Está definida a data para a reabertura oficial da porta dentro da Reitoria e da retirada do tapume que escondia a Biblioteca Central (BC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), localizada no prédio da Avenida Paulo Gama, 110, Porto Alegre (RS). É dia 21 de novembro, a partir das 13h30min. A cerimônia tem caráter especial e põe fim a tempos sombrios na Universidade, com uma administração com caráter autoritário. Quem queria ir lá ver as exposições, olhar e ler, pesquisar, entrava por uma porta lateral. Agora, como dizem, vai ficar tudo ‘escancarado’, iluminado, claro e sem censura. Vai ser um momento mágico, festivo e alegre para toda a equipe da BC que lutou por esta causa, sob a direção de Letícia Strehl.
São 50 mil livros, bem cuidados e preservados. O mais antigo deles data de 1507. Os livros ali recebem um tratamento digno e compatível com todo o seu valor histórico: climatização, recuperação, bem encadernados e bem organizados. É um santuário, onde tudo é sagrado para os seus cuidadores, como Ana Rüdiger, Eugênio Hansen, Maria José Cruz do Departamento de Obras Raras (DOR); Luisa Damiani do Laboratório de Conservação e Restauração (LACOR); Beatriz Cestari do Departamento de Serviços aos Usuários (DSU); Letícia Strehl como Diretora da Biblioteca Central e César Rolim da Secretaria da BC que receberam a visita da equipe do Brasil de Fato RS.
Atualmente está em exposição no local livros raros de Matemática, entre eles os de Malba Taham* - um dos pioneiros no trabalho com a História da Matemática e que defendeu com veemência a resolução de exercícios que deixassem de lado o uso mecânico de fórmulas, valorizando o raciocínio e que, em seu trabalho, sempre utilizou curiosidades e atividades lúdicas.
História
A história da Biblioteca Central está diretamente conectada com a história da coleção Eichenberg, uma vez que foi essa coleção que deu “personalidade” à biblioteca. A Coleção Eichenberg, adquirida pela UFRGS, em 1969, por 900 mil cruzeiros, é constituída por cerca de 40 mil volumes dos séculos XVI ao XX de múltiplas áreas do conhecimento, sendo 10 mil identificados como obras raras.
Em 1978, este valioso acervo foi incorporado à Biblioteca Central e após tratamento técnico específico, os livros preciosos passaram a formar a “Coleção de Obras Raras” da Coleção Eichenberg. Não há o que não exista neste valioso material. Ali há até um laboratório que acaba com eventuais ‘furinhos’ feitos pelos insetos. A divulgação do acervo é feita através de exposições das obras na biblioteca e de exposições virtuais disponíveis no site da BC.
A data oficial de fundação da Biblioteca Central foi em 13 de dezembro de 1971, através da Portaria nº 1516. Nasceu como Órgão Suplementar da UFRGS, diretamente vinculado à Reitoria, coordenando e supervisionando, sob forma sistêmica, o conjunto de bibliotecas da Universidade, com atribuições de órgão central.
Sala exclusiva
Visando qualificar seu tratamento, a biblioteca contou com o apoio da Biblioteca Nacional para o treinamento especializado de uma bibliotecária, que passou a trabalhar exclusivamente na identificação, avaliação e processamento técnico desse valioso acervo. No ano de 1986, com a instalação da Biblioteca Central no térreo do prédio da Reitoria, as obras raras ganharam uma sala exclusiva para a guarda dos livros e atendimento aos pesquisadores.
Com a reformulação do organograma da BC em 1996, a seção passa a ser denominada Departamento de Obras Raras (DOR) que tem por objetivo zelar pela guarda e conservação do material raro da Coleção Eichenberg. Entre suas atribuições estão: elaborar seu processamento técnico; atender pesquisadores; colaborar em eventos promovidos pela Universidade e assessorar as demais 31 bibliotecas setoriais da UFRGS, quanto a identificação de obras raras existentes em seus acervos.
Os critérios de raridade empregados para classificar as obras preciosas são os seguintes:
• impressos na Europa até o século XVIII;
• impressos no Brasil até 1841;
• edições de tiragem reduzida;
• exemplares de coleções especiais;
• edições clandestinas;
• obras esgotadas;
• exemplares com anotações manuscritas importantes;
• exemplares de bibliófilo;
• edições de luxo;
• exemplares autografados por pessoas de reconhecida projeção.
Novos tempos
Para marcar os tempos de derrubada dos tapumes, a diretora Letícia Strehl e a equipe de 17 servidores técnicos-administrativos da Biblioteca Central lançaram uma campanha de doação de livros proibidos/banidos, com uma lista já preparada, para criar a coleção "Livre". A ideia é encher prateleiras com publicações que, em algum momento da história, foram censuradas, mas que sempre encontraram formas de sobreviver. A vitrine atual exibe o acervo que sempre lá esteve e aguarda por estas doações. Quem quer saber a lista integral é só consultar no site https://www.ufrgs.br/bibliotecacentral/livros-proibidos/.
Oito livros foram proibidos, banidos ou censurados em algum momento no Brasil pelas mais estapafúrdias razões. Os demais foram proibidos e vetados em vários países mundo afora. “Agora teremos uma coleção específica destes livros. Não podemos restringir o acesso a obras tão importantes do Brasil e de vários outros países. Precisamos ser leitores críticos. Este tipo de censura só favorece a extrema direita e os negacionistas. Precisamos defender a verdadeira liberdade de expressão", diz César Rolim.
*Júlio César de Mello e Souza (1895-1974), mais conhecido como Malba Tahan, foi um professor, educador, pedagogo, conferencista, matemático e escritor do modernismo brasileiro. Através de seus romances infanto-juvenis, foi um dos maiores divulgadores da matemática do Brasil. Júlio César viveu quase toda sua infância na cidade paulista de Queluz e, quando criança, já dava mostras de sua personalidade original e imaginativa, costumava escrever histórias com personagens de nomes absurdos.
Edição: Vivian Virissimo