Para onde vai?
Para onde vai, saberemos daqui a algumas dezenas de horas, com o resultado das urnas eleitorais no segundo turno do pleito que se encerra dia 27, domingo. De nossa parte, assim como da esmagadora maioria das(os) colegas educadoras(es) que padeceram muito de perto e lutaram contra o horror que foi a gestão de Sebastião Melo na prefeitura e seus prepostos à frente da Secretaria Municipal de Educação (SMED), a expectativa é de uma mudança profunda de rumos com a eleição de um projeto com um caráter popular e alternativo ao existente.
O que anuncia a candidatura de Melo, se tomarmos como fonte o registro oficial de sua plataforma programática, registrada junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TRE).
Compra, contrato, temporário: a educação como negócio privado
A política é a arte da retórica. E no caso de Melo (MDB) e Betina Worm, do Partido Liberal (PL) - uma ilustre desconhecida, militar, bolsonarista declarada e, especula-se, possa ficar no lugar de Melo, se houver mudança no tabuleiro e ele se candidatar a governador em 2026 – a política assume a face de dissimulação e engodo. Mas, há também verdades aqui e ali, como pérolas jogadas aos porcos.
“Desde 2021, a Prefeitura criou mais de 6.000 novas vagas em creches e lançou um edital para comprar mais 1.500 vagas. Além disso, foram contratados mais de 1,6 mil professores, 454 monitores efetivos, e 1,3 mil profissionais temporários.” (Plano de Governo. Melo e Betina, ago 2024)
A campanha eleitoral de 2024 teve a peculiaridade de trazer para o centro dos debates, no campo da educação, a demanda historicamente represada da Educação Infantil, que é responsabilidade legal dos governos municipais.
O extrato selecionado do Programa de Governo do candidato e candidata de Jair Bolsonaro na Capital, já na sua primeira página, identifica o que foi o governo Melo. E o que pretende continuar a ser. Um governo a serviço dos negócios privados, nos quais a gramática explícita o ideário: compra, contrato, temporário, parceirizações e concessões.
Gambiarras, negócios rentáveis e troca de favores com a base populista, fisiológica (sempre em busca de cargos), fundamentalista e conservadora que o sustenta.
Diante do indeterminado, vejamos brevemente o que vem sendo a educação realizada na gestão que se conclui agora, e o que Sebastião Melo e Ricardo Gomes “entregaram” para a cidadania porto-alegrense.
Os quatro cavaleiros do apocalipse a serviço da cruzada neoliberal
O orçamento é atrativo. Há que se concordar. São centenas de milhões, entre custeio e investimento, contabilizadas as transferências entre os entes federados.
Tivemos na gestão na SMED de Porto Alegre, em quatro anos, duas secretarias e dois secretários de educação, em uma sucessão de crises, má-gestão, indícios de corrupção, e descréditos, que parecem intermináveis. Todos eles identificados e a serviço da escalada autoritária expressa pelo bolsonarismo e a extrema direita. Vejamos seus traços principais.
A rainha mandona, a rosa de fala mansa e esquemas furiosos, o chefe do almoxarifado e o “famoso-quem?”
A primeira das secretárias foi Janaina Audino (jan. 2021 a mar. de 2022), um quadro técnico ligado ao lobismo do Movimento Todos pela Educação, coalizão privatista bancada por gigantes do mundo empresarial e cria do Instituto Jama e Fundação Maurício Sirotsky, do grupo RBS. Sua marca de gestão foi a privatização e a adequação da educação aos interesses do mercado, buscando instituir o modelo de gestão empresarial como parâmetro para o sistema público de ensino. Manteve a linha do seu antecessor, Adriano Naves de Brito, no governo de Marchezan Jr (PSDB), que acabou com as reuniões pedagógicas nas escolas, formação de professores, dificultou a participação de colegas em atividades sindicais e mudou a rotina escolar.
Virou as costas para a comunidade escolar no momento que mais precisava, durante a pandemia, impondo uma plataforma virtual, voltada ao controle do trabalho docente, sem acesso a computadores por parte dos estudantes, pacote de dados. Impôs a volta presencial, sem condições sanitárias e de trabalho, colocando em risco milhares de vidas.
Sob uma cantilena de reformas, ludibriou parte do professorado que preferiu acreditar na uma farsa de consulta popular e regras absolutamente viciadas, e impôs uma nova grade curricular sob o nome de uma “nova proposta pedagógica” que retrocedeu à organização seriada e reduziu a presença da área de ciências humanas e linguagens nas escolas. O símbolo dessa insanidade foi o alinhamento formal do componente curricular de Filosofia, presente nos Anos Finais do Ensino Fundamental, ao Ensino Religioso, acatando a vontade da bancada da Bíblia na Câmara dos Vereadores.
Em seu lugar entrou uma professora de fala mansa e pouca ação, Sonia Rosa dos Santos (mar. 2022 a jun. 2023), com largos serviços prestados ao MDB, na Seduc-RS, 27ª CRE da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul e na SME de Canoas. Responde, com outras servidoras, pelo crime de desperdício de dinheiro público, obras "fantasmas", compras sem licitação, com sobrepreço e direcionamento nas licitações em esquema de corrupção milionário.
A ponta do iceberