Argumento de que o arboricídio é uma necessidade, para proteção das redes elétricas, já foi avaliado
Em novembro, há 70 anos, quando muitas ruas desta cidade exibem árvores em flor, acontece por aqui a multiplicidade de eventos culturais característicos da nossa Feira do Livro.
Pretendo, neste espaço, chamar atenção para uma de suas atividades: o painel A questão Ambiental - uma doença civilizatória, promoção (em parceria com a Feira do Livro) do Coletivo a Cidade Que Queremos, do Instituto Nhandereko – Observatório Crítico da Ciência- e do Movimento Ciência Cidadã, e conduzida em complementação a debates iniciados na Feira do Livro de 2023, sob o título geral de “A diversidade Sustenta o Futuro” (neste ano, portanto, tivemos “ A diversidade Sustenta o Futuro II”) .
Anunciada na semana que passou, nesta mesma coluna e divulgada pelo Brasil de Fato RS na Rádio da Feira, aquela atividade discutiu o fato de que os processos de homogeneização aplicados à redução da diversidades inerente a todas as dimensões da vida, correspondem a forças de degradação que se expandem entre nós de forma tão desrespeitosa e acelerada que já se caracterizam como uma espécie de doença civilizatória, que avança em ritmo de temporal. O enfrentamento deste mecanismo estaria exigindo tomada de consciência e ativação de um protagonismo social humanista e solidário que parece escorregar no caminho oposto, minguando como se fadado a desaparecer.
Por isso, e mesmo sem nada a agregar ao que está posto naqueles materiais informativos, me ocorreu que um reforço em sua divulgação poderia estimular algumas pessoas a examinar e quem sabe até a contribuir diretamente para qualificação das reflexões e atitudes ali sugeridas/reclamadas.
Esta decisão ganhou força hoje de manhã quando me chegou um fato ilustrativo daquela doença, que aconteceu última terça-feira (5) na Assembleia Legislativa do Estado do RS.
Ali aquela doença civilizatória, na forma de degradação do respeito às singularidades e à relevância de suas conexões, se refletiu na desqualificação do posicionamento de representantes desta sociedade, empenhados em transferir responsabilidades públicas para uma empresa privada que hoje controla (em regime de monopólio) serviços essenciais relacionados à distribuição de energia elétrica para boa parte do Estado do RS. E convenhamos, depois da privatização da CEEE a qualidade dos serviços que ela prestava piorou para além do que se poderia esperar. E a culpa disso seria do vento e das árvores. Com certeza. Assim como a tragédia das enchentes foi culpa da chuva. Ou não foi?
Para os que defendem os interesses daquela empresa, parece que sim.
E por isso o arboricídio seria necessário. As árvores, teimosas como costumam ser, insistem em se estender em direção ao sol. E a prefeitura, administrada pelos políticos que ali se sucedem há mais de 20 anos, já há tempos vem se assumindo como incapaz de cuidar delas. Portanto, e com a convicção daqueles deputados ambientalmente negacionistas sendo compartilhada com o prefeito Melo, com seus antecessores e vereadores amigos de ontem, hoje e sempre, bola pra frente. Que fique com a Equatorial a atribuição de esquartejar o verde que nos resta. Por que não?
Afinal, para eles é irrelevante o fato de que as árvores atuam como filtros que reduzem riscos de câncer de pele, regulam a temperatura, embelezam a cidade, minimizam o estresse e contribuem para redução da violência. Nesta democracia capturada pelo mercado nada daquilo importa para parlamentares que operam em favor da ampliação nos lucros de quem presta serviços essenciais em regime de monopólio. Para piorar nossa vergonha, como a imprensa mostrou, aqueles deputados até se divertem escorraçando, achincalhando e debochando das organizações sociais que, acompanhando a sessão legislativa, pediam respeito à vida e democratização de decisões que afetam nosso ecossistema urbano.
Na democracia representativa onde eles reinam, é assim que a coisa funciona: o dinheiro garante a eleição e depois disso, até a próxima rodada, os representados que se danem.
A ideia de que precisamos fortalecer os serviços públicos na área ambiental e exigir da iniciativa privada sua parcela de contribuição aos interesses comuns, está fora de questão. E não será considerada por parlamentares cativos de interesses empresariais que trabalham contra a democracia participativa. Desta forma, e com aquele perfil de pessoas ignorantes a respeito da importância das árvores e desrespeitosas em relação às necessidades e direitos da população ocupando a maioria dos espaços de decisão na Casa do Povo, a doença civilizatória que nos ameaça jamais se resolverá de forma positiva.
E poderia ser diferente?
Com certeza! Até porque já foi assim.
O argumento de que o arboricídio é uma necessidade, para proteção das redes elétricas, já foi avaliado e recebeu tratamento diferente durante a Administração Olívio Dutra. Lá o ambientalista Caio Lustosa, orientando as ações da Secretaria Municipal do Meio Ambiente operava em favor da arborização desta cidade.
Afinal, alguém acredita que é mesmo impossível, ou “irracional”, manter em áreas urbanas um ecossistema amistoso à qualidade de vida, cuidando das redes elétricas?
E para completar, encerrando esta semana, o Donald Trump foi eleito, o BC ampliou a taxa de juros beneficiando rentistas, o ministro da Fazenda informou sua compreensão a respeito da necessidade de corte nos recursos destinados a programas sociais, e sei lá mais o que se somou aos motivos para o acabrunhamento que nos afoga desde outubro.
Nestas circunstâncias, só há um remédio, e ele foi receitado há anos por Olívio Dutra: precisamos perseverar, e guardar o pessimismo para dias melhores.
Apenas desta forma, e repetindo a atitude daquelas pessoas que estiveram na Assembleia Legislativa tentando fazer valer nossos interesses, nossas vozes, nossos direitos, poderemos enfrentar a doença civilizatória que nos ameaça. E não há tempo a perder. Vem aí um temporal.
Uma música? Temporal, de Ivan Lins
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo