O futebol é uma paixão nacional no Brasil, por várias questões que não vêm ao caso, e a principal característica para a busca de um resultado positivo é um forte entrosamento e sentimento de coletividade dentro de campo. Independentemente das relações extracampo como muitas vezes ocorre: jogadores que não têm uma relação próxima fora de campo, mas compreendem a necessidade fundamental de cumplicidade e parceria para chegar à vitória. Sem esse perfil de relação coletiva a certeza da derrota está sempre presente. E muitas vezes, mesmo tendo uma profunda parceria dentro do campo, a derrota também acontece.
Ocorre que estamos falando de cenários totalmente distintos. Quando, a despeito de um time entrosado e companheiro, o sucesso não acontece, geralmente somos tomados por alguns sentimentos: uma natural tristeza momentânea e ao mesmo tempo um sentimento acalentador do coração de que tudo que estava ao alcance dos jogadores foi feito e o insucesso ocorreu por exclusiva superioridade do adversário. Outro sentimento, talvez o mais importante, é aquele de que o trabalho está no caminho correto, e a derrota momentânea nada mais é do que o prenúncio de uma vitória.
No outro contexto, temos a derrota mais dura: aquela na qual o time é apenas um agrupamento de pessoas pautadas por disputas pessoais e atitudes personalistas em que o objetivo comum é substituído por anseios de sucesso individual. Um time com essas características, como já mencionado, está sempre muito próximo da queda. O futebol como esporte coletivo cobra caro daqueles que não compreendem essa natureza. Em resumo: a derrota mais amarga é aquela que somos causadores dela.
Pois bem, na política não é muito diferente: temos sempre a possibilidade desses dois caminhos. E justamente com essa relação ao futebol pretendo refletir sobre o comportamento dos partidos de esquerda em Porto Alegre, cidade na qual nasci, vivo e milito na periferia. Logo, me sinto muito à vontade para analisar essa realidade política local, uma vez que estou entre aqueles que sentem na pele todas as decisões tomadas pelos dirigentes do chamado “campo progressista”.
Para tanto, é preciso pensarmos de forma histórica, ou seja, buscando compreender o resultado de 2024 como mais um capítulo das sucessivas derrotas há 20 anos. Se analisarmos – sem paixões “clubísticas” – a atuação dos partidos de esquerda, podemos constatar suas profundas contradições que levam a uma imensa semelhança com aquele time de futebol que carece de sentimento coletivo, ou mesmo altruísta.
Os (des)valores do capitalismo atravessaram de tal maneira os partidos que não seria exagero mencionar que hoje estão reduzidos a um espaço de disputas de poder, onde os projetos pessoais sufocam qualquer possibilidade de um campo fértil para germinar um projeto político que tenha profunda identidade com as vilas e a partir delas. Exemplo concreto dessas contradições é o método utilizado para tomada de decisões: reuniões de cúpula substituem a participação verdadeiramente popular comprometendo o sentimento de pertencimento e protagonismo coletivo do processo de construção política.
Respeitando opiniões contrárias, estou convencido que a mudança de atuação dos nossos partidos será possível a partir de uma forte organização popular nas periferias. Que tenha força política capaz de exigir uma retomada aos princípios mais caros à esquerda e que muitas companheiras e companheiros perderam suas vidas lutando por eles.
Escrevo essas linhas não para fazer uma crítica destrutiva sobre nossos partidos, mas refletirmos profundamente com firmeza e fraternidade sobre os desafios internos que temos no campo da esquerda. Para realmente voltarmos a fazer a disputa política com o coração incendiado de esperança por um outro mundo, onde as pessoas possam viver em plena igualdade.
Como diria nosso sempre comandante Ernesto Che Guevara: “Se o presente é de luta, o futuro nos pertence”!
* Militante comunitário
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira