Rio Grande do Sul

ECONOMIA SOLIDÁRIA

Movimentos debatem os desafios da educação popular em economia solidária e autogestão

Conferência Temática reuniu representantes de entidades e associações de todo o país em Brasília

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Cerca de 100 pessoas de mais de 20 estados do Brasil participaram da 3ª Conferência Temática de Educação Popular em Economia Solidária e Autogestão realizada em Brasília nos dias 9 e 10 de novembro - Divulgação

Aproximadamente 100 pessoas de mais de 20 estados do Brasil participaram da 3ª Conferência Temática de Educação Popular em Economia Solidária e Autogestão realizada em Brasília nos dias 9 e 10 de novembro. O encontro teve como objetivo reunir as contribuições que serão levadas à 4ª Conferência Nacional de Economia Popular e Solidária (4ª Conaes), em agosto de 2025.

Foram debatidos os principais desafios, levantadas as dificuldades e definidas prioridades e propostas. O relatório final desta Conferência Temática será divulgado no dia 10 de dezembro. As moções e recomendações votadas no último dia do encontro serão levadas para a reunião do Conselho Nacional de Economia Popular e Solidária, a ser realizada presencialmente, em Brasília, também em dezembro de 2024.

A Conferência foi realizada presencialmente no Centro de Estudo Sindical Rural (Cesir) da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), e contou com transmissão simultânea pela internet.

No primeiro dia, o público acompanhou três rodas de diálogo – uma espécie de “esquenta” para aprofundar as discussões e levantar propostas para os grupos de trabalho no domingo, dia 10. No final de cada roda, houve espaço para perguntas e manifestações.


Da esquerda para a direita: Zamban, Renata e Alzira / Divulgação

Fernando Zamban, diretor do Departamento de Parcerias e Fomento da Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária (Senaes) integrou a primeira roda de diálogos com Renata Studart, diretora do Departamento de Projetos (Senaes), e Alzira Medeiros, integrante da Coordenação Nacional da Rede Autogestionária de Educação Popular em Economia Solidária.

O diretor da Senaes fez uma ampla análise sobre o mundo do trabalho, com a precarização e uberização das atividades, e enfraquecimento dos sindicatos, destacando um cenário predatório para o trabalhador. “É preciso reposicionar a Economia Popular neste lugar e pensar o coletivo neste cenário individualista – tudo isso associado a uma crise conservadora, a uma qualificação de prateleira, com formações que não colaboram com o setor.”

Para Zamban, a Economia Popular e Solidária resistiu aos tempos de retrocesso, mas não como as outras políticas públicas. “Agora, reconstruir dá trabalho, porque o contexto é totalmente diferente.”

Outro desafio para o setor está no orçamento, explicou Zamban. “Temos ainda o compromisso com o déficit zero assumido pelo governo e o orçamento público, que foi capturado pelo Parlamento, inibindo as possibilidades reais de investimento do Governo Federal em ações afirmativas do nosso campo”, disse.

Formação em Economia Popular e Solidária

A diretora do Departamento de Projetos da Senaes, Renata Studart, apresentou as estratégias da Secretaria para a formação em Economia Popular e Solidária. Renata relatou como foram desenhados os programas da Senaes com vistas à construção de um Sistema Nacional de Formação em Economia Popular e Solidária.

“O desafio foi integrar as ações formativas e articulá-las às políticas públicas do governo”. Destacou o Programa de Qualificação Social e Profissional Manuel Querino, com a rede IFs, nos territórios, o Programa de Formação Paul Singer – Agentes de Economia Popular e Solidária, a formação de gestores, via Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e Ministério da Educação, os trabalhos com as incubadoras e a estratégia de busca de recursos do FAT, via parceria com os Sebraes para a Economia Solidária.

Educação Popular

Alzira Medeiros, da Coordenação Nacional da Rede Autogestionária em Educação Popular em Economia Solidária, defendeu que é preciso quebrar o individualismo, pois não pode haver felicidade enquanto houver oprimidos e famintos. “Queremos uma outra forma de existência econômica. Assistimos o trabalho matando o sujeito pela exploração e estamos diante de uma das maiores crises de saúde mental, com altos índices de suicídios, com trabalhadores rurais sendo esmagados pelos agrotóxicos”, avaliou.

Também afirmou que é preciso avançar no território. “A conjuntura é muito difícil e precisamos definir quais serão os rumos da Economia Popular e Solidária. Sem formação, sem assessoria, sem finanças, sem relações articuladas, sem legislação, não conseguimos reconstrui-la. Temos o plano de 2014, mas precisamos apontar as prioridades”, alertou.

Reconstruir a participação social

Pedro Pontual, diretor de Educação Popular na Secretaria Geral da Presidência da República, resgatou as estratégias de participação social do Governo Federal e sua interface nas ações com a Economia Solidária. Pontual explicou que desde a transição deste governo existia a recomendação para reconstruir as instâncias e os canais de participação social que foram desmontados. “Precisamos retomar conselhos, colegiados e ouvidorias; já existe um grupo de trabalho para aperfeiçoar esses colegiados.”

Segundo Pontual, o trabalho da Secretaria Nacional de Participação Social tem se estruturado neste rumo. “Mas é preciso ir além. Nossa energia precisa alcançar mentes e corações nos territórios, onde as disputas de consciências acontecem”, ressaltou. Citou os/as agentes territoriais de saúde, cultura, economia solidária, Juventude, os extensionistas rurais, os de desenvolvimento regional e Igualdade Racional (esse último previsto). “O Governo Federal precisa, agora, desenhar a articulação entre os programas, para que haja integração nos trabalhos e respostas. Informou, ainda, que estão sendo pensadas formações conjuntas com os diversos agentes.

Educação para práticas solidárias

O professor João Claudio Arroyo, da Rede Andorinhas, e Regilane Fernandes, do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, integraram a última roda de diálogos do dia 9 de novembro.

Arroyo definiu que Educação é formação para comportamento, para condicionar práticas. “Educação não é escola, é pacto societário. E precisamos saber: quais os condicionamentos que queremos construir?”, questionou.  Ele exemplificou que, para os povos indígenas Yanomami, “aquele que não partilha – o sovina” é execrado do grupo. “Já na nossa sociedade, vai para a capa da Forbes. Ganha reconhecimento aquele que acumula para destruir e subjugar”, critica. Para o professor, 90% das pessoas vivem atrás do dinheiro. “O poder econômico é que governa.”

Arroyo discorreu sobre democracia, eleições, o fortalecimento do capitalismo e sobre Economia da fragmentação – contexto no qual todos se digladiam pelos recursos. A disputa deixa suas vítimas: mulheres, negros, velhos, gays etc. Para enfrentar esse cenário, é preciso uma escola de Economia Solidária com educação diária. Existe muita preocupação com a produção no processo da Economia Solidária, mas o mais importante é o consumo, que gera valor”, reiterou.

Empreendimentos solidários na agricultura

“Este é um momento de balanço, em um momento histórico grave”, enfatizou Regilane Fernandes, técnica do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Ela traçou um histórico da construção da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), destacando o legado de autogestão, cooperação, democracia e solidariedade.

Lembrou que 60% dos empreendimentos solidários estão no campo, daí a importância do reconhecimento da agroecologia como garantia de preservação da vida. Citou, também, que são mais de 30 mil agentes territoriais no setor. Regilane defendeu que “a Economia Solidária tem que ser um método organizativo, ser pensada enquanto rede, pois as redes que vão sustentar o futuro”. Para Regilane, as chamadas públicas precisam garantir espaço para os empreendimentos solidários.

Ampliar a base e buscar recursos, defende Gilberto Carvalho

O secretário nacional da Senaes, Gilberto Carvalho, abriu o segundo dia da Conferência Temática fazendo uma análise de conjuntura. Lembrou eventos e fatos recentes que causam preocupação, como o resultado das eleições municipais de outubro deste ano e o surgimento de novos líderes nas redes sociais cujas dimensões são assustadoras. Ressaltou os avanços e retrocessos na luta dos trabalhadores e trabalhadoras, desde a ditadura militar (1964-1985) até os desafios atuais enfrentados pelo governo Lula.

Propôs que, além das ações internas para aumentar o orçamento em Economia Popular e Solidária (EPS), os movimentos sociais também se organizem para demandar apoio e recursos. “Temos que ampliar nossas bases. Fizemos um esforço para ter maior participação nas conferências. Precisamos fazer com que a energia crie redes virtuosas, como Andorinhas, Justa Trama, entre outras”, convocou Carvalho.

Neste sentido, defendeu a aproximação com o Sebrae, apesar das resistências e críticas de parte do setor. “Temos que ocupar estes espaços”, disse o secretário. Também sugeriu pedidos aos deputados para que direcionem recursos das emendas parlamentares à Economia Popular e Solidária e para a Senaes. Por fim, citou o Programa de Formação Paul Singer como uma estratégia para criar engajamento por meio da territorialização.

Os/as participantes da Conferência tiveram oportunidade de fazer perguntas ao secretário. Depois, se dividiram em grupos para refletir coletivamente sobre o 1º Plano Nacional de Economia Popular e Solidária, definir prioridades e propostas a serem levadas à 4ª Conaes.

* Matéria reproduzida do Boletim da Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária (Senaes)


Edição: Katia Marko