Rio Grande do Sul

TECNOLOGIA

Brasil é o primeiro país das Américas a aderir ao CERN, o maior laboratório de física de partículas do mundo

Organização Europeia para Pesquisa Nuclear desenvolve estudos e experiências feitas por cientistas de todo o mundo

Brasil de Fato | Genebra (Suíça) |
'O CERN na sua vida e na minha': jornalista brasileira relata como é viver na cidade de famoso Acelerador de Partículas na Suíça - Arquivo pessoal

O Brasil é o primeiro país das Américas a se tornar Estado Membro Associado da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN), que ao longo destas últimas sete décadas é sinônimo de excelência em pesquisa e um modelo de colaboração científica internacional, desenvolvimento de tecnologias nas mais diferentes áreas, bem como formação e educação de estudantes e profissionais. O cientista brasileiro, físico nuclear, que participou da criação da Universidade de Brasília (UnB), e saiu do Brasil por ter sido perseguido pela ditadura militar Roberto Salmeron foi um dos 15 primeiros profissionais a compor o staff do CERN no ano de 1955.

Ao passar de um acordo de cooperação firmado na década de 1990 para Membro Associado em 2024, ação esta muito esperada pela comunidade científica brasileira, o país conquista o direito de nomear representantes no Conselho e no Comitê Financeiro do CERN com direito a voz na tomada de decisões das pesquisas desenvolvidas pela organização. Permite também que brasileiros das mais diferentes áreas e níveis de educação possam candidatar-se a cargos e posto na instituição onde somente nacionais dos seus Estados Membros participam, como também viabiliza a participação da indústria brasileira nas concorrências e licitações do CERN.


Dr. Davide Di Croce é PHD em Física de Partículas e foi efetivado como profissional do CERN há três meses / Arquivo pessoal

A importância da abertura da possibilidade de contratação de profissionais brasileiros no CERN foi ressaltada pelo Dr. Davide Di Croce PHD em Física de Partículas que nos apresentou o experimento denominado ATLAS e que foi efetivado como profissional do CERN há três meses. “Em relação a minha contratação no CERN, eu apliquei pouco antes do Brasil entrar para a Organização, então apliquei com minha segunda cidadania (italiana). Mas eu posso dizer que agora é possível para brasileiros aplicarem para vagas o que não era possível antes já que temos que nos identificar como um dos países membro na lista.”

O Dr. Gustavo Gil da Silveira, professor do Instituto de Física da UFRGS que participa de diferentes projetos na Organização, acredita que a adesão do Brasil ao CERN permitirá tanto a ampliação dos estudos científicos que fazem há muitos anos como concretizar a participação da indústria brasileira no desenvolvimento de novos dispositivos de alta tecnologia e fornecimento de materiais avançados.

"Novas portas podem ser abertas para o desenvolvimento tecnológico no país, sobretudo na valorização do material humano ao formar uma nova geração de engenheiros e físicos voltada às tecnologias que poderão ser trazidas para o Brasil. A possibilidade de internacionalização e transferência de tecnologia para o Brasil é uma vantagem fundamental para os profissionais do Brasil nesta adesão ao CERN."


Dr. Gustavo Gil da Silveira, professor do Instituto de Física da UFRGS que participa de diferentes projetos na Organização / Arquivo pessoal

O professor conta que na UFRGS existem dois grupos de pesquisa ligados ao CERN, um trabalhando no experimento CMS e o outro no experimento ALICE. "No CMS, desenvolvemos sensores ultrarrápidos de diamante para observar prótons de altíssima energia, os quais estão ligados às interações fundamentais que podem indicar a existência de novas partículas, ou seja, uma Nova Física. Esse dispositivo está sendo desenvolvido em parceria com diferentes laboratórios do Instituto de Física e com uma empresa privada. A expectativa é termos um dispositivo para uso no CERN ainda em 2025. Nosso objetivo é consolidar uma linha de pesquisa para confecção de sensores ultrarrápidos para diferentes experimentos, empregando o conhecimento em instrumentação adquirido no Instituto de Física ao longo de mais de 60 anos”, afirma.

Segundo a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, a comunidade científica brasileira tem participado dos trabalhos do CERN desde a sua criação, em 1954, mas a mudança de status do Brasil para membro associado trouxe muitos benefícios. Com a adesão ao CERN pesquisadores, cientistas e outros profissionais brasileiros poderão ter acesso prioritário a postos de direção e estágios científicos de longa duração no centro científico, já que as oportunidades de contrato são restritas a membros plenos e associados.

O staff do CERN é responsável por todo o trabalho científico, técnico e administrativo da Organização. Dos aproximadamente 2.700 funcionários atuais, 48% são engenheiros ou físicos, 33% pessoal técnico e 18% administradores e funcionários de apoio. "Apenas contratos com prazo determinado – normalmente de 5 anos – estão disponíveis para os cidadãos dos estados membros associados, criando assim as condições para que regressem ao seu país de origem e apliquem aqui a experiência profissional adquirida no CERN. Não podemos deixar de mencionar a cooperação com o Sirius, o acelerador de luz síncrotron brasileiro, atualmente um dos mais avançados do mundo, o desenvolvimento de materiais avançados, como o nióbio, e a transferência de conhecimento em diversas áreas de CT&I. A adesão ao CERN também vai possibilitar a participação do país na construção da agenda científica mundial e em ações de empreendedorismo e popularização e difusão da ciência”, acredita a ministra.


Acelerador de Partículas do CERN / Arquivo pessoal

Na opinião do Dr. Sandro Fonseca, professor no Departamento de Física Nuclear e Altas Energias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que atua no CERN desde 2007, a associação do Brasil ao CERN é uma ação de Estado e não de governo que gera sobre o ponto de vista social a necessidade de formação de recursos humanos para qualificar as empresas brasileiras para atuar na Organização.

Outro ponto importante que ressalta Fonseca é sobre o ambiente de trabalho do CERN. “Eu nunca tive na minha vida um ambiente tão cooperativo onde você não tem questões políticas envolvidas e onde a ciência funciona como ponte para vencer as diferenças. Com o novo status o Brasil passa a ter uma responsabilidade regional importante e funciona como um farol e uma influência para os demais países da América Latina – na realidade atualmente vários destes países estão envolvidos em 40 experiências do CERN, e que outros países do continente queiram ser Estados Membros e criem condições políticas e econômicas para isto."


Dr. Sandro Fonseca, professor no Departamento de Física Nuclear e Altas Energias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atua no CERN desde 2007 / Arquivo pessoal

O CERN na sua vida e na minha

Em junho de 2013 quando fui viver na pequena cidade de Ferney Voltaire na divisa entre Suíça e França me tornei uma dos milhares de vizinhos e vizinhas do CERN, pois na região ficava as instalações do alimentador de criogênico do LHC como também ao nosso redor, bem abaixo dos nossos pés e nas entranhas da terra, passava o famoso Acelerador de Partículas. Com isto sabíamos que os estudos e experiências feitas pelos cientistas, oriundos de todas as partes do mundo, mas de modo especial os que se encontravam na sede da organização em Genebra, no Acelerador faziam parte do nosso dia a dia familiar como também da nossa cidade e região.

Como jornalista era esperado que minha aguçada curiosidade me levasse a buscar o máximo de informações possíveis sobre o CERN, por coincidência à obra do acaso – o qual não acredito – na minha aula de francês conheci duas colegas que os esposos trabalhavam na organização e pude nos encontros com suas famílias fazer muitas, mas muitas perguntas mesmo sobre como funcionava o CERN, perguntas estas que com toda paciência e com muita paixão eles me respondiam.

Eu, porém, não me contentava com suas respostas e devorava avidamente todas as informações disponíveis sobre o CERN e fui como visitante tantas vezes ao Centro de Visitantes que perdi a conta e usava como desculpa levar os amigos e parentes que nos visitavam. Nestas visitas mais e mais perguntas sobre como funcionava o Acelerador de Partículas. Por que foi necessário construir algo tão gigantesco? Qual utilidade tinha todo este investimento? Era seguro? Quais os efeitos possíveis na vida dos moradores da vizinhança? Os experimentos são utilizados para fins pacíficos? Enfim todo o tipo de questionamento possível e imaginável eu fiz nestas visitas guiadas ao CERN.

O motor dos meus questionamentos estava pra além do fato de eu ser jornalista e movia-se pela tênue linha da minha imaginação bastante fértil e criativa que navegava nas fantasias muitas vezes criadas pela literatura e pelos filmes de Hollywood tais como Anjos e Demônios, 2009. O filme começa com uma bizarra cena de um homicídio e o roubo da “antimatéria” dentro das dependências do CERN. O personagem principal – vivido por Tom Hanks – é convidado para investigar o caso e a partir daí segue uma história das mais absurdas e pouco críveis bem aos moldes de Hollywood que como entretenimento são interessantes, mas na realidade são um bom combustível para desinformação e estabelecimento de teorias das mais irreais possíveis.

Alimentada por estes dois fatores: curiosidade profissional e os filmes ficava pensando sobre a explosão dos átomos no momento das experiências no acelerador e o que acontecia após ela e quais seriam as consequências e impacto direto nas nossas vidas ou se estas pesquisas poderiam ser usadas para outros fins não muito interessantes para a humanidade.

Olhando em retrocesso tenho consciência que uma parte dos meus questionamentos eram legítimos e corretos e a outra parte nem tanto. Penso que a base deles era vinculada pela minha desinformação e a falta de conhecimento sobre o trabalho que é desenvolvido pelo CERN. Acredito que muito em função do seu nome, Conselho Europeu de Pesquisa Nuclear a instituição suscita questionamentos sobre que tipo de trabalho é feito.

Interessante observar que naquela época eu não tinha a ideia de que em menos de 10 anos chegariam os tempos em que as fake News, negacionismo científico, a inteligência artificial convivendo ao diário conosco, e o terraplanismo entre outras situações que premeiam nossas vidas atualmente seriam uma das realidades importantes e fazem parte das lutas constantes de quem vive no campo democrático do planeta enfrenta.

Em 2014, através do “Programa Vizinhos do CERN”, fui convidada juntamente com minha família e demais vizinhos para conhecer o LHC – e o maior e mais poderoso acelerador de partículas do mundo. Ele tem 21 metros de comprimento, 10 metros de altura e 13 metros de largura e fica 100 metros abaixo do solo perto das cidades de Ferney Voltaire (França) na fronteira franco-suíça. São 1565 engenheiros, cientistas e técnicos de 20 países participam deste acelerador e foi nele que se descobriu a partícula de bóson de Higgs que é mais conhecida como a “partícula de Deus”, sendo um dos projetos mais conhecidos da organização. A visita ao Acelerador foi uma experiência inesquecível onde pude conhecer o real trabalho que desenvolve os cientistas e demais profissionais do CERN.

Dez anos após esta visita tive a oportunidade de voltar ao CERN para participar de duas atividades diferentes sendo elas a Cerimônia comemorativa dos 70 anos da Organização e uma tarde completa de visita e entrevistas com três pesquisadores brasileiros os PHDs Dr. Davide Di Croce, Dr. Mauricio Feo e o Dr. Sandro Fonseca.

Nas entrevistas foi incrível descobrir como os experimentos oriundos do trabalho diário desenvolvido pelos cientistas do CERN estão conectados com o nosso dia a dia e vem melhorando a qualidade de vida de todos nós. Somente para citar alguns, comento sobre os equipamentos utilizados no tratamento de pessoas com câncer onde os conhecimentos adquiridos desenvolvidos no CERN vem possibilitando uma série de evoluções nestes equipamentos possibilitando que nos tratamentos com radiação apenas as células cancerígenas sejam atingidas.

Segundo o CERN espera-se que o número anual de casos de câncer aumente em mais de 40% até 2040, com a grande maioria das mortes associadas previstas para ocorrer em países de baixa e média renda. Análise realizada pela Organização nos diz que em países africanos, por exemplo, há aproximadamente um dispositivo de radioterapia para cada 3,5 milhões de pessoas, em comparação com um para cada 80.000 a 100.000 pessoas nos EUA e em muitos países europeus.

Por este motivo o CERN desenvolve o projeto Smart Technologies to Extend Lives with Linear Accelerators (STELLA) que busca mudar o paradigma no tratamento global do câncer. O projeto visa não apenas projetar e prototipar um sistema de tratamento de radioterapia adaptado a ambientes desafiadores, mas também mudar significativamente a forma como a indústria aborda as necessidades de pessoas com câncer localizadas em qualquer lugar do mundo.

Outra utilização direta do trabalho do CERN no nosso dia a dia foi a criação do World Wide Web (WWW) em 1989 que foi pensada para atender a demanda de compartilhamento de informações e comunicação entre o CERN e os cientistas e universidades ao redor do mundo, transformando-se em uma potente ferramenta de comunicação e sendo um divisor de águas em nossas vidas pessoais e profissionais.

Cada vez que você usa seu celular, vai aos caixas eletrônicos de algum banco, utiliza um tablets, relógio, videogame e o faz através de telas sensíveis ao toque ou touchscreen você está utilizando uma tecnologia que foi incubada e desenvolvida no CERN. Esta ferramenta tão amplamente difundida nos mais diferentes equipamentos que utilizamos em nossas vidas surgiu para solucionar uma necessidade da sala de controle central dos aceleradores que exigiam a instalação de milhares de botões, interruptores e visualização de telas e de como criar um hardware que fosse capaz de substituir estes sistemas convencionais e agilizar o trabalho dos cientistas e técnicos do CERN na observação de dados e informações do acelerador de partículas.

A natureza do trabalho do CERN faz com que a organização tenha clara consciência da sua responsabilidade ambiental tanto no âmbito interno como no que diz respeito a contribuir para a realização de vários objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) da ONU relacionados ao meio ambiente, melhorando o seu desempenho energético, estabelecendo parcerias com este objetivo e desenvolvendo soluções inovadoras com a tecnologia que é produzida no âmbito da organização que serão utilizadas para ajudar a sociedade nas questões.

Como comenta o Dr. Mauricio Feo, PHD em Física de Partículas e pesquisador do CERN, um dos projetos desenvolvido utiliza a estrutura computacional para analisar as imagens de satélite baseado em inteligência artificial, utilizando os perfis usados no CERN para processar dados e imagens, buscando identificar desastres ecológicos tais como queimadas, inundações etc. Como não dá para mandar todas as imagens dos satélites de volta para a Terra porque é um tráfego de dados muito grande, a tecnologia desenvolvida pelo CERN manda uma estrutura computacional para avaliar no satélite em tempo real e se identificar algum fator importante é informado. Um exemplo concreto da utilização deste projeto foi o combate das inundações no Paquistão.

Dr. Mauricio dá outro exemplo do uso das tecnologias desenvolvidas pelo CERN para proteção do meio ambiente que é identificar o movimento de plástico nos mares e oceanos e observar para onde ele vai, como se move e buscar formas de mitigar o problema.

* Jornalista, escritora gaúcha, morando em Genebra, na Suíça.


Edição: Katia Marko