Paulo Freire sempre é assunto em evidência, 27 anos depois de sua morte. Os progressistas o enxergam com olhos claros, a salvação para a boa educação. Os direitistas e extremistas o consideram um perigo para a sociedade, a porta de entrada do comunismo e do marxismo para as crianças e adultos na sala de aula. Envolvido com a pedagogia, os métodos e ensinamentos do revolucionário filósofo, o professor, historiador e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marco Mello lança em duas sessões o livro No bom combate! Aprender e ensinar com o camarada Freire.
O primeiro será na Faculdade de Educação na UFRGS no dia 6, partir das 18h30min, no evento Sarau PoAncestral - Literatura e (Re)existência. A atividade tem caráter formativo e haverá certificação pela Prorext/UFRGS. O segundo será no dia 13 no CTG Estância da Azenha (Aureliano de Figueiredo Pinto, 155) com janta, música e dança.
A obra foi viabilizada através de uma campanha de apoio solidária. Este é o primeiro livro de uma trilogia, intitulada "No bom combate" e deve ter continuidade com dois lançamentos no primeiro semestre de 2025.
Nesta primeira quinzena de dezembro, o professor municipal Marco Mello também estará envolvido em um grande evento educacional, representando o Coletivo de Professoras/es de História da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (CPHIS), como um dos organizadores: o XXV Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, que vai acontecer na UFRGS, entre 12 e 14 de dezembro, com mais de 500 participantes de várias partes do RS e com representações de outras regiões do país.
Educador
Muito já se falou sobre Paulo Freire, um educador e pedagogo pernambucano que ganhou atenção na década de 1950. Ele recebeu o título de patrono da educação brasileira em 2012 e foi o brasileiro mais homenageado da história por títulos de Doutor Honoris Causa (concedida a pessoas eminentes): foram 48 desses títulos de universidades brasileiras e estrangeiras, além de ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 1995 e ganhar o prêmio de Educação para a Paz da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (UNESCO) em 1986.
Professor de língua portuguesa, Freire aplicou, em 1963, um método próprio de alfabetização em Angicos, cidade do interior do Rio Grande do Norte. O projeto foi um sucesso, conseguindo alfabetizar 300 adultos em um tempo muito curto (45 dias), partindo do conhecimento prévio que essas pessoas já possuíam. Por conta dos resultados eficazes, o governo brasileiro de Jango, antes do golpe de 64 — que estava realizando as Reformas de Base — aprovou a multiplicação dessa primeira experiência em um Plano Nacional de Alfabetização.
Quem é
Marco Mello faz parte do CPHIS e do Coletivo PoAncestral. Além de duas décadas de docência em escolas públicas, acumulou larga experiência na área de formação de educadoras/es, na assessoria a processos de reconstrução curricular junto a administrações públicas, em práticas formativas em educação popular e na sistematização de experiências junto a grupos e movimentos sociais populares do campo e da cidade. Integrou a assessoria técnico-pedagógica no período de implantação do projeto Escola Cidadã junto à SMED/Porto Alegre e foi Coordenador Pedagógico do Ensino Fundamental na SEDUC-RS, na Gestão Olívio Dutra (PT). Aqui, nesta entrevista, ele fala de Paulo Freire e da sua importância para a verdadeira educação:
Brasil de Fato: Quais os aspectos da trajetória de Paulo Freire (PF) abordas no teu livro?
Marco Mello - “No bom combate! Aprender e ensinar com o camarada Freire” é uma publicação com treze textos (artigos, cartas pedagógicas, entrevista, produções oriundas de participação em atividades de caráter formativo e textos de opinião publicados), que apresentam Paulo Freire, sua trajetória, os fundamentos filosóficos e políticos de sua obra, atualidade de seu pensamento e polêmicas em torno de seu legado. Há ainda narrativas breves da relação pessoal com o pensamento freireano. Conjunturalmente estão presentes análises sobre a pandemia da Covid-19, o avanço neofascista contemporâneo no ambiente educacional, cotejadas com o ideário freireano e as lutas de resistência e afirmação da democracia no país. É uma produção situada no campo teórico e político de referência da Educação Popular e nos marcos da defesa da educação pública, laica e democrática.
Nesse conjunto de textos que integram o livro, alguns deles foram publicados originalmente no Brasil de Fato RS.
Sim, importantíssima essa menção! A excelente repercussão da leitura deles, quatro entre os treze textos, foi um dos estímulos a que os incluísse na publicação. Faço inclusive na Introdução do livro uma justa homenagem às organizações do campo associativo, sindical e da nossa imprensa – da classe trabalhadora –, como é o Brasil de Fato RS, como fundamentais para que se trave o bom combate na busca da justiça social e curricular.
Quem é Paulo Freire? O que ele que pretendia?
Paulo Freire (1921-1997) é uma das referências indispensáveis para se ler criticamente a realidade e transformar a educação em uma perspectiva crítica e emancipatória e voltada à justiça social. Freire é também um símbolo, para as educadoras e educadores críticos, de luta pela qualidade social do ensino na escola pública e esperança engajada diante dos ataques sistemáticos e tentativas insidiosas do capital de aprofundar e ampliar ainda mais a barbárie privatista e obscurantista, sob a condução do bloco da extrema direita que aglutina conservadores, neoliberais, fundamentalistas religiosos e militaristas.
Quais as tuas experiências com os métodos de PF? Já utilizaste estes métodos nas tuas aulas ou existe ainda quem aplica estes métodos em razão de todas as polêmicas existentes em torno de PF?
Os dois outros livros da trilogia “No bom combate”, que devem sair em 2025, justamente trazem relatos de práticas vivenciadas em escolas públicas com os temas geradores, termo por ele cunhado para expressar uma educação que parte da investigação da realidade dos estudantes e faz uso de metodologia dialógica e problematizadora. Paulo Freire é reconhecido mundialmente pela crítica da educação transmissiva e pela teoria do conhecimento dialógica (capacidade de expressar pensamentos, ideias, opiniões e sentimentos) que construiu e aplicou ao longo de sua vida como educador, pesquisador, assessor e gestor em educação. Há na educação libertadora uma dimensão metodológica na organização do trabalho educativo, por ele sugerida, além de experimentada, que continua atualíssima.
Por que sua filosofia está sendo tão debatida atualmente? Por que a direita combate e odeia tanto a filosofia e a pedagogia freireana?
Freire, especialmente de uma década para cá, foi eleito como bode expiatório pela extrema direita, como forma de atacar a educação pública e educadores progressistas. Por isso vem sendo difamado, seu pensamento distorcido e sua produção, e o que ela representa, tentativas de censura sob o avanço do neofascismo em nosso país.
Para quem não conhece Paulo Freire, onde pode-se encontrar referências, além de seus livros?
Em que pese os movimentos reativos de detratores, o pensamento de Paulo Freire continua vivíssimo, atual e cada vez mais necessário. Um exemplo desse vigor, é a realização, de 12 a 14 de dezembro, na UFRGS, do XXV Fórum de Estudos: leitoras de Paulo Freire.O encontro, que acontece anualmente, de forma itinerante, acolhe experiências desenvolvidas por estudantes, educadores, ativistas e pesquisadores que dialogam com a perspectiva pedagógico e metodológica, teórico e epistemológica de Paulo Freire, patrono da educação brasileira. O Fórum é um movimento coletivo de educadores e educadoras que desenvolvem experiências inspiradas na obra de Paulo Freire, estimulando partilha de ações e novas leituras. Acontece há 25 anos, de forma ininterrupta, em um formato horizontalizado, circulando ano após ano nas universidades e instituições de todo o estado do RS e articulando educadoras/es, estudantes, redes de pesquisadoras/es e ativistas de movimentos populares e sociais que têm na obra de Freire sua inspiração. O tema será “Educação Popular, Resistências e Dignidade Humana”.
Para quem tem interesse em obter um exemplar do livro, onde ele pode ser encontrado?
Ele pode ser adquirido presencialmente em um dos lançamentos, dias 6 e 13 de dezembro, via whatts (99372-9357) ou ainda na Livraria Ladeira (whatts 3286-3151) e na Estante Virtual.
O que Freire poderia pensar hoje sobre celulares e computadores nas salas de aula?
Freire foi um entusiasta e pioneiro na utilização de tecnologias não usuais no processo de alfabetização de adultos. Manifestou em vida abertura para o uso dos computadores nas escolas, por exemplo, mas sem abrir mão da criticidade e do papel dos educadores. Possivelmente recomendaria que educadores não fossem licenciosos sobre a presença de tecnologias que fazem estudantes reféns de interesses do mercado e ideologicamente conservadores.
Informações
Eventos dos dias 6 e 13: https://tinyurl.com/2j5prc7u
www.ufrgs.br/poancestral
Fórum do dia 12 a 14: www.ufrgs.br/xxvforumpaulofreire2024/programa/
Edição: Vivian Virissimo