Em audiência pública nesta segunda-feira (11), parlamentares estaduais e federais receberam dos integrantes da Câmara Temática da Terceirização (CTT) sugestões para mudanças nas leis que regulam os contratos de serviços terceirizados no setor público. “É um documento com força política construído com muito diálogo”, destacou o superintendente regional do Trabalho e Emprego, Claudir Nespolo, que coordenou o ato.
Entre as sugestões estão ajustes na Lei Federal das Licitações 14.133/21 e na Lei estadual 16.077/23, buscando mecanismos de garantia para execução integral dos contratos protegendo os trabalhadores e evitar concorrência desleal entre empresários. A audiência pública definiu que uma comissão da CTT acompanhará o andamento das medidas solicitadas à Assembleia Legislativa e à Câmara Federal.
A Câmara Setorial é composta por três grandes sindicatos empresariais, sete organizações sindicais de trabalhadores em áreas como vigilância, telemarketing, asseio e conservação. Além da representação patronal e de trabalhadores, a Câmara é apoiada por órgãos públicos e por dois institutos – o IGAS (Instituto Gaúcho de Asseio e Serviços) e o Instituto Trabalho e Transformação Social (ITTS).
Durante o ato ocorreu o lançamento da cartilha “O enfrentamento ao dumping social e a promoção do trabalho decente no RS - A valorização das boas práticas na prestação dos serviços terceirizados”, amplamente aplaudida pelo Plenarinho lotado com trabalhadores de diferentes segmentos, parlamentares, representantes da Justiça do Trabalho e lideranças do setor público e privado.
Os documentos foram preparados ao longo do ano em reuniões mensais entre entidades empresariais e de trabalhadores em áreas terceirizadas com a coordenação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no âmbito da Câmara especializada constituída a partir do Pacto pelas Boas Práticas Trabalhistas e Enfrentamento à Concorrência Desleal no Trabalho Terceirizado no RS em dezembro de 2023, com a presença do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho.
Desregulamentação penaliza trabalhadores e empresários sérios
“A falta de regulamentação da terceirização aprofundou a precarização, situação que avilta o mercado, não gera responsabilização pelo não cumprimento de direitos trabalhistas e degrada o ambiente de trabalho pela ausência de fiscalização”, resume a economista Lúcia Garcia, assessora técnica do ITTS.
“A concorrência desleal lesa empresários sérios que desejam prestar bons serviços com preços justos, respeitando os direitos trabalhistas. Nos unimos neste trabalho coletivo e queremos o empenho dos parlamentares para melhorar o âmbito da terceirização”, destacou a presidente do Sindicato Asseio e Conservação do Estado do Rio Grande do Sul (Sindasseio), Adriana Mello, setor que emprega milhares de pessoas.
O líder da bancada federal gaúcha, Dionilso Marcon, comprometeu-se a levar a pauta à Câmara Federal assim que encerrar o debate das emendas parlamentares. Ele reforçou o valor dos trabalhadores estarem sindicalizados “para ter quem o defenda quando precisar”.
O deputado federal Alexandre Lindenmeyer reivindica responsabilidade solidária do ente público que contrata e não fiscaliza. Relatou a urgência das mudanças para reduzir o flagelo e aprofundamento da desigualdade social promovida na esteira da reforma trabalhista. “Que este Pacto sirva de modelo para outros lugares no país”, completou, relatando casos de descumprimento de contratos no próprio Congresso Nacional.
RS tem 80 mil trabalhadores terceirizados no setor público
Estima-se cerca de 80 mil gaúchos terceirizados atuando nas esferas municipal, estadual e federal, informou o deputado Jeferson Fernandes, que representou a Assembleia Legislativa no ato que ocorreu no Plenarinho. Ele relatou situações constrangedoras ocorridas no próprio Parlamento de empresas que descumpriram os contratos.
“É incompreensível que mecanismos simples como conta vinculada ainda não tenham sido adotados mesmo com todas as mazelas. Continuamos ano após ano submetidos ao delírio do menor preço das contratações públicas”, concluiu.
Fernandes relatou as recentes leis aprovadas no Parlamento gaúcho, como a anti-calote sancionada em abril, e a lei que exige maior fiscalização dos contratos pelo Estado.
Alto custo social
“O cenário de precariedade que se acentua nos últimos anos tem origem legislativa e decisões políticas, como a reforma trabalhista. Mesmo que recentes leis estaduais tentem melhorar as contratações há itens que facultam os instrumentos protetivos”, registrou o representante das entidades laborais, o advogado Alex Tapia. “Há uma brutal desregulamentação do trabalho terceirizado e uma proliferação de uso irregular de MEIs”, acentuou. “O custo social do menor preço é o inadimplemento e supressão de direitos básicos de cidadania, como remuneração básica, saúde e segurança do trabalho”, reforçou Tapia.
Em nome dos trabalhadores terceirizados, ele destacou que a Câmara Setorial não respondeu a todas as necessidades, mas garante um espaço profícuo de diálogo social para avançar. “É uma jornada longa para as alterações legislativas e vamos acompanhar de perto”, finalizou.
Entre os participantes estavam os presidentes da Central Única dos Trabalhadores, Amarildo Cenci, da Central dos Trabalhadores do Brasil, Guiomar Vidor, da União Geral dos Trabalhadores, Norton Jubelli, e dirigentes de vários sindicatos e associações laborais.
Terceirizações motivam maioria das ações trabalhistas
O presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, desembargador Ricardo Martins Costa, informou que a maioria das ações trabalhistas em andamento, no Brasil, se referem a irregularidades nas terceirizações.
Detalhou que o modus operandi de empresas pouco sérias é o mesmo: ao final do contrato, deixam de pagar as parcelas rescisórias, vale-transporte e vale-alimentação e desaparecem, deixando um passivo financeiro e judicial. “São as mesmas empresas e pessoas, só trocam os laranjas”, disse.
“O Tribunal é parceiro deste movimento porque os trabalhadores terceirizados constituem o segmento mais precarizado que temos no país. O Judiciário se preocupa e o Parlamento precisa tratar disso. É necessário ter mecanismos para responsabilizar e exigir o cumprimento dos direitos trabalhistas”.
Ele observou ainda o que chamou de interpretações equivocadas no Supremo Tribunal Federal que agravam o quadro. “Não é possível na atividade fim terceirizar sem responsabilidade porque terceiriza o nome. Vimos o prejuízo disto na marca das empresas identificadas com trabalho análogo a escravidão, lembrou citando diferentes empresas. O magistrado alertou ainda para um futuro rombo da Previdência Social pelo excesso de distorcidas contratações por MEI, do que chamou de pseudo empregadores.
A procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), Denise Schellenberger, referiu que o órgão integra o Pacto e se soma para que as mudanças legais sejam efetivas.
“As alterações da lei vão ao encontro do que a gente busca melhorar no tribunal”, resumiu Paula Giacomelli, do Ministério Público de Contas, falando da dificuldade de trabalhadores privados, inseridos nos próprios órgãos de controle, de receber seus direitos, devido a práticas abusivas de empresas desonestas com relato de exemplos dentro da própria instituição.
Avanço com diálogo social
O secretário do Trabalho e Desenvolvimento Profissional do RS, Gilmar Sossella, informou que há 16 mil vagas nos cursos de qualificação em andamento em 202 municípios e milhares de vagas para safristas na colheita da uva e maçã na Serra.
“Há escassez de mão de obra em muitas áreas”, complementou o chefe de Fiscalização do MTE, Gerson Soares, ao falar da importância da cartilha. “Há muitos desafios e vamos prosseguir com esta participação ativa de todos os agentes da agenda pelo trabalho decente.”
“Estes passos demonstram muita determinação em construir coletivamente um ambiente de confiança, produtividade, serviços de qualidade e compromisso com práticas para o trabalho decente e combate à concorrência desleal”, encerrou Claudir Nespolo, observando que superintendências de vários estados desenvolvem movimentos similares.
Edição: Katia Marko