Sabendo com quem pode contar, não espera acontecer
Hoje, até para compensar o sumiço na semana anterior, pensei trazer para esta coluna uma espécie de relatório fotográfico da atividade que justificou minha ausência, e que acompanhei no Assentamento Josué de Castro, no município Buriti dos Lopes (PI), região do Matopiba (região de expansão agropecuária, entre os municípios de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
A coordenação deste evento tão importante e tão bem sucedido foi de Valmiram Cardoso Sobreira e de Francisco de Paulo Araújo (Tiquinho), ambos assentados de reforma agrária formados pelo Programa Nacional de Educação em Reforma Agrária (Pronera), em Ciências Agrárias e em Direito, respectivamente. Hoje atuam em processos de desenvolvimento regional, pelo convênio entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
O Matopiba é uma área de fronteira no choque de modelos agrícolas que priorizam o agronegócio de exportação, contra uma agricultura familiar e seus processos de adaptação gradativa da cultura popular à economia regional com baixo impacto sobre os ecossistemas locais.
É uma região importante na produção de arroz, que se vê fortemente ameaçada pelo avanço em particular da soja e em geral pelo conjunto atualizado de tecnologias da Revolução Verde. Intensivas em agroquímicos e máquinas pesadas, dispensadoras de mão de obra e inacessíveis, em termos de custo e escala, para a agricultura de base familiar. O avanço daquele tipo de agronegócio já compromete as perspectivas de vida de populações tradicionais majoritariamente dependentes da manutenção de equilíbrio entre as atividades humanas e os serviços ambientais oferecidos pelos biomas do Cerrado e da Amazônia, que ali se interconectam.
Aproveitando o movimento das águas que descem da Amazônia, os agricultores plantam arroz, na vazante, em áreas de grande fertilidade, utilizando tecnologias locais (notadamente, plantio e colheita manual) em lavouras de pequeno porte que dispensam agroquímicos. A principal limitação está na indisponibilidade de máquinas adequadas para a agricultura familiar. Neste sentido as opções se resumem a atividades de enorme penosidade, como ilustrado a seguir.
Trata-se de situação onde a colheita de um hectare (área média por família) se reduz de três dias para um turno de trabalho. A rapidez tem um custo equivalente a 10% da área total e se justifica pela escassa janela de tempo, quando o arroz alcança o ponto de colheita.
Esta opção implica em aguardar a disponibilidade das máquinas e induz à adoção de outros procedimentos, que se associam ao uso de herbicidas (“secantes”) que comprometem a qualidade da água e a utilização segura da palhada para forrageamento animal, além de ampliar problemas relacionados à ocupação da mão de obra.
Diante desta realidade, lideranças locais, com apoio de convenio do Incra com a UFMA, e com presença de representantes de governos municipais, estadual e Federal, via Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MCDIC), realizaram o 1º Seminário da Cadeia Produtiva do Arroz, em simultaneidade à festa da colheita e dia de campo para apresentação de alternativa ao processo de mecanização acima descrito.
O Seminário examinou as perspectivas de expansão da cultura do arroz, com manutenção do protagonismo de agricultores de pequeno porte, em áreas de agricultura familiar.
A atratividade do seminário se explica, especialmente, pela apresentação de máquinas chinesas, adaptadas à colheita do arroz em áreas de pequeno porte. Obtidas junto ao governo chinês após visita organizada pelo governo Lula, aquelas máquinas foram cedidas em regime de teste, para avaliação e adaptação a condições brasileiras, para posterior produção e montagem por indústrias nacionais.
O engenheiro agrônomo Lucas Silva Machado, filho de família assentada e capacitado em programa de educação do campo, atuou como facilitador explicando as peculiaridades, vantagens e características das máquinas chinesas.
Em termos de capacidade, a máquina permite a colheita de um hectare em um dia de trabalho. Sendo leve, ela transita com esteiras sobre a palha dobrada, após a colheita, evitando riscos de atoleiro em solo úmido e mantendo sua disponibilidade para alimentação animal. Isto assegura a colheita em período de clima adequado. Os grãos são recolhidos em saco que, enquanto o sistema de plantio mantiver a atual disparidade de stand (panículas de alturas diferentes pela irregularidade do terreno) precisa passar por sistema de limpeza (por ventilação) adicional. Outros ajustes observados pelos agricultores (como proteção contra o sol, para o operador) foram comentados e serão encaminhados para solução por engenheiros capacitados pelo Pronera.
Em poucas palavras, os presentes manifestaram otimismo em relação à possibilidade de superação de impasse histórico, onde a tecnologia agrícola oferecida à agricultura nacional, atendendo tão somente economias crescentes à escala, atuam como elemento esvaziador do campo, acelerando verdadeiro processo de reforma agrária às avessas.
Os agricultores comemoraram a inversão de expectativas orientadas ao desfazimento de redes sociais no campo, como resultado de políticas externa e interna, ainda incipientes, desenvolvidas pelo governo Lula
Também foi bastante festejada a participação de universidades e do corpo técnico do Incra, em atividades abandonadas desde o golpe que depôs a ex-presidenta Dilma Rousseff e foi agravado durante os períodos dos governos de Michel Temer (MDB) e de Jair Bolsonaro (PL).
Como elemento adicional a ser relatado, no seminário ocorreu anúncio de avanços no Finapop, com anúncio de oportunidades para que a população urbana colabore com processos de desenvolvimento de uma agricultura familiar com inclusão, protetiva ao meio ambiente que tenta avançar no rumo oposto do agronegócio ecocida, de exportação.
Como música, a sugestão da semana é Meu Quilombo - Bukassa Kabengele.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo