Rio Grande do Sul

Coluna

Tempos loucos

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O general Braga Netto e o ex-presidente Jair Bolsonaro foram indiciados por por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Mais um golpe, ou tentativa de, num país onde, historicamente, a democracia está em perigo

O artigo-coluna estava em gestação e sendo escrito, título 'Tempos Loucos' carimbado, quando estouraram os últimos acontecimentos no Brasil. Mais um golpe, ou tentativa de, num país onde, historicamente, a democracia está em perigo, onde os golpes militares se sucedem, com ditaduras, acontecem os impeachments, etc., etc.

'Ainda estou aqui', belíssimo filme de Walter Salles (não contive a emoção, e chorei no final), fala de um tempo de uma ditadura feroz, que só os mais antigos viveram, sofrendo diretamente as consequências.

Nada foi fácil nos anos 1960 e anos 1970. Comecei a militância política há mais de 50 anos, especialmente a partir de 1971, quando comecei a morar em Porto Alegre, na Vila Franciscana, bairro Partenon, e passei a atuar no DATA, Diretório Acadêmico Tristão de Ataíde, da Faculdade de Filosofia, no Seminário Maior de Viamão.

Morei na Lomba do Pinheiro, entre Viamão e Porto Alegre, na segunda metade dos anos 1970 e primeira metade dos 1980. Circulava a pé por todas as ruas e vilas a pé (não tinha carro), organizando as lutas e o povo, as CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, as Associações de Bairro, a União de Vilas da Lomba do Pinheiro, distribuía o jornal O Lomba pelos mercados e igrejas, e começando o Partido dos Trabalhadores (PT) através do Núcleo da Lomba do Pinheiro, que, no início, reunia-se na minha casa, na vila Santa Helena, parada 12.

Tudo acontecia sem maiores problemas, sem medo, coisa que não se pode fazer em 2024, porque o crime organizado está presente em diferentes espaços. Hoje, não tenho coragem, ou me dizem para não andar sozinho por lá. Até uma caminhada pelo Centro de Porto Alegre, à noite, precisa ser feita com todo cuidado e atenção, de preferência sem celular na mão. Alguns dos mais antigos, já passados dos setentinha, até acreditam que, em alguns aspectos, nem os tempos ferozes de ditadura militar foram piores que os tempos atuais.

Havia, sim, as mortes, a perseguição, a tortura, a prisão e o exílio para muitos. Fui demitido do Colégio Glória na metade do segundo semestre de 1977, porque distribuía o jornal e publicações do CETA, Centro de Treinamento para a Ação, da Pastoral da Juventude, e falava da Teologia da Libertação. A Polícia Federal avisou as religiosas que, se não me demitissem, eu seria preso dentro do colégio. Alguns anos depois, depois de uma jornada que atravessou o país, a imprensa e a sociedade, e chegou ao Vaticano, também fui demitido do Colégio Anchieta, no início de 1981, sempre como professor de orientação religiosa.

Mas o trabalho na Lomba do Pinheiro, as CEBs, a Pastoral Operária, as greves e a mobilização social aconteciam a todo vapor, organizando as Diretas Já, as Oposições Sindicais e preparando a Constituinte, tudo com grande mobilização, com fundação da ONG CAMP, Centro de Assessoria Multiprofissional, da CUT, do MST, e assim por diante.

Claro que a ditadura militar foi muito pior que os tempos atuais, não tenho qualquer dúvida. Não havia democracia, não havia liberdade, a perseguição era direta e de muitas formas. Sem qualquer saudade, portanto, da ditadura.

Mas os tempos de hoje, sob muitos aspectos, são tempos loucos. A democracia também está ameaçada, as perseguições acontecem de muitos modos, a paz está em jogo no mundo, as mudanças climáticas afetam, de muitos jeitos, a humanidade e o Planeta Terra.

Felizmente aconteceu há dias o G20, com a aprovação da Aliança contra a Fome e a Pobreza, com a proposta de taxação dos super-ricos, com debates e propostas sobre a crise climática, tudo preparando a COP 30 em novembro de 2025, em Belém, no Brasil.

Tempos loucos, sim, hoje, mas não tão loucos quanto outros, quando se olha para trás e se (re)lê a história brasileira, com ditaduras militares e tudo mais.

Muito o que fazer e muito o que pensar nos próximos anos e décadas, com o engajamento urgente e necessário das juventudes. Todo cuidado é pouco, com certeza. Fundamental preservar, em primeiro lugar, a paz e a democracia. Decisiva, no contexto e na conjuntura, garantir a mais ampla unidade do campo democrático-popular, com muito trabalho de base, mobilização social e Formação na Ação.

Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo