Porto Alegre foi escolhida com uma das três capitais para a implementação do teste do aplicativo Monitora TB, novo projeto do TBCOM - Articulando Ações de Comunicação e Saúde. O aplicativo será lançado nesta quarta-feira (27), durante o Seminário Racismo e outras interseccionalidades implicadas na Tuberculose: quais tecnologias de cuidado nos demandam?, realizado no auditório da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a partir das 16h.
A capital gaúcha possui um incidente de contágio da tuberculose (TB) acima da média nacional. No Brasil, a proporção foi 37 casos para cada 100 mil habitantes em 2023, enquanto em Porto Alegre foi de 83 casos para cada 100 mil habitantes no mesmo período, de acordo com o Boletim Municipal Epidemiológico Temático da Tuberculose, publicado em maio de 2024.
A TB é considerada uma doença negligenciada, pois atinge desproporcionalmente populações vulneráveis, com destaque para a população negra, pessoas em situação de rua, privadas de liberdade e vivendo com HIV/Aids. “Porto Alegre é o município que mais contribui com os casos no Rio Grande do Sul e precisa, obviamente, ser o centro das atenções”, destaca Neusa Heinzelmann, presidente do Comitê Estadual de Enfrentamento à Tuberculose.
Monitora TB
O Monitora TB foi desenvolvido como parte de uma estratégia de comunicação, mobilização social e enfrentamento intersetorial da tuberculose. A proposta do aplicativo é reduzir barreiras de acesso entre a população e as informações sobre a doença, como sintomas, serviços de saúde e tratamento.
"O aplicativo é uma estratégia de comunicação a ser explorada em suas várias possibilidades, tanto de acesso à informação quanto de conexão entre pessoas, buscando o rompimento de barreiras de acesso aos cuidados de saúde", afirma Neuza.
Em relação às inovações que o Monitora TB pode trazer para as estratégias já existentes, ele possibilita a interação com pessoas e redes, fóruns de discussão sobre direitos humanos, redes comunitárias e entre pares. “Trabalhamos normalmente com o que chamamos de "CAMS" – Comunicação, Advocacia e Mobilização Social. Comunicação é uma delas. O aplicativo entra para dar conta disso”, destaca Neusa.
A conexão entre sistemas de informação e a integração dos dados é uma barreira significativa que o Monitora TB busca superar. A falta de comunicação entre os diversos setores de saúde pode resultar em falhas no acompanhamento dos pacientes e na transmissão de informações cruciais para o controle da doença. Com a implementação da ferramenta, espera-se que essa lacuna seja reduzida, oferecendo uma solução digital que favoreça o compartilhamento de informações de forma ágil e eficiente.
Porto Alegre: capital da Tuberculose
Porto Alegre segue no topo do ranking nacional de casos de tuberculose, mas o coeficiente de incidência da doença apresentou uma leve queda: passou de 87 casos por 100 mil habitantes em 2021 para 82 casos por 100 mil em 2022. Apesar dessa redução, a situação ainda preocupa, especialmente quando se trata da população negra, que concentra uma proporção expressiva de casos.
Nesse cenário, a Atenção Primária à Saúde (APS) desempenha papel fundamental na detecção precoce da tuberculose. Como principal porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS), a APS deveria ser um pilar na identificação de novos casos, especialmente em comunidades vulneráveis. No entanto, das 2.616 notificações da doença em 2022, apenas 233 ocorreram no âmbito da APS, indicando uma lacuna na estratégia de enfrentamento.
“Há um discurso da prefeitura [de Porto Alegre] de que a tuberculose é prioridade, mas isso não se reflete no dia a dia. Os técnicos da área fazem o que podem, mas a ação do município tem sido insuficiente para lidar com a realidade”, ressalta Neusa.
Os impactos na população negra são ainda mais preocupantes. Dados do Plano Municipal de Saúde e dos relatórios de gestão da Secretaria Municipal de Saúde, analisados pela Comissão de Saúde da População Negra (CSPN) de Porto Alegre, apontam altas disparidades.
“Em 2022, 40,6% dos casos de tuberculose eram de pessoas negras. Sempre ressaltamos que essa população permanece em desvantagem, pois, na época, representava apenas 20% da população de Porto Alegre. Imagine: 20% da população concentra 40,6% dos casos, isso é algo que atribuímos ao racismo”, explica Maria Letícia de Oliveira Garcia, coordenadora da CSPN e conselheira de Saúde.
A desigualdade racial na saúde expõe a necessidade de políticas públicas mais eficazes e de um fortalecimento das ações da APS, que são cruciais para reduzir os índices de tuberculose e enfrentar o racismo estrutural que prejudica o acesso da população negra à saúde.
Racismo estrutural no acesso à saúde
A tuberculose é reconhecida como uma doença de forte determinação social, pois está associada a pobreza, falta de moradia adequada, desnutrição e acesso insuficiente aos serviços de saúde.
Maria Letícia, destaca que “precisamos tornar visível essa realidade. A tuberculose atinge mais fortemente as pessoas negras, e é impossível discutir a doença sem abordar o racismo estrutural que dificulta o acesso à saúde e a superação dessa desigualdade”.
O seminário, juntamente com o lançamento do aplicativo, vem como uma tentativa conjunta da Escola de Enfermagem e o Conselho Municipal de Saúde durante o Novembro Negro, para promover a discussão e a execução de estratégias eficazes no enfrentamento à tuberculose, levando em consideração suas implicações étnicas, raciais e sociais.
“O nosso objetivo é dar visibilidade a esses dados e buscar viabilizar a criação e a elaboração de políticas públicas, para que essa situação seja minimamente mitigada. Mas para implementar políticas públicas, é necessário ter um orçamento adequado e planejado, algo que muitas vezes não é alcançado”, diz Maria Letícia.
O lançamento do Monitora TB e as discussões promovidas pelo seminário destacam a urgência de ações intersetoriais no enfrentamento à tuberculose, especialmente em contextos marcados por desigualdades sociais e raciais. “A combinação de tecnologia e mobilização social representa um avanço significativo, mas o desafio de traduzir essas iniciativas em políticas públicas eficazes e sustentáveis permanece. Apenas com investimentos adequados, compromisso político e a inclusão das populações mais afetadas no centro das estratégias será possível enfrentar a doença de forma justa e eficiente.”
Edição: Katia Marko