta integrada por governo e sociedade.”
Segue a entrevista: “Esta política foi criada, em 2011 e 2012, em diálogo permanente com a sociedade. A agroecologia é um tema em crescimento no Brasil e no mundo. E atinge não só quem produz, mas também quem consome, se são produzidos, por exemplo, com agrotóxicos, se são usadas sementes transgênicas, ou se são limpos, saudáveis. A agroecologia coloca em questão o tipo de desenvolvimento, como o homem se relaciona com a natureza. E junto com a agroecologia e produção orgânica há valores de solidariedade, de cuidado com o planeta, de cuidado com a saúde humana. O que eu chamo, em resumo, uma utopia real.”
Ainda a entrevista de 2014: “Neste contexto, a CNAPO aprovou um Programa nacional de Redução de Agrotóxicos, para ser apreciado pelos diferentes órgãos do governo com a sigla PRONARA. É um Programa acordado por governo e sociedade. Tudo isso construído junto com a Política Nacional de Participação Social, com políticas de educação popular, à luz de Paulo Freire, com um Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas, com o programa Cultura Viva, as políticas e programas de Economia Solidária, a PNEPS-SUS, Política Nacional de Educação Popular em Saúde, entre outras muitas ações, propostas e iniciativas.”
Este foi o desafio de dez anos atrás, anos 2010, no diálogo entre governo, sociedade, movimentos sociais e populares. Hoje, 2024, a PNAPO, o PLANAPO, a CNAPO e a CIAPO foram, felizmente, recompostos pelo presidente Lula e Governo Federal.
A 26ª reunião da CNAPO, realizada em Brasília nos dias 3, 4 e 5 de dezembro, retomou estes desafios, ainda maiores na conjuntura atual. Quando, por exemplo, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul acaba de aprovar a Lei 442/23, que declara a Aviação agrícola como de relevante interesse social, público e econômico, o que está sendo fortemente contestado pela CPORG/RS, Comissão de Produção Orgânica RS, e pela AGAPAN, Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural. A CNAPO entregou, a partir do Seminário nacional de Redução dos Agrotóxicos, e no Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos, 3 de dezembro, minuta de Decreto sobre redução de agrotóxicos ao Governo Federal. E a CNAPO está propondo o dia 8 de março de 2025, Dia Internacional da Mulher, como dia de oficialização do PRONARA via Decreto presidencial.
Os desafios, portanto, são enormes, com a crise climática que está abalando o Brasil e o mundo, com as ameaças à vida, com os agrotóxicos ainda sendo usados em grande escala. Mas a recriação da CNAPO e da CIAPO, da PNAPO e do PLANAPO, mais a oficialização do PRONARA, são um sopro de vida e um alento para o futuro, com respeito à natureza e, principalmente, garantia de alimentos adequados e saudáveis. Porque a terra, as águas e as florestas caminham junto com homens e mulheres que têm esperança, animados pela agroecologia e produção orgânica, no cuidado com a Casa Comum.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko