Rio Grande do Sul

Resistência

No Dia de Zumbi e da Consciência Negra, Porto Alegre ganha estátua do herói quilombola

Estátua foi possível por meio de emenda parlamentar do mandato da vereadora Karen Santos (Psol)

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
“Esse projeto reforça o compromisso com a valorização da história e da cultura afro-brasileira", afirma Karen Santos - Foto: Jorge Leão

Após mais de 50 anos o Dia da Consciência Negra foi oficializado como feriado nacional. Na cidade em que originou a data, neste 20 de novembro, no Largo Zumbi dos Palmares, foi inaugurada uma estátua de bronze em homenagem ao líder quilombola. A estátua de Zumbi, símbolo da resistência e da luta do povo negro, foi feita pelo artista uruguaio, radicado em Porto Alegre há quatro décadas, Mario Cladera. A celebração contou com a presença de movimentos sociais ligados ao movimento negro, parlamentares, lideranças religiosas da matriz africana e público em geral.

“Palmares não é Palmares,/Palmares é Angola Janga./Nem é só Zumbi ou Ganga/Zumba, senhores. Palmares/não é só um, são milhares". A estrofe foi escrita em 1987, pelo poeta, professor e militante do movimento negro, Oliveira Silveira

Oliveira Silveira compôs o Grupo Palmares, fundado em Porto Alegre, juntamente com Antônio Carlos Côrtes, Vilmar Nunes, Ilmo da Silva, Jorge Antônio dos Santos e Luiz Paulo Assis Santos, que deram o ponta pé inicial, em 1971, para a criação da data. Um contraponto a celebração do 13 de maio, data da abolição da escravatura, e colocando o 20 de novembro em homenagem a Zumbi dos Palmares. 

A estátua é fruto de uma iniciativa política viabilizada por meio de emenda parlamentar do mandato da vereadora Karen Santos (Psol), em parceria com o movimento social negro de Porto Alegre. 

“Esse projeto reforça o compromisso com a valorização da história e da cultura afro-brasileira. Zumbi dos Palmares, ao lado de Dandara, liderou o Quilombo dos Palmares, que por mais de um século resistiu bravamente aos ataques coloniais, tornando-se referência histórica para as lutas por liberdade”, destaca Karen.

Para escultor uruguaio Mário Cladera, a importância da imagem é o fortalecimento da conquista de espaços do povo negro na cidade de Porto Alegre. "Todos os espaços que a população negra tem conquistado tem sido na base da luta, da participação, da organização. E cada vez fica mais evidente a segregação que existe em toda sociedade não só na sociedade brasileira, como no próprio município. Então conseguir botar na rua uma escultura de um herói nacional, negro, quilombola marca a conquista de um espaço e de uma posição dos afrodescendentes da cidade." Ainda de acordo com o escultor, ela reflete a conquista de uma luta que já vem sendo travada há muito tempo. 


Mario Cladera / Foto: Jorge Leão

Vestida com uma camiseta amarela, que trazia Dandara dos Palmares (guerreira e companheira de Zumbi), Karen contou ao Brasil de Fato RS o processo da iniciativa. “Nós desarquivamos uma lei que estava tramitando desde 2015, que tratava da instalação de um busto. Fizemos uma alteração, destinamos emendas parlamentares para organizar essa homenagem aqui no Largo Zumbi. Um território que o nosso mandato junto com o coletivo alicerce vem disputando frente a iniciativa da especulação imobiliária”. 

De acordo com ela, o seu mandato vem produzindo uma série de materiais audiovisuais para mostrar que a Cidade Baixa é um território negro. “Aqui há presença dos terreiros, a presença dos quilombos (Mucambo, Areal, Fidelix), tudo dentro desse território”. Ainda, segundo a parlamentar, somado a isso, há uma luta que está combinada com a instalação do museu do negro, na sede da Epatur. Em sua avaliação é o espaço ideal porque está ligado a construção da semana da consciência negra, para que se consiga um espaço permanente de elaboração, de reflexão dessa memória em relação do impacto do racismo na comunidade sulista. “Existe negros no RS, Porto Alegre é a capital mais segregada racialmente do Brasil e isso é fruto de uma política do racismo estrutural, mas também de um racismo institucional.”


Karen Santos (Psol) / Foto: Jorge Leão

Ela comenta que na época, sobre a instalação da estátua a narrativa é de que não haveria recurso. “Sobre a discussão em relação a instalação do museu, há uma lei que já tem 10 anos de aprovação no município, mas os governos dizem que não existe espaço para abarcar a instalação deste patrimônio da comunidade negra. Há um tensionamento a instalação da estátua dentro deste contexto de sucessivas negativas de reconhecimento do pertencimento da contribuição da comunidade negra para o desenvolvimento do nosso estado e da nossa cidade.”

Presente ao ato, a deputada federal Reginete Bispo (PT), relatora dos projetos de lei (PL 3268/21), do Senado, e PL 296/2015, do deputado Valmir Assunção (PT-BA), que deram origem à lei que garante o feriado nacional, comemorou a instalação da estátua. “Foi emocionante estar aqui com a presença das nossas Yabás (orixás femininos), do povo de tradição de matriz africana, justo neste dia que nós celebramos o primeiro feriado nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Feriado que me honrou muito em ter sido a relatora. O largo vai tomando forma agora com a presença do monumento em honra ao Zumbi dos Palmares. E a gente tem uma expectativa que esse largo seja vitalizado e seja realmente um território de uso frequente, que represente todas as nossas tradições de matriz africana. Viva Zumbi, viva Dandara, viva Palmares e viva a democracia.”


Reginete Bispo (PT) / Foto: Jorge Leão

Para a deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB), Porto Alegre avança neste dia ao se reafirmar como um território antirracista. “Foi daqui que nasceu a luta que por gerações pautou o 20 de novembro como o feriado da consciência negra, e hoje celebrarmos não apenas esse feriado, mas a afirmação de Zumbi dos Palmares como um herói nacional é fundamental. Hoje é mais um daqueles dias que mostram que a luta vale a pena e que, mesmo tendo muito a conquistar, nós estamos no caminho certo.”

A obra como símbolo da defesa da democracia

Conforme explica Cladera, o conceito do trabalho para a realização do monumento adveio de um grupo de trabalho que reuniu professores de história, antropólogos, e outros profissionais. Além de ter como base uma série de documentos e informações. “Foi feito uma imersão dentro do universo de Zumbi dos Palmares e foi realizada uma primeira maquete. Ela foi apreciada por um coletivo de representantes da comunidade negra da cidade, sindicalistas, pessoal da religião etc. Daí foi feita uma segunda, que atendia a visão que a comunidade negra sentia e pensava de como representar o herói quilombola brasileiro, Zumbi dos Palmares. Uma coisa desde o início que me levou a trabalhar foi pensar no guerreiro.”

O escultor espera que a obra se torne um símbolo de luta da sociedade negra, tanto de Porto Alegre quanto do país. “Luta que começa no passado, que hoje continua e provavelmente não vai se esvaziar: luta antirracista, pelas liberdades democráticas, por igualdade social. Espero que essa obra seja polêmica, mas que sobretudo seja esse símbolo do guerreiro que lá no passado nos dá o exemplo de continuar essa luta por igualdade social no país’. 

Na mesma linha segue o diretor da escola municipal Presidente João Goulart e professor do centro municipal de educação de trabalhadores Paulo Freire, de Porto Alegre, Manoel José Ávila da Silva, que colaborou com o projeto. “Minha contribuição está associada a definição da estética da estátua, da gente reconhecer Zumbi dentro do contexto da cultura bantu. Significar ele com símbolos, aparatos, como lança e faca, relacionados ao quilombo.”


Evento contou com representantes das religiões de matriz africana / Foto: Jorge Leão

Pensar em uma estética, prossegue o professor de história, colocando Zumbi também em movimento. “Que ajudasse a mostrar o quanto que a gente, enquanto movimento negro, como mulheres e homens negros no Brasil, está sempre em movimento. Seja na busca por liberdade, na luta contra o racismo. Seja na concepção de um país mais justo e democrático. Isso está representado na estátua: a passada que nos impulsiona e nos mostra a necessidade dessa luta permanente contra o racismo e pela democracia”, conclui. 


Manoel José Ávila da Silva / Foto: Jorge Leão

A estátua de Zumbi tem 240 cm de altura, com aproximadamente 300 kg, com a base de granito, o monumento ficou com 350 cm de altura. Além da obra, o Largo Zumbi também recebeu um totem em homenagem a Oliveira Silveira, feita pelo artista e educador social Eduardo Angel Sats. 


"Isso está representado na estátua: a passada que nos impulsiona e nos mostra a necessidade dessa luta permanente contra o racismo e pela democracia.” / Foto: Jorge Leão

Presente ao ato, o prefeito reeleito Sebastião Melo (MDB) foi vaiado com gritos de “Fora Melo”. Pela sua rede social, atribuiu a hostilização ao descontentamento com o resultado das eleições. "Saio triste de um momento que deveria ser de homenagem na entrega à cidade da estátua de Zumbi dos Palmares. O radicalismo de militantes descontentes com o resultado das eleições produziu um grave episódio que quase acabou em violência física contra mim e a equipe da prefeitura. A verdadeira democracia que ajudei a construir é sustentada no respeito às diferenças. Lamentavelmente, uma minoria comprometeu um dos atos mais especiais da Semana da Consciência Negra, que estimula importante reflexão coletiva", escreveu. 

Nas eleições deste ano, Melo, após 20 anos se apresentando como “branco” se autodeclarou como “pardo”. 


Foto: Jorge Leão


Foto: Jorge Leão


Foto: Jorge Leão


 Foto: Jorge Leão


Foto: Jorge Leão


Foto: Jorge Leão


Foto: Jorge Leão


Edição: Vivian Virissimo