“Para nós é um momento muito especial, cada passo é uma emoção. Hoje foi colocada a placa da obra. É um momento que a gente aguardou por 18 anos. Está sendo uma loucura, mas é aquele objetivo pelo qual a gente lutou: a construção desse sonho”, afirma, emocionada, a liderança do Assentamento 20 de novembro, Ceniriani Vargas da Silva (Ni), cientista social, ativista e integrante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) ao falar do início da reforma do prédio.
A celebração do início das obras acontecerá neste sábado (30), com atividades culturais. Das 9h às 15h será realizado um mutirão de graffiti, onde artistas e voluntários irão pintar os tapumes da obra. Às 17h, o início em si, seguido por uma festa com o Bloco da Laje, em frente ao prédio, na Rua Barros Cassal, 161.
O prédio cedido pelo patrimônio da união será transformado em moradia popular para famílias de baixa renda através do Programa Minha Casa, Minha Vida Entidades. A Cooperativa 20 de Novembro é a entidade responsável pela realização do projeto habitacional conquistado pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia e pela Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam). Quando as obras terminarem o prédio abrigará, em seus quatro andares, 40 famílias ligadas ao movimento de luta por moradia.
Abandonado há cinco décadas, o prédio projetado para ser o hospital dos ferroviários, está localizado na região do quarto distrito, a poucos minutos do centro de Porto Alegre, um território em disputa, como afirma Ni.
“O projeto é muito simbólico para luta pela reforma urbana do país. É hoje uma referência justamente por ser isso: um imóvel público federal, que tem o cumprimento da função social da moradia, da moradia popular. Na região central da cidade, porque o povo trabalhador também tem o direito de morar no centro, usufruir de toda a infraestrutura, dos equipamentos públicos que estão concentrados nesse território. É uma vitória não só das 40 famílias, da cooperativa, mas é uma vitória para cidade e para o país. Com a volta do governo Lula, com a volta do investimento na política habitacional, a gente está conseguindo finalmente tornar realidade”, afirma a liderança.
Nesta sexta-feira (28), o assentamento recebeu a visita da representante do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal. O Brasil de Fato RS acompanhou a visita.
“Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito”
Segundo dados do Censo Demográfico 2022 divulgados no último dia 14 de novembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Porto Alegre tem 128 mil imóveis particulares vazios.
Em um mapeamento feito por pesquisadoras do grupo de “Cidade-em-Projeto” – CPLab/Ufrgs, revela que a capital gaúcha possuía, em maio deste ano, 154 imóveis disponibilizados pela prefeitura para alienação, e 20 desocupados pela União.
É na função social à propriedade imóvel que se sedimenta o assentamento 20 de novembro, que tem nas paredes do prédio o lema do movimento de luta por moradia: “Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito”
A história do Assentamento tem início no dia 11 de novembro de 2006, quando as famílias ocuparam um prédio da Rua Caldas Júnior nº 11. Neste local permaneceram até março de 2007, quando, por meio de reintegração de posse, foram removidas e realocadas em um terreno próximo ao Estádio Beira-Rio, na Avenida Padre Cacique. A Copa do Mundo de 2014 fez com que elas fossem novamente despejadas.
Foi então que ocuparam o prédio abandonado da Rua Dr. Barros Cassal. Em março de 2016 a escritura do imóvel foi lavrada em nome da Cooperativa 20 de Novembro/Assentamento 20 de Novembro. Desde dezembro de 2018 a obra está licenciada no município e o projeto está pronto e aprovado pela Caixa Econômica Federal, mas estagnou em 2019 durante o governo de Jair Bolsonaro. Em outubro deste ano foi assinado o projeto de reforma do Assentamento 20 de Novembro.
E por que 20 de novembro? Ni explica que é referência à luta. “20 de novembro, que é um símbolo também importante. Esse é um território histórico de resistência do povo negro. Aqui ficavam as costureiras, que eram mulheres negras que produziam ali para o Santa Casa (hospital). Tem muita história, tem o Floresta Aurora, próximo daqui que também tem uma importância histórica. E todo o simbolismo da luta, a ocupação aqui foi realizada em 20/11/2006. E agora estamos no dia 30 de novembro, comemorando o início da nossa obra 18 anos depois”.
Sobre o projeto
“Nosso projeto é de moradia popular sustentável no Centro, com energia solar, cisterna, horta comunitária, ciranda, biblioteca, pracinha, espaço cultural. É uma compreensão de moradia, onde contempla não só a casa, mas também os espaços de geração de renda. Assim como a preocupação da sustentabilidade ambiental. A proposta é que seja um pátio aberto à comunidade para realizar festas, eventos, feiras”, destaca Ni.
A elaboração arquitetônica é da Ah! Arquitetura Humana, que está envolvida com o projeto desde 2017. O projeto parte da estrutura existente. Há paredes, segundo os realizadores que serão demolidas, mas a ideia é que eles sejam de alguma forma reutilizados. “Como falou uma moradora, a Tati, esses tijolinhos contam a história do prédio. Então vamos reutilizar no paisagismo.”
Conforme ressaltam, o desafio foi o de traduzir toda a luta da reforma urbana, o ideário das famílias, do MNLM e da Conam. “Isso aparece em vários lugares, na interface público privado do empreendimento, que é essa relação que o prédio tem com a rua. Um espaço semi-público, que é o espaço para geração de renda dos moradores, e um espaço privado que é exclusivo dos moradores”.
O projeto também contou com um estudo de projetos sustentáveis, com apoio do Sindicato dos Arquitetos do Rio Grande do Sul (Saegs). Os apartamentos, por conta da estrutura do prédio terão plantas variadas. “O prédio tem uma característica formal que não nos permitiu que todos os pavimentos fossem iguais. É um prédio, embora não seja tombado, tem uma importância para paisagem. Então conservamos o ritmo da fachada.”
Empreendimento pensado pelas próprias comunidades
“Minha Casa, Minha Vida Entidades é uma modalidade muito especial dentro do programa, porque traz exatamente o fato de que as moradias serão feitas e pensadas, desde o início, pelas próprias famílias E tem uma particularidade importante também é que ela vem viabilizando moradias em áreas centrais”, destaca a diretora de produção social da moradia, departamento da Secretaria Nacional de Habitação, Alessandra D'Avila Vieira.
O departamento tem uma parceria com a Secretaria de Patrimônio da União, para cessão de imóveis. O processo, de acordo com a diretora, através do Programa Imóvel da gente, lançado pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), que tem parceria com o Minha Casa, Minha Vida, para a cessão desses imóveis para habitação de interesse social. Como por exemplo, os retrofits (processo de modernização de prédios existentes) no centro, como o caso assentamento.
“Isso é muito importante porque sabemos que nesses apartamentos bem localizados, vai ter essa sensação de pertencimento pelas famílias. E elas vão continuar morando aqui. É uma preocupação que temos, de repassar os imóveis e eles acabem sendo a famosa gentrificação. E sabemos que no Minha Casa, Minha Vida Entidades, as famílias ficam com esses imóveis porque elas lutaram por eles. E elas têm uma história com esse prédio”.
Conforme ressalta a diretora, a habitação é central para a qualidade de vida das famílias e das cidades. “Há todo um esforço em relação a viabilização do Minha Casa, Minha Vida, por todos os seus atores, desde o governo federal com o financiamento. Mas também dos entes públicos locais, dos movimentos de moradia, das assistências técnicas, enfim de todos os envolvidos para que essas obras saiam mais rápido possível e e com a melhor qualidade possível.”
Edição: Vivian Virissimo