Outro elemento fundamental para a compreensão da realidade política da RMPA é o número de abstenções
Tarson Nuñez* e Paulo Roberto R. Soares**
Um primeiro olhar sobre os resultados eleitorais de outubro nos 34 municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) aponta que as forças da direita e do centro foram vencedoras. O PP elegeu prefeitos em 10 das 34 cidades da região, seguido pelo PSDB com 6. O MDB e o PL elegeram 5 cada um e o Republicanos elegeu 3 e o PRD um. A esquerda, portanto, elegeu apenas quatro prefeitos em toda a região. Um olhar mais superficial apontaria para uma vitória dos setores conservadores em uma região com tradição de esquerda. No entanto, para compreender a complexidade da dinâmica política da região é preciso olhar com mais profundidade os dados, analisando outras variáveis, como o número de vereadores eleitos e os votos obtidos por cada partido. Além disso é importante atentar também para a evolução dos resultados em relação às eleições anteriores.
O quadro 1 já nos aponta alguns caminhos de análise.
Como se pode ver quando se incorpora a variável tempo um quadro distinto pode ser percebido. O PP foi quem mais elegeu prefeitos, mas teve uma perda de mais de 20% entre uma eleição e outra. Os partidos da coalizão do governo do estado (MDB, PSDB), tiveram um pequeno crescimento. Já os partidos da extrema direita (PL e Republicanos) foram os que tiveram o maior crescimento em termos de prefeitos eleitos. A esquerda teve um recuo significativo, caindo de 9 para 4 eleitos.
Este cenário também pode ser analisado através do quadro 2 com o número de eleitos nas eleições proporcionais:
Os partidos do campo da centro-esquerda e esquerda elegeram um total de 95 vereadores/as, 22% dos 431 mandatos em jogo. Estes são maioria em apenas quatro municípios (Nova Santa Rita, São Leopoldo, Portão e Arroio dos Ratos), sendo que em oito municípios nenhum vereador deste campo foi eleito, entre eles Sapucaia do Sul. PSOL e PC do B elegeram vereadores/as apenas em Porto Alegre e o PV somente em Canoas.
A partir destes dados se poderia concluir que a RMPA é um território politicamente hegemonizado pela direita. Mas uma outra aproximação da realidade pode ser obtida quando se analisa a votação dos partidos, o que nos aponta para um quadro distinto. A partir deste ponto de vista, o quadro político da região pode ser visto como uma situação de maior equilíbrio entre a esquerda e a direita.
O quadro 3 mostra a real complexidade da realidade política da RMPA:
O PP, que elegeu o maior número de prefeituras, é apenas o quarto em termos de votos e perdeu 3% dos votos em relação à eleição anterior. O mesmo acontece com o PSDB, que ampliou o número de prefeituras mas perdeu 27% dos votos em relação à eleição anterior. Já os partidos da esquerda, que perderam prefeituras, tiveram um aumento de sua votação. O PT cresceu 10% em termos de votos e o PDT 67%. No cômputo geral, o PT é ainda a segunda força política na região. Já os partidos do chamado “Centrão” (PSD, União Brasil, PRD) sofreram grandes perdas em termos eleitorais. Enquanto isso o MDB se revela a maior força política na RMPA, crescendo em termos de prefeituras e de votos. E os grandes vitoriosos em termos de crescimento, tanto de prefeitos eleitos quanto em número de votos foram os partidos da extrema direita (PL e Novo).
Outro elemento fundamental para a compreensão da realidade política da RMPA é o número de abstenções. O contingente de eleitores que não participou do processo é um dos fenômenos políticos mais importantes deste processo de 2024. Na eleição de 2020 a região teve uma abstenção média de 22,6%, com destaque para a alta abstenção nos municípios maiores como Porto Alegre (33%), São Leopoldo (31,2%), Gravataí (29,6%) e Novo Hamburgo (28,9%). Já na eleição de 2024 as taxas de abstenção nestes municípios tiveram pequena redução: Porto Alegre (31,5%), São Leopoldo (30,03%), Gravataí (28,49%) e Novo Hamburgo (28,29%), somando-se ainda neste grupo Canoas com 31,83% e Sapucaia do Sul com 30,51% de abstenção. No geral as abstenções são maiores ou próximas à 30% em Porto Alegre e no seu entorno e menores nos pequenos municípios, onde ficou em média abaixo de 20%.
Assim, a diversidade e heterogeneidade social e territorial da RMPA deve ser levada em conta na análise. Existem grandes diferenças entre municípios de maior população e municípios pequenos; entre as cidades próximas à Porto Alegre e às mais distantes, já mais vinculadas à uma dinâmica “de interior”. Cabe ainda verificar a influência das mudanças demográficas e do mundo do trabalho (desindustrialização, terciarização, precarização) no comportamento eleitoral dos municípios da região, o que escapa aos propósitos desta nota.
Em termos gerais, os resultados das eleições na RMPA apontam para uma realidade complexa, que dizem respeito tanto às especificidades da região no contexto nacional como a uma leitura acerca da correlação de forças políticas regionais. Em primeiro lugar há uma constatação acerca da distinção de nossos resultados em relação ao contexto nacional. No Brasil como um todo, as forças do chamado Centrão, em especial o PSD, foram quem elegeu o maior número de prefeitos e fizeram as maiores votações. Este quadro é totalmente distinto na RMPA, uma vez que estes partidos pragmáticos e moderados tiveram resultados muito ruins.
Outra particularidade regional é de que algumas forças políticas que tiveram resultados muito ruins em nível nacional aparecem de forma muito distinta na RMPA. O PDT, que em nível nacional teve grandes perdas, se mantém como a maior força de esquerda em termos de número de prefeituras e em terceiro lugar em termos de votos. Da mesma forma o PSDB, que em nível nacional foi um dos partidos que mais perdeu em votos e prefeitos eleitos, aqui no RS mantém relevância. Ainda que tenha perdido votos em relação à eleição de 2020, ainda é o segundo partido em número de prefeituras na região. Já o MDB repetiu na RMPA o desempenho nacional, com um crescimento moderado que o manteve como a força política predominante na região.
O resultado mais notável, no entanto, foi o dos partidos da extrema direita. Este bloco foi o que mais cresceu, tendo uma votação que foi mais de 250% acima do resultado de 2020. Destaca-se neste contexto o crescimento do PL, que foi de zero para 5 prefeituras, e do Novo, que aumentou em mais de 400% sua votação. Ainda assim, com todo este crescimento a extrema direita tem uma votação ainda minoritária. O bloco da direita radical fez 350.969 votos na RMPA, enquanto o bloco MDB/PSDB fez 719.827 e a esquerda 692.371.
Já a esquerda, que na conta de prefeituras eleitas teve um recuo significativo, segue sendo uma força política muito relevante. Ainda que tenha vencido em apenas quatro municípios, teve uma votação relevante em grande parte deles, mostrando certa capilaridade e representatividade. A esquerda perdeu prefeituras, mas tem o segundo maior contingente de eleitores e teve um crescimento de 20% em sua votação entre 2020 e 2024.
O quadro político na RMPA, portanto, é o de um complexo equilíbrio de forças entre os eleitores, mas onde também um contingente muito expressivo, e crescente, de cidadãos vem se afastando do processo eleitoral, se abstendo ou votando nulo e em branco. Ao campo popular cabe compreender as razões desta situação e reconquistar a população para suas pautas e seu programa.
* Tarson Nuñez. Cientista Político, ativista, pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre.
** Paulo Roberto R. Soares. Professor do Departamento de Geografia da UFRGS e pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre.
*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo