Rio Grande do Sul

DIREITO À MORADIA

Moradores de ocupações de São Leopoldo dão os primeiros passos para a aquisição da casa própria 

Dois contratos do Minha Casa, Minha Vida - Entidades assinados na última sexta-feira (29) vão atender 346 famílias

Brasil de Fato | São Leopoldo (RS) |
As famílias beneficiadas são moradoras da ocupação Steigleder (Loteamento Steigleder) e Ocupação Mauá (Condomínio Mauá-Sinos), onde aconteceu o ato de solenidade que contou com a presença autoridades municipais e federais - Foto: Mariana de Mattos

Sonho realizado. Essa foi a afirmação mais ouvida na tarde da última sexta-feira (29), quando foi assinado pela Prefeitura de São Leopoldo, Governo Federal, Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e Caixa Econômica Federal dois contratos no valor de mais de R$ 55 milhões referente a construção de 346 unidades habitacionais vinculadas ao Programa Minha Casa, Minha Vida - Entidades (MCMV-Entidades). 

As famílias beneficiadas são moradoras da ocupação Steigleder (Loteamento Steigleder) e Ocupação Mauá (Condomínio Mauá-Sinos), onde aconteceu o ato de solenidade que contou com a presença autoridades municipais e federais. Antes das falas, a cerimônia foi aberta com uma mística onde as famílias com cartazes refletiam o significado do momento, assim como uma maquete. Centenas de famílias compareceram ao ato com apresentações artísticas de HIP HOP e samba.

Ambos os projetos foram selecionados pelo Governo Federal para participarem do programa MCMV-Entidades em abril de 2023, e autorizados para a contratação no início de novembro. A assinatura do contrato garante o início das obras com a finalização do projeto.

Situada no Bairro Santos Dumont, a ocupação Steigleder está localizada junto ao dique que fica à margem esquerda do Rio dos Sinos. O dique foi construído em 1974 como parte do projeto de contenção das cheias. A ocupação tem em média 15 hectares de terras constituídas por área de Preservação Permanente, área do Serviço Municipal de Água e Esgotos (Semae) e área privada de propriedade Steigleder. Em abril de 2022, a Prefeitura de São Leopoldo assinou o decreto de desapropriação por interesse social da área.

As famílias da ocupação estão vinculadas à Cooperativa Nova Geração. No local serão construídas 96 unidades habitacionais, sendo 30 sobrados de 55,80 metros quadrados e 66 casas térreas com 53,48 metros quadrados, em investimento de R$ 13.441.344,14.

Já no caso da Ocupação Mauá, as 250 unidades habitacionais serão construídas em área localizada em frente à Estação Rio dos Sinos da Trensurb. As famílias beneficiadas são vinculadas à Cooperativa de Trabalho Habitação e Consumo, Construindo Cidadania (Cootrahab). Serão 224 apartamentos de 62,46 metros quadrados, em torres de quatro andares, e 26 sobrados de 55,80 metros quadrados. O total de investimento nesta obra é de R$ 41.640.164,02. Ana Rita Fuga, que até então era dona da área da ocupação, esteve presente ao ato.


A cerimônia foi aberta com uma mística onde as famílias com cartazes refletiam o significado do momento, assim como uma maquete / Foto: Mariana de Mattos

“É um dia importante, estamos assinando os contratos da aprovação das obras dos projetos. Essas duas ocupações vivenciaram todos os momentos históricos dos últimos anos, resistiram ao golpe contra a Dilma, ajudaram a libertar o Lula, enfrentaram a pandemia no período do governo Bolsonaro, construíram a campanha Despejo Zero. E hoje vão comemorar a assinatura da primeira fase dos seus contratos e quem sabe logo, logo a gente está conseguindo entregar aí as moradias para essas mais de 300 famílias”, afirmou ao Brasil de Fato RS, o coordenador nacional do MNLM, Cristiano Schumacher.

As duas ocupações ficam próximas ao centro da cidade. “Essa é a disputa que os trabalhadores e as trabalhadoras têm que fazer por reforma urbana, para que tenham acesso ao centro da cidade, aos equipamentos públicos, porque a cidade é um direito de todos”, destacou o dirigente.


