“Nós fazemos parte de uma sociedade cujo desenho há 36 anos se fez em torno do Estado de direito democrático, como um momento de suplantar a ditadura militar que instalou entre nós, uma noite de 21 anos. E também como uma forma de olhar para o futuro. Esse futuro no Brasil ainda não chegou. É preciso que ele seja construído.”
A afirmação foi feita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin, durante a celebração dos 10 anos do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH/RS), realizada na última sexta-feira (22). O evento aconteceu no auditório Ruy Cirne Lima, na Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4).
Com auditório lotado, a cerimônia contou com a participação de diversos movimentos sociais e entidades ligadas a defesa dos direitos humanos, parlamentares e representantes de órgãos públicos. Na abertura do evento foi feita a assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre TRT e o colegiado. O acordo tem como objetivo fortalecer ações conjuntas em defesa do trabalho decente e dos direitos sociais no trabalho, promovendo a ampliação da proteção social e o fortalecimento do diálogo social.
O procurador do estado do Rio Grande do Sul aposentado e advogado dos movimentos populares Jacques Távora Alfonsin e a escritora e professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva foram homenageados durante o evento. Além da intervenção artística do Grupo Sons do Morro, da EMEF Judith Macedo de Araújo, do Morro da Cruz, sob a regência da professora Michelle Cavalcanti. A Orquestra Sons do Morro é composta por jovens de 8 a 19 anos do Morro da Cruz, periferia de Porto Alegre, e surgiu como parte do projeto de educação musical desenvolvido desde 2015.
De acordo com Fachin, um dos grandes desafios do século 21 é o das instituições brasileiras descerem de seus castelos e se converterem numa rede concreta de proteção de direitos humanos. “Moldadas dentro de um país por uma noção de soberania cidadã que internamente permite a autodeterminação dos seres humanos de cada um, de cada comunidade ser como a sua identidade lhe define.”
Nesse sentido, afirma o ministro, os conselhos, e de modo especial, o Conselho de Direitos Humanos do estado do Rio Grande do Sul, é um organismo extremamente importante pela capilaridade que ele tem com a sociedade, com pessoas e representações das diversas comunidades, especialmente de grupos vulneráveis. “Os conselhos representam uma instância de escuta e de diálogo extremamente importante para a construção de uma nacionalidade inclusiva, plural e igualitária.”
Onde tudo começou
Instituído pela Lei Estadual nº 14.481/2014, o CEDH-RS é o órgão máximo do Sistema Estadual de Direitos Humanos, responsável por promover e proteger os direitos fundamentais da população gaúcha. Integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), ex-vice-presidente e uma das fundadoras do colegiado, Beatriz Rosane Lang pontua que o Rio Grande do Sul, até o momento, é o único estado que tem um sistema, a lei 14481, que cria o sistema estadual de direitos humanos e dentro do sistema o conselho que dá sustentação a todo o sistema.
O diferencial do Conselho, pontua Beatriz, está em sua composição que é baseada nos princípios de Paris (princípios relacionados com o status de instituições nacionais de direitos humanos). O colegiado tem 12 entidades da sociedade civil e seis representantes de órgãos públicos. “Ou seja, a valorização é para a participação da sociedade civil”, destaca.
A luta e a mobilização para a existência do Conselho começou na década de 1990, quando foi sancionada a Lei 9.182, que criou o Conselho Estadual de Defesa da Cidadania e da Pessoa Humana (Concidadania), na gestão do então governador Sinval Guazzelli. Em 1998, na primeira Conferência Estadual de Direitos Humanos, o MNDH levantou a proposta da existência de um conselho de direitos humanos.
“O então governador Olívio Dutra aceitou esse desafio e até fez alguns encaminhamentos, contudo não foi possível ser levado adiante. Então de 1998 até 2014, quando ele foi criado, nós temos todo um intenso caminho de luta, organização, articulação entre as entidades da sociedade civil e órgãos públicos”, expõe Beatriz.
Tempos atuais
“Quando saímos da pandemia, uma nova crise se abate no estado do Rio Grande do Sul, passamos por uma das maiores catástrofe climáticas do Brasil, as enchentes que atingiram mais de 90% da nossa população, comunidades quilombolas, indígenas, população de rua, povos de terreiros, produtores familiares, trabalhadoras e trabalhadores do campo e da cidade, todos nós fomos atingidos. Também não esquecemos do incêndio da Pousada Garoa, outra violação que o Poder Público mantém até hoje”, recorda o presidente do Conselho, Júlio Picon Alt.
Nesses episódios o Colegiado teve uma forte atuação, com visitas, recomendações e atuação junto a outras entidades. “Ao longo desses anos, o conselho tem fortalecido a participação social, tem ouvido a população gaúcha, suas demandas e firmando coletivamente a importância dos mais diversos temas de direitos humanos”, ressalta a defensora pública estadual, dirigente do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDDH) e secretária-geral do CEDH-RS, Gizane Mendina Rodrigues.
Conforme ressalta Alt, o desafio de superar o déficit democrático com a participação social é uma entre tantas tarefas de um conselho de direitos. “Através desse conselho ouvimos a população gaúcha, suas demandas, acordamos coletivamente a importância de nos formarmos nos mais diversos temas, afinal, é grande o leque de Direitos Humanos a serem assegurados no estado e país”, destaca o presidente.
“Esse conselho tem uma importância extrema para o enfrentamento, para a promoção dos direitos humanos, como para denúncia das violações dos mesmos. Acompanhamos os casos junto aos indígenas, quilombolas, aos atingidos por barragens, aos sem terra, aos moradores da rua, enfim, em todas as situações que o conselho se faz necessário. Nesses 10 anos muitas coisas foram feitas e precisam ser celebradas, homenageadas, inclusive por toda a valentia, por toda a bravura das entidades e da sociedade civil”, afirma a vice-presidenta do conselho, Alexania Rossato, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
De mãos dadas
“Muitos de nós, preocupados com a realidade que vivenciamos, carregamos dentro do coração uma boa dose de esperança para entender que temos, que podemos fazer melhor, errar menos. E andar no compasso de quem contribui para que o estado de direitos humanos e fundamentais seja o que vai triunfar no século 21”, destaca Fachin.
Diante dos ataques recentes à democracia, o ministro ressaltou ao Brasil de Fato RS que a democracia brasileira e o Estado de direito democrático são dois pressupostos para uma sociedade que seja livre e aberta.
“Portanto, a defesa da Constituição, que incumbe ao Supremo Tribunal Federal, compreende necessariamente a defesa da democracia. E a defesa da democracia significa a manutenção da legalidade constitucional. E não se encontra dentro da legalidade constitucional quem atenta contra a democracia. E que ao atentar contra a democracia, comete uma violação da Constituição e, portanto, para esses cabe evidentemente a devida investigação, a apuração.”
Edição: Katia Marko