A Feira do Livro de Porto Alegre também discute a necessidade de quebrar correntes que nos seguram
Com tantas avaliações a respeito dos resultados das eleições, e mesmo tendo minhas opiniões a respeito, neste momento penso que precisamos olhar para a frente. E naturalmente, aqui na capital do RS precisamos fazer isso sem desconsiderar o fato de que este ano Porto Alegre se colocou na condição de cidade campeã nacional da alienação.
Somando as 381.965 pessoas que decidiram não participar destas eleições (34,83% dos eleitores), com aquelas 27.249 (3,81%) que votaram em branco e com as 26.811 (3,75%) que anularam o voto, resta claro que os porto alegrenses expressaram sua desconformidade em relação às opções que os partidos apresentaram, para a condução da prefeitura desta cidade. Melo, o homem da enchente e da despolitização geral e irrestrita, ao ser eleito com 406.467 votos, rigorosamente ficou em segundo lugar. A preferência popular apontou, por maioria, para “nenhum deles”.
Rosário e Tamyres, que nesta perspectiva ficaram em terceiro lugar, caíram de pé. E conseguiram um grande feito. Algo que pode corresponder à quebra de correntes. Reunindo manifestação decidida, consciente, de 254.128 porto alegrenses, em apoio à proposta de Reconstrução restabeleceram as bases – que até aqui pareciam perdidas- para o desenvolvimento de projetos coletivos.
E aí está um crescente que inexiste no aglomerado que, negando a realidade e se posicionado contra inimigos imaginários, elegeu o Melo. Quero crer que há nisso uma oportunidade que, em não sendo desperdiçada possibilitará nesta cidade a retomada de um movimento pelo protagonismo cidadão.
Penso assim por ser evidente que a simples pressão de pequena parte daqueles milhares de eleitores motivados por projetos de participação na gestão pública, em apoio aos “nossos” 12 vereadores (um terço do total) de oposição, já permite supor que a partir de 2025 os donos da cidade e seus serviçais, sob a ameaça de comissões parlamentares de inquérito, serão obrigados a exercer uma administração tendente para o que se espera como mínimo, de serviços públicos honestos, transparentes e responsáveis.
E penso que isto poderá abrir uma nova era de debates, projetos e discussões sobre a cidade que queremos, nos bares, nas praças, nas escolas, nas comunidades e, principalmente na Câmara de Vereadores.
Como exemplo, e aproveitando o mote da necessidade de reconstruirmos alianças conscientes, aqui vai um convite para atividade que ocorrerá na semana que entra, durante a 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, e que também discute a necessidade de quebrarmos as correntes que nos seguram.
Mais objetivamente, na Sala O Retrato - Espaço Força e Luz – Andradas 1223, dia 4 de novembro, às 16 horas, o Coletivo a Cidade que Queremos CCQQ / Porto Alegre, juntamente com o Instituto Nhandereko – Observatório Crítico da Ciência, e o Movimento Ciência Cidadã, darão continuidade a temática já abordada por eles na feira do livro de 2023, sob o titulo: “A diversidade sustenta o futuro II”.
Se trata de painel sobre “A questão ambiental – uma doença civilizatória”, onde serão examinados mecanismos aplicados à produção e à transferência de tecnologias que comprometem a estabilidade dos ecossistemas, atuando como elementos voltados à dominação de usuários, sociedades e nações que as utilizam de forma acrítica.
Em poucas palavras, os produtos da tecnociência instrumental, ao reduzirem as possibilidades de autonomia de povos subalternos ao império, comprometem a qualidade de vida da maioria das pessoas que vivem em países dependentes da importação de tecnologias externas, onde renovam processos históricos de subordinação e colonização predatória. São correntes que, apresentadas como caminhos para o sucesso, atraem, seduzem e isolam a energia transformadora de nossa juventude.
Impedindo assim (com a colaboração dos grandes meios de comunicação) a soberania e a construção de soluções próprias, aquelas tecnologias e os sistemas produtivos em que se inserem, impulsionam crises socioambientais que estão levando à desestruturação de laços comunais, à insegurança alimentar, ao esfarelamento da democracia participativa e, por fim, ao avanço da alienação e do autoritarismo expressos de forma clara nestas eleições de 2024.
Acreditando que esta é uma questão global, cujo enfrentamento exige a busca de respostas coletivas e articulação de projetos que aproximem a ciência da cidadania e da conscientização social, em movimento protetivo aos direitos humanos e aos ecossistemas mantenedores da vida, escutaremos, nesta Feira do Livro, exposição crítica por parte dos professores Ricardo Neder (UNB) e Patrícia Martins da Silva (UFPel), do pesquisador Irajá Antunes (Embrapa) e da jornalista editora do Jornal Brasil de Fato RS, Katia Marko.
Em termos estritos, o foco dos debates examinará a subordinação consentida, a oportunidade/necessidade de construção de tecnologias locais, o protagonismo resiliente da cultura popular, a importância dos bancos de sementes e as dificuldades de comunicação deste universo e suas implicações, para populações crescentemente capturadas pelo ilusionismo da meritocracia e do empreendedorismo neoliberal.
Serão distribuídos entre os presentes exemplares da revista Biodiversidade Sustento e Culturas, que há 30 anos vem apontando formas de resistência e soluções emergentes, de base agroecológica, oriundas do protagonismo de povos da América Latina. Participe!
Como música, recomendo Clara Nunes em 'O canto das três raças'.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo