Ambientalistas e moradores da Lomba do Pinheiro, bairro de Porto Alegre que faz limite com Viamão, estão mobilizados contra a derrubada de árvores na Unidade de Conservação (UC) que separa as duas cidades. Diferente do que o poder público informa, não somente espécies exóticas estão sendo cortadas, mas também nativas.
Com mais de mil hectares, sendo 240 destinados ao lazer e o restante à preservação, o Parque Saint’Hilaire foi transformado em UC em 2003. Em 2022, teve sua administração transferida da Capital para Viamão. Fechado desde 2014, está passando por revitalização, com investimentos do município e do estado.
Em setembro de 2024, moradores do lado de Porto Alegre foram surpreendidos com máquinas cortando árvores do local que tanto cuidam e apreciam. Trabalho iniciado sem consulta à comunidade e sem transparência sobre o manejo arbóreo.
Confira a reportagem em vídeo:
Morador da região e membro do Movimento Salve o Parque Saint’Hilaire, Vitor Barreto conta que a retirada das árvores começou de forma sorrateira. "Quando iniciaram as primeiras denúncias, os caminhões estavam saindo de madrugada sem placa, cobertos para não mostrar que estava saindo madeira. Tivemos alguns moradores que perseguiram, gravaram vídeos ali nos seus próprios celulares, e sempre foi aquela sensação de que eles estavam querendo omitir algo."
A partir daí, a população das comunidades se organizou e, conforme Vitor, "foi para cima". Nas primeiras semanas do desmatamento, foi realizada uma manifestação dentro do parque.
"Começamos a criar grupos no WhatsApp, de organização, divulgar materiais, ir para as redes sociais, ir atrás de políticos, vereadores, deputados, gabinetes que pudessem nos ajudar, movimentos ambientalistas. E aí nós fomos comprovando e achando cada vez mais irregularidades em tudo que estava acontecendo", conta.
Ele alerta que, com essa movimentação, receberam ameaças. "Isso tudo nos deixou muito preocupados, também tínhamos a presença de homens armados dentro do parque e ameaçando moradores. Fizemos boletim de ocorrência e tudo isso foi registrado, mas houve inércia e falta de operação dos órgãos públicos que estiveram aqui."
Árvores nativas derrubadas
Foi somente depois da mobilização dos moradores que a prefeitura de Viamão informou que o corte seria apenas de árvores exóticas como pinus e eucaliptos. Mas um olhar mais atento à área desmatada encontra clareiras com diversas espécies nativas derrubadas, além do aterramento de nascentes de água.
Professor de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), integrante do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) e membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Porto Alegre, Paulo Brack visitou o local com a redação do Brasil de Fato RS. Na ocasião, constatou diversas espécies ameaçadas de extinção cortadas, quebradas ou amassadas. Entre elas, "dezenas ou centenas" de butiazeiros.
"Esse aqui é um butiá odorata, é uma espécie ameaçada de extinção pelo decreto estadual 52.109, de 2014. Na legislação federal também está ameaçado. É uma planta que leva muito tempo [para crescer]", afirma, mostrando um exemplar caído que, segundo ele, deveria ter cerca de dez anos de idade.
Apontando para um exemplar de cedro com o tronco quebrado, "uma árvore de madeira de lei que sofreu ferimentos pelas máquinas", ele explica que esta é outra espécie ameaçada de extinção, pela portaria 148, de 2022, no Ministério do Meio Ambiente.
"Essa planta aqui, ela representa o que está acontecendo aqui. Além dos butiás, cedro também ameaçado, outras espécies que não foram [preservadas], não houve cuidado e não foram mantidas nessa retirada de pinos e eucalipto. Ou seja, não tem nenhum tipo de cuidado, uma metodologia que pudesse proteger essas espécies", critica.
O ecologista e também os moradores dizem que não são contra a retirada das espécies exóticas, se feita com cuidado. Mas para Paulo Brack, é um "crime ambiental" o que está acontecendo no parque, que abriga resquícios de Mata Atlântica, e "alguém tem que ser responsabilizado".
O ecologista destaca a riqueza da biodiversidade que é afetada pelo desmatamento. "Aqui na região nós já registramos a presença de gato do mato, que é uma espécie ameaçada, mas existem outras espécies, tatus, às vezes até bugios também podem ocorrer aqui. Mais de uma centena de aves ocorrem aqui nessa área, para a fauna é uma área muito importante. A retirada de pinos e eucalipto pode ser feita, mas com cuidados e não com a devastação que a gente está vendo aqui."
Moradores temem perder acesso
Segundo a prefeitura de Viamão, o parque será cercado com as madeiras retiradas. Também está em estudo a concessão para a iniciativa privada. O que preocupa a comunidade do lado de Porto Alegre, que pode perder o acesso, já que o pórtico de entrada é no lado oposto, na rodovia RS-040, em Viamão.
Em meio a uma parte do parque com pracinha e quadra de futebol frequentada pelos moradores da Lomba do Pinheiro, a liderança da Associação Comunitária da Vila Santa Helena, Maristela Maffei, ressalta o medo de perder o espaço com o cercamento. Segundo ela, o local é o espaço de lazer da comunidade, periferia afastada de outros parques da cidade.
"Aqui é a nossa vida de lazer, onde os nossos filhos cresceram, as trilhas que nós temos aqui dentro, todas essas conquistas. Nós temos pessoas responsáveis aqui, que cuidam disso aqui, os campeonatos… lá atrás tem outro campo, o pessoal faz o seu churrasquinho. Ainda, apesar de ser eucalipto, é a sombra que nós temos aqui", comenta.
Maristela prossegue: "Fechando aqui, nós teríamos que dar a volta. E pagarmos, futuramente vai ser pago ali em Viamão".
Audiência pública e denúncias
Em 21 de novembro foi realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa, através do deputado estadual Adão Pretto (PT), para debater o caso. Entre os encaminhamentos estão denúncias ao Ministério público e ao Tribunal de Contas do Estado, à Patrulha Ambiental e à Polícia Federal.
"Nós queremos imediatamente a sessão disso aqui, a parada disso aqui. Para poder fazer todo o levantamento dos impactos e essas perguntas que nós estamos fazendo", afirma Maristela. "Não têm nada no papel que nos garanta que nós vamos permanecer aqui. Aqui tem uma história de vida. Então, o nosso sentimentalismo se transformou em indignação, em luta. E nós não vamos abrir mão disso", completa.
No mesmo sentido, Vitor aponta que não há nenhuma garantia de que "alguma esfera municipal, estadual, vá fazer alguma sessão e entregar isso aqui, que é uma unidade de conservação, para a iniciativa privada, para fazer um parque temático, para fazer um condomínio, para fazer loteamento, para fazer alguma coisa".
Ao Brasil de Fato RS, a prefeitura de Porto Alegre disse não ter posicionamento e que a questão é de responsabilidade de Viamão. Já a prefeitura de Viamão não respondeu aos questionamentos enviados pela redação.
Edição: Vivian Virissimo