Na reta final da campanha, o prefeito bolsonarista Sebastião Melo (MDB) ainda sofre acusações de irregularidades, agora do Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS): relatório de auditoria comprovou que o chefe do Executivo municipal desviou mais de R$ 150 milhões de recursos destinados exclusivamente aos setores de habitação e construção de ciclovias, inviabilizando a realização de obras públicas nas duas áreas. A auditoria completa tem 203 páginas, com a citação de dezenas de leis burladas pela prefeitura.
Melo é apontado pelo tribunal como um dos maiores responsáveis pelos problemas. Primeiro, porque não agiu para corrigir erros cometidos na gestão Marchezan. Segundo, porque ele mesmo mudou normas para uso dos fundos municipais, comprometendo o avanço das obras e projetos, atrapalhando assim o avanço de obras e projetos.
O site DCM divulgou ontem (24) a notícia com exclusividade, mas a auditoria do TCE/RS foi concluída em julho e não se sabe a razão porque ficou longe do alcance público até agora. O levantamento foi realizado por quatro profissionais de carreira do tribunal – Eda Regina Doederlein Schwartz, Guilherme Grassi Manfrin, Leandro Torres e Sabrina Machado Chies. Foram encontrados desvios de R$ 590 milhões em recursos de fundos entre janeiro de 2018 e agosto de 2023 – anos que compreendem as gestões do ex-prefeito Nelson Marchezan (PSDB) e também do atual prefeito Melo.
Desvios
Conforme foi apurado, os desvios são resultado de desvinculações do uso dos recursos dos fundos municipais. Criados para reunir recursos para propósitos específicos, eles acabaram desvirtuados por leis aprovadas nas gestões de Marchezan e Melo sob a justificativa de que a Prefeitura de Porto Alegre precisava ter mais verbas livres para agir na pandemia de covid, pagar suas dívidas, entre outras coisas.
Com estes recursos desviados para outros fins, o dinheiro acabou utilizado em operações não previstas em lei, faltando transparência e, principalmente, “reprovação ou descontinuidade de projetos dos fundos municipais”, diz o relatório do TCE-RS.
Pela conclusão da auditoria, Melo foi o responsável direto para a falta de moradia adequada para a população de Porto Alegre. Só durante os primeiros dois anos da gestão do atual prefeito, foram retirados do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS) cerca de R$ 150 milhões, dinheiro que fez falta para as cerca de 90 mil famílias que precisam de uma casa na região Metropolitana da capital gaúcha (dados de 2019).
Porto Alegre tinha se programado para investir R$ 148 milhões em habitação de 2018 a 2021, segundo seu plano plurianual. Nas leis orçamentárias desses anos, essa previsão baixou para R$ 122 milhões, sendo que R$ 54 milhões viriam do FMHIS.
A capital do Rio Grande do Sul, no entanto, investiu efetivamente R$ 6,8 milhões em habitação nos quatro anos. O dado chamou a atenção e foi incluído na auditoria.
Melo tem um saldo negativo em habitações em Porto Alegre, conforme afirmam notícias já divulgadas pela imprensa – o site Sul21. Ele foi o prefeito que menos investiu na área nos últimos 20 anos. Entregou três casas em quatro anos, enquanto nos outros 16 foram entregues 1,4 mil moradias. Melo já culpou a falta de recursos pela dificuldade que ele tem para entregar moradias populares.
O TCE-RS, no entanto, disse que a afirmação do prefeito “é incoerente” visto que havia recursos para tais projetos no FMHIS. Não foram usados por iniciativa do candidato à reeleição. A auditoria ainda aponta que a retirada de recursos do FMHIS prejudica, em especial, as cerca de 20 mil pessoas que perderam suas casas na enchente de maio.
- O atingimento destes objetivos também se vê impactados negativamente pela forma de condução do FMHIS pelo Executivo municipal. Em se tratando dos impactos econômicos da pandemia da covid-19, que motivaram a Emenda Constitucional nº 109, estudos demonstram que foi especialmente impactante sobre as camadas mais vulneráveis da sociedade, mesmo público que foi escolhido pela decisão da gestão para ser impactada também pela retirada de recursos da política de habitação. Ressalte-se ainda o contexto agravante de cheias dos últimos anos que tem levado ao desalojamento de famílias que vivem em áreas de risco do município. Um levantamento do próprio Demhab estimou que mais de 20 mil famílias estão expostas a estes riscos em 142 áreas do município – conforme texto do próprio tribunal.
Ciclovias
Melo também é culpado pelo TCE/RS pela falta de ciclovias em Porto Alegre. O prefeito deixou de transferir para o Fundo Municipal de Apoio à Implantação do Sistema Cicloviário (FMASC) mais de R$ 4,5 milhões só em 2021 e 2022. Por lei, o fundo deveria ser abastecido com parte dos valores arrecadados em multas de trânsito.
Sem recursos, o projeto de expansão de ciclovia idealizado na lei do Plano Diretor Cicloviário Integrado, de 2009, não avança. Porto Alegre deveria ter 495 km de ciclovias até 2024, mas tem apenas 79 km. Melo superestimou a malha cicloviária de Porto Alegre no plano de governo apresentado à Justiça Eleitoral neste ano. Lá, ele falava em 100 km de ciclovias.
Para o tribunal de contas, o desvio de recurso do FMASC é o problema-chave da lentidão. Com o desvirtuamento do fundo, Porto Alegre investiu mil vezes menos em ciclovias do que tinha previsto investir no seu plano plurianual.
Devolução
Foi constatado ainda que o Fundo Municipal do Idoso (Fumid) e o Fundo da Criança e do Adolescente (Funcriança) de Porto Alegre deixaram de receber recursos públicos durante a gestão de Marchezan e Melo. Ambos os fundos passaram a ser mantidos somente por doações de pessoas e empresas.
Os fundos apoiam projetos de entidades cadastradas pela prefeitura de Porto Alegre. Segundo o TCE, por terem perdido uma fonte de verbas, essas entidades podem ter suas atividades comprometidas. Por conta disso, o tribunal de contas pede que a gestão Melo devolva R$ 55 milhões aos dois fundos. O valor equivale ao montante desviado.
Os envolvidos no caso, incluindo Melo, foram intimados a prestar esclarecimentos ao TCE/RS sobre o constatado pelos auditores, mas ainda não se pronunciaram.
Edição: Katia Marko