Rio Grande do Sul

Coluna

O enfrentamento ao autoritarismo é o caminho para tomar a ofensiva

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Os partidos de esquerda, suas bancadas parlamentares e o governo Lula têm as condições de liderar esta frente antifascista a partir da mobilização de uma opinião pública favorável à democracia - Foto: Ricardo Stuckert / PR
O governo Lula não deve ficar como espectador desta luta pelo desmantelamento do aparato golpista

A eleição do Lula em 2022 foi a expressão de uma ação de resposta política ao crescimento da extrema direita no Brasil. A partir da crise política aberta em 2013/2014, a Operação Lava Jato, o golpe da deposição do governo Dilma Rousseff, a prisão política de Lula e a eleição do reacionário Jair Bolsonaro em 2018, compõem os episódios mais decisivos – e lastimáveis – desta ascensão da extrema direita brasileira. Porém, não os últimos.

A constituição do governo Lula foi o resultado de um processo de reação convergente, mas não planejada, de uma série de iniciativas e circunstâncias relevantes para obstruir esse crescimento. A reação da esquerda brasileira no enfrentamento às manobras do impeachment e prisão, a mobilização eleitoral da base lulista entre os mais pobres, as dissidências entre frações dos mais ricos que se demonstraram afetados pelos maus resultados econômicos do governo de Bolsonaro e uma aproximação de setores médios que rejeitaram a evolução autoritária deste mesmo governo Bolsonaro, foram as mais decisivas, entre tantas.

Neste período, inclusive durante os dois anos de mandato de Lula, ficou evidente que esta confluência de amplos setores políticos emerge quando houve, ou foram denunciadas e expostas, ações antidemocráticas ofensivas da extrema direita. Foram as iniciativas golpistas da extrema direita que funcionaram com aceleradores de um processo de frente ampla de caráter anti extrema direita.

Contudo esta frente, entre tão distintos setores políticos e de classes e frações de classes sociais, é absolutamente fluída porque é desprovida de um programa de governo que gere estabilidade política. A inexistência de uma maioria parlamentar ou, ao menos, de uma base parlamentar próxima da maioria é a expressão desta frente que antes de ser programática é reativa e flexível. Uma evidência disto é a dificuldade do governo em desenvolver uma política econômica desenvolvimentista e, minimamente, distributivista. Sempre que cogita ou apresenta, há uma forte reação dos setores rentistas que avançam para garantir a manutenção da política monetária pró-mercado financeiro e para barrar qualquer alteração progressiva na estrutura tributária.

Considero que a melhor estratégia para interferir nesta correlação de forças seja dar prioridade política às ações de defesa da democracia e de enfrentamento ao autoritarismo. O governo não deve ficar como espectador desta luta pelo desmantelamento do aparato golpista. Deveria tomar a ofensiva na alteração de determinadas condições que mantém o fluxo de oxigênio ao golpismo e à extrema direita no país.

Entre elas, a alteração da Constituição Federal no sentido de eliminar qualquer dubiedade sobre o papel das Forças Armadas no que diz respeito a vinculá-las a garantia dos poderes constitucionais. Às Forças Armadas não deve ser concedida qualquer ideia de que possam agir como moderadores ou garantidores da democracia e das instituições políticas do país. Não basta um debate sobre a interpretação do texto constitucional restrito à Corte Constitucional, é preciso um debate público que crie maioria na sociedade para retirar esta dimensão que assombra o Brasil desde sua primeira constituição, ainda monarquista, em 1824 e que foi mantido na imensa maioria das constituições republicanas.

Será preciso, com base na explicitação deste princípio constitucional, de uma reestruturação do Alto Comando das Forças Armadas, o que significa dizer de sua linha sucessória, no sentido de que sua composição se dê por oficiais exclusivamente constitucionalistas. A democracia não pode mais conviver com esta utopia autoritária[1] presente na formação e na atuação dos oficiais-generais, os quais lideram as forças. Como também agir, para garantir as condições para que todo o plano golpista e terrorista desbaratado pela Polícia Federal seja conhecido pela sociedade brasileira e devidamente analisado pelo sistema de Justiça brasileiro.

Estas são pautas que unificam o campo democrático brasileiro e que demonstram ter capacidade de construção de maioria na sociedade para que não corramos mais riscos políticos de sermos vítimas de um novo governo da extrema direita, de caráter autoritário, reacionário e rentista radical. Os partidos de esquerda, suas bancadas parlamentares e o governo Lula têm as condições de liderar esta frente antifascista a partir da mobilização de uma opinião pública favorável à democracia.

[1] Sobre a ideia de utopia autoritária, sugiro acompanhar os trabalhos do professor Carlos Fico, da UFRJ.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko