Para marcar os 180 anos da traição de Porongos, que vitimou os lanceiros negros durante a revolta Farroupilha, o Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do RS (Sindjus) realizará um evento nas cidades Pinheiro Machado e Pelotas, no Sul do estado. As atividades que integram o Novembro Negro Antirracista serão realizadas entre os dias 14 (quinta-feira) e 15 (sexta-feira) de novembro.
Conforme ressalta a entidade, a ideia de iniciar o evento pelo Cerro dos Porongos, no município de Pinheiro Machado, é homenagear os lanceiros negros. “Homens que há 180 anos lutaram por sua liberdade e acabaram traídos e massacrados neste local, numa guerra de interesses brancos, e que nunca tiveram sua importância histórica devidamente valorizada”, destaca.
Integrante do Coletivo pela Igualdade Racial do Sindijus (CIRS), e diretor de comunicação da entidade, Marco Velleda, pontua que no dia 14 de novembro de 1844, o general David Canabarro, traiu a tropa de lanceiros com um acordo feito com Duque de Caxias. Ou seja, para não cumprir com a prometida liberdade a todos os lanceiros negros que lutaram ao lado do farrapos naquele período. “Canabarro leva todos ao cerro de Porongos, que fica em Pinheiro Machado, ao lado da então capital do estado, Piratini. Quando chegou nesse cerro, que é um morro, um declive, eles colocaram os lanceiros, separados e desarmados, para lutar/morrer pela sua liberdade”.
De acordo com o historiador Jorge Euzébio Assumpção, autor de Pelotas: Escravidão e Charqueadas 1780-1888, Canabarro teria feito um conchavo com os imperiais. "Ele escreveu ao Barão de Caxias, tramando a data e o local para um ataque ao acampamento dos negros", conta o historiador a reportagem da BBC Brasil.
Segundo a reportagem, pouco mais de 100 homens negros foram assassinados. Os que não escaparam para quilombos ou para o Uruguai acabaram enviados à corte, no Rio de Janeiro, onde seguiram escravizados até a Lei Áurea, 43 anos depois.
“Dia 14 vamos estar em Pinheiro Machado para relembrar esta luta, e reverenciar os verdadeiros heróis dessa guerra Farroupilha, que foram os lanceiros negros, que foram traídos por David Canabarro”, afirma Velleda.
Dia de debates
Com o tema "De Porongos a necropolítica do século XXI: os efeitos do capitalismo sobre o povo negro", além do resgate histórico, o evento conta com debates no dia 15, em Pelotas. “Discutiremos os policiais antirracistas, porque eles prendem e o Judiciário solta. Solta quem? Os brancos, porque o maior número de encarcerados nesse país são negros. E aí nós vamos dizer por que a justiça tem cor mesmo, que é branca”, pontua Velleda.
O evento também abordará os efeitos climáticos sobre a população negra. A educação antirracista com a participação do CPERS Sindicato. “Conversar sobre o por que o livro de história não fala do nosso povo, dos nossos heróis, os lanceiros negros. E sobre a lei que prevê essa educação antirracista, que não é feita.”
Por último, a discussão sobre o racismo financeiro. “Quem é que paga mais impostos nesse país? É o nosso povo periférico, que é o nosso povo negro. Nós queremos discutir que os capitalistas, mais uma vez, brancos, exploram o nosso povo, que paga imposto. Vamos estar fazendo esse debate em Pelotas, a cidade onde o charque se instalou. Das grandes charqueadas.”
Velleda pontua que também foi em Pelotas que a entidade fez o 1º Encontro Antirracista do Coletivo pela Igualdade Racial do sindicato, ocorrido em novembro de 2021, que resultou no documentário "Sociedade dos Grilhões - É preciso enegrecer a Justiça".
Para além de novembro
Em 2024, pela primeira vez o 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra será feriado na Capital. O presidente Lula sancionou, em dezembro do ano passado, a lei que inclui o dia no calendário de feriados nacionais.
“Graças aos nossos ancestrais, aos nossos orixás, a gente conseguiu que o governo Lula reconhecesse o dia 20 como um dia nacional, de luta do povo negro. E aí se estabelece um feriado que não é religioso, mas sim um feriado de consciência política. De entender a dívida que o povo branco, que tentou embranquecer o nosso, pegando o estado gaúcho, em que a maioria são brancos, porque houve todo um processo de branquitude nesse processo. Então o coletivo tem essa lógica, de pautar essa discussão e enegrecer a Justiça”, destaca Velleda.
Ele conta que o coletivo foi retomado há cerca de cinco anos. “A gente retomou o coletivo depois de um bom tempo, porque ele ficou mais de seis anos 'meio' parado. As outras gestões não tinham interesse nessa pauta, sobre a questão da negritude no judiciário.”
Entre as mobilizações realizada pelo coletivo está a obrigatoriedade da cota para os estagiários no Tribunal de Justiça. Também o esforço para aprovar uma lei na Assembleia Legislativa que reconheceu a semana do dia 14 ao dia 20 de novembro como a Semana da Consciência Negra no Rio Grande do Sul.
“Não basta só ser o mês de novembro. A gente tem que continuar com esta pauta, com esta política de visibilidade do nosso povo que cada vez mais querem que sejam excluídos. E aí a gente vai estar sempre trazendo isso. E, pegando esse mês de novembro, que tem o nosso dia 20 de novembro, fazer essa reflexão sobre toda essa pauta que tem sobre a negritude”, finaliza.
Confira neste link um pouco mais da trajetória do Coletivo.
O evento terá palestras e rodas de conversa, além de atividades culturais e festivas. Junto com o Sindjus, estão na organização da atividade CUT/Fetrafi, CPERS, Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul (Semapi-RS), Sintrajufe, Sindicato dos Servidores Federais do Rio Grande do Sul (Sindiserf), Sindicato do Bancários de Pelotas, Sindicato da Alimentação de Pelotas, Movimento Negro Unificado (MNU) e Policiais Antirracistas.
Edição: Vivian Virissimo