O prefeito Ary Vanazzi lembrou que nos anos de 2005 a 2012 na sua gestão, 10.000 moradias populares foram entregues pelo programa Minha Casa, Minha Vida / Foto: Thales Ferreira

“Com força, com garra a casa sai na marra”

“Esse dia representa um sonho, uma conquista. Quando a gente ocupou aqui, foi bem na pandemia. A minha mãe não conseguia trabalhar direito, eu também não. Logo eu descobri um câncer também e foi difícil. Eu não tinha como ajudar minha mãe, ela trabalhava de diarista e na pandemia não tinha mais trabalho para ela”, afirmou emocionada, Vanessa da Silva Maia, 34, atendente de caixa, e moradora da Ocupação Mauá há quatros anos. 

Ao Brasil de Fato RS, contou que antes da ocupação, mãe e filha moravam no bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo, cidade vizinha de São Leopoldo. “A gente sempre morou na beira do valão. Foi quando nós viemos para a ocupação. A casa é uma conquista para mim e para ela (mãe) que nunca teve uma casa própria. 

“Quando chegamos aqui ficamos todo mundo junto, porque era muito mato. A maioria do movimento aqui dentro da ocupação é de mulheres, crianças. Muitas não têm marido, como eu e minha mãe que me criou sozinha. Eu nunca perdi a esperança, tive muita fé de que tudo ia acontecer.”


Vanessa da Silva Mai, 34, atendente de caixa, é moradora da Ocupação Mauá há quatros anos / Foto: Fabiana Reinholz

Militante do MNLM e representante dos beneficiários da Ocupação Mauá, Vanusa Antunes iniciou sua fala abordando sobre a sua trajetória e da ocupação. Mãe solo, conta que sempre morou de favor na casa de familiares ou de aluguel. 

“Lutei muito para criar meus filhos. Sempre tive aquela famosa casinha pau a pique. E aqui na ocupação não foi diferente. Nós viemos inúmeras vezes, veio a polícia para tirar nós daqui com a integração de posse e nós lutamos. E hoje o que nós conseguimos foi com a união de todas essas famílias que estão aqui. Ninguém vai derrubar o movimento, não tem chuva, não tem vento, que pode derrubar o movimento. Viva a luta por moradia. Com luta, com garra, a casa sai na marra”, ressaltou.

Por sua vez, o presidente da Cooperativa Nova Geração e líder municipal do MNLM, Aldair José da Silva, destacou a importância do conhecimento. “O conhecimento nos leva mais longe, nos tira dos barrancos, da beira de estrada, nos tira da beira do valão. Nós, nas cooperativas, lutamos muito para que o nosso povo possa sair da rua, de um esgoto improvisado, de uma luz improvisada e possa ter sua casa digna. Não foi da noite para o dia que esse empreendimento surgiu. Foi com muita lágrima, choro e luta. Muitos não entendiam que nós estávamos lutando por pessoas que não tinham voz na sociedade. Mas hoje nós estamos aqui contemplando com esse evento a voz de vocês chegando até aqui e finalizando através desse empreendimento.”


Cartazes expressavam o sentimento dos militantes / Foto: Mariana de Mattos

Reconhecimento da luta 

A diretora de programa e projetos para as mulheres na Reconstrução do RS, Ana Affonso, e o secretário extraordinário da Presidência da República de apoio à Reconstrução, Maneco Hassen, ressaltaram a mobilização dos movimentos sociais para o direito à moradia.  

“Foi possível ver que o MCMV-Entidades reconhece algo que é muito caro para nós, a organização popular. Se não houvesse este movimento chamado Movimento Nacional de Luta pela Moradia, não estaríamos aqui. É este movimento que faz o elo entre os dois governos. (...) Para encontrar o povo mais pobre e vulnerável desse Brasil, é preciso entrar mais adentro. Hoje nós estamos onde essa invisibilidade reside. E é para essas pessoas também que existe o governo. Se o poder emana do povo, então o povo também precisa ser prioridade daqueles que estão no poder”, ressaltou Ana.

Na mesma linha, Hassen apontou que o programa surgiu de baixo para cima. “Sem o movimento social, sem esta união, sem esta organização, a gente não estaria aqui hoje. E além de não estar aqui hoje, provavelmente nem o Minha Casa Minha Vida”. O secretário também frisou a importância de um banco público para a viabilidade do programa. E de governos comprometidos com as políticas públicas. “A Prefeitura de São Leopoldo foi sem dúvida nenhuma a prefeitura mais qualificada, a que mais fez projeto, a que mais captou recursos e, além disso, ainda ajudou os municípios vizinhos, no momento mais difícil que a gente passou aí nessa enchente.”


“Se não houvesse este movimento chamado Movimento Nacional de Luta pela Moradia, não estaríamos aqui", destacou Ana Affonso / Foto: Fabiana Reinholz

Obras tem previsão para o início de 2025

"Com o apoio de todos, espero que possamos, ainda no início de 2025, iniciar as obras. Serão 346 unidades entre casas e apartamentos. Sem luta a gente não consegue fazer nada, então todos aqui estão de parabéns. Tenho certeza que quando formos inaugurar estas casas, o presidente Lula estará aqui nesta importante obra”, apontou o secretário executivo do Ministério das Cidades, Hailton de Almeida.

Ele também lembrou da retomada do programa Minha Casa Minha Vida, em 2023, até a situação atualmente. “Autorizamos a mudança de fase de mais de 10.000 casas para as entidades, entre elas a do Assentamento 20 de Novembro. A gente abriu seleção Minha Casa Minha Vida - Entidades, selecionamos 37.000 casas para as entidades. É mais da metade do que foi feito até hoje no Brasil com as entidades. Temos que reconstruir mais de 10.000 casas na região Metropolitana. E passamos ontem e hoje de manhã discutindo essa reconstrução. Independente de onde mora, a gente sonha ter a casa da gente. De ser feliz na casa da gente. Eu espero que logo, logo todos vocês tenham a casa de vocês e que vocês sejam muito felizes”, finalizou.

O prefeito Ary Vanazzi lembrou que nos anos de 2005 a 2012, na sua gestão, 10.000 moradias populares foram entregues pelo programa Minha Casa, Minha Vida. De acordo com o prefeito, o Executivo municipal tinha mais de 4.000 contratadas em 2012, mas perderam as eleições. “O governo destruiu o programa, não construiu nada, não regularizou. Entregamos quase 20.000 escrituras nessa cidade, regularizando o terreno das pessoas. O governo Bolsonaro, acabou com a Minha Casa, Minha Vida. Nós ganhamos a prefeitura em 2017, com mais de 12 ocupações, 3.000 famílias ocupando a área de terra, com despejo na porta, e nós não sabia o que fazer. Primeira coisa que nós decidimos aqui foi, ninguém será despejado se não tem aonde morar. E ninguém foi despejado porque não tinha onde morar.”

Conforme pontuou Vanazzi, a demora de ver os projetos foi porque o Minha Casa, Minha Vida ficou mais de dois anos parado. Ele chamou para a necessidade de se acompanhar o andamento dos projetos na próxima gestão. “Hoje nós temos quase 1.200 casas contratadas em São Leopoldo para fazer. Todos esses projetos a prefeitura precisa aprovar. Nós não estaremos aqui na prefeitura em janeiro. Temos R$ 400 milhões para investir, contratados, parte licitado e parte para licitar. Aqui não vai ter retrocesso. Aqui nós vamos lutar para aprovar os projetos, fazer casa, porque não tem uma outra alternativa”, garantiu. 

O prefeito lamentou não ter podido fazer com a ocupação Justo o mesmo feito pelas atuais famílias. A ocupação Justo fica no bairro Duque de Caxias, e tem 2.500 famílias. "Eu tenho certeza, se nós continuasse, nós íamos comprar a área, fazer as casas. Até 2027/2028 aquela ocupação estava resolvida."

Com 20 anos de militância no MNLM, a vereadora recém eleita Karina Camilo ressaltou que a assinatura do acordo representa a realização do sonho das famílias que residem nas ocupações. “Famílias que vivem há muitos anos dentro desses territórios periféricos, sem dignidade humana. Muitas dessas famílias não têm nem banheiro. Nós lutadores da pauta urbana, queremos a transformação da cidade, e a transformação da cidade que queremos só vai acontecer através das pessoas que residem nela. E esta luta precisa ser organizada. Infelizmente os moradores, as pessoas da periferia que não têm escolaridade, que não têm instrução, nem sequer sabem que eles são excluídos da sociedade, porque o direito dessas pessoas foram negados uma vida inteira.”

* Com informações do Correio do Povo e da Superintendência de Comunicação da Prefeitura de São Leopoldo.


Edição: Katia Marko