Rio Grande do Sul

Coluna

A bioconstrução pelo direito à dignidade humana

Imagem de perfil do Colunistaesd
As experiências vivenciadas mostram que é possível Bem Viver e é alentador observar como cada vez mais pessoas se interessam e buscam trazer às suas vidas e multiplicar essas sabedorias - Foto: Nación Pachamama
As técnicas que respeitam a vida, trazem abordagens sistêmicas que incluem todos os seres

O direito à moradia está assegurado na Constituição Federal do Brasil, também é um direito humano inalienável reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos sendo assim determinado para garantir aos seres humanos dignidade.

No entanto, vemos que um direito fundamental tão importante como esse ainda é ignorado, já que na realidade uma parte importante da população ainda vive em situação de rua ou em condições muito precárias de moradia não tendo acesso a serviços básicos como água potável, esgoto, alimento, energia elétrica e coleta de lixo.

E o que a bioconstrução tem a ver com isso?

Se você fizer uma pesquisa rápida pelos sites de procura irá perceber que esse termo descreve uma maneira de solucionar uma série de desafios que vivemos hoje como humanidade e que iniciou quando adotamos, como sociedade, uma forma de organização que nos levou ao colapso em pouco menos de 500 anos.

Vemos na história que existiram diversas formas de organização social e de centros urbanos, mas não há registros de uma cultura tão agressiva e destruidora como essa que vivemos atualmente.

Poderíamos usar na frase anterior a palavra “predadora”, mas nós não somos predadores, porque os predadores atuam de acordo com os ciclos, um predador nunca irá esgotar completamente sua fonte de alimento, ainda seja de maneira inconsciente, mas isso é o que nós fazemos ao poluir de diversas formas todas as fontes naturais e de subsistência.

A bioconstrução encontra neste campo terreno fértil para cumprir com seu propósito, reconstruir desde uma outra perspectiva e consciência as relações dos seres humanos com a Natureza. Essa abordagem encontra ressonância com a Consciência Pachamama, em que voltamos a integrar e nos reconhecer como parte dele, nessa casa comum, que chamamos Planeta Terra.

Isso inclui repensar e recriar desde uma outra visão nossas casas, as formas como tratamos os resíduos, o cuidado com as fontes de água e alimento, a utilização da energia elétrica e itens tão básicos e fundamentais que foram terceirizados na crença de que estariam de fato sendo solucionados. Porém, a terceirização hoje é uma forma de nos livrar de um problema que envolve a todos e interfere diretamente nas questões intrínsecas relacionadas a dignidade humana.

Mais além de construir uma casa de barro e adotar padrões estéticos naturais e sustentáveis ou realizar o sonho pessoal de um grupo seleto de pessoas, o chamado da bioconstrução é justamente unir esforços para transformar uma realidade, há uma urgência que precisamos nos envolver e isso permeia os fundamentos da vida, não apenas humana, mas de todas as espécies.

As técnicas que respeitam a VIDA, trazem abordagens sistêmicas que incluem todos os seres e podem ser aplicadas com ou sem recursos financeiros, com ou sem tecnologia, para construir uma casa, por exemplo, se recorre apenas a materiais que estão disponíveis no perímetro de onde se pretende construir.

Também incentiva descentralizar, democratizar e empoderar os cidadãos para que sejam autossuficientes em energia elétrica, por exemplo, sem depender de abastecimento por meio de hidrelétricas que estão matando culturas, povos e ecossistemas.

Banheiros secos, bacias de evapotranspiração, filtro de águas cinzas, entre outros, são soluções simples e descentralizadas para a falta de saneamento básico que afeta diretamente muitas famílias e sua dignidade, e de maneira geral afeta toda a população e seres ao contaminar o solo e os corpos de água. Famílias essas que acumulam uma vida de invisibilidade social. Isso é repensar a organização dos grandes centros urbanos e dar condições para que as pessoas se desenvolvam em ambientes saudáveis e com dignidade.

Experiências de sustentabilidade

As comunidades campesinas de Nación Pachamama são espaços onde podemos praticar, observar e aprender com as vivências. Nesses ambientes estamos aplicando no dia a dia as sabedorias ancestrais da bioconstrução.

Apesar de ser um termo recente, sempre foi o meio que a humanidade encontrou de construir abrigos e dar formas as mais variadas modalidades de obras (edificações, estradas, barragens, contenções, etc.). Estas chegam a ter mais de 9 mil anos e são encontradas em sítios arqueológicos e patrimônios históricos de civilizações anteriores, tais como a chinesa, a egípcia, a grega e também nas civilizações americanas pré-colombianas, entre outras.

As experiências vivenciadas mostram que é possível Bem Viver e é alentador observar como cada vez mais pessoas se interessam e buscam trazer às suas vidas e multiplicar essas sabedorias.

Em Campina Grande do Sul, na Comunidade Campesina Nhanderu’ete, próximo a Curitiba/PR, estamos desenvolvendo algumas experiências de sustentabilidade e sistemas produtivos para trazer geração de renda na zona rural que respeitem os espaços de preservação da Mata Atlântica, onde não há possibilidade de geração de renda por plantio, por exemplo. Ali foram inoculadas 360 toras com shitakes e vamos construir em muitas mãos a casa de frutificação para a colheita. Essa é uma etapa fundamental para a conclusão desse projeto e queremos elaborá-lo de maneira a aplicar as técnicas de bioconstrução, estimulando e difundir essa sabedoria.

Para a construção da Casa de Frutificação de Shitakes estamos organizando nos dias 9 e 10 de novembro a Vivência de Bioconstrução na Comunidade em que teremos a oportunidade de aprender na prática formas de se construir de maneira altamente eficiente e natural.

Nesse curso os participantes aprenderão noções básicas para desenvolver um projeto de bioconstrução, aplicaremos as técnicas de quincha recheada, rebocos grosso e fino nas paredes, todas essas etapas fundamentais para a construção de um espaço. A pintura natural e teto verde também farão parte do conteúdo e prática e todos receberão um ebook com conteúdos e dicas sobre Bioconstrução.

O intuito principal dessa atividade e do movimento Nación Pachamama, de maneira geral, é trazer reflexões e dar condições para que as pessoas sonhem com uma alternativa possível. É importante saber que podemos fazer diferente, nós somos totalmente capazes de transformar a catástrofe anunciada e já em andamento se abrirmos nossa sensibilidade para sentir Pachamama, o sofrimento que vivemos e a destruição que causamos com nossas escolhas e modelos econômicos, sociais, políticos...

Confiamos nossas vidas na tecnologia, confiamos em políticas, confiamos na terceirização de serviços e isso não garante o cuidado real, o cuidado verdadeiro, isso garante apenas a continuidade de um modelo que não funcionou. O cuidado da mãe é REAL, é incondicional e fraternal, não exclui a nenhum de seus filhos e é justamente onde devemos depositar nossas esperanças e esforços. O caminho não é perder a esperança e sim recuperar a confiança naquela que nunca nos desamparou, em refazer esse vínculo que devolverá a dignidade humana. O tempo de mudança é agora, disso se trata, Nación Pachamama.

Para saber mais sobre o Curso de Bioconstrução entre em contato conosco através do nosso instagram @nacionpachamama ou @nhanderu.ete.

* Moncho Aguilar e Tania Mendizabal são ativistas do Movimento Nación Pachamama e estarão facilitando a Vivência de Bioconstrução junto à Comunidade Campesina Nhanderu'ete.

Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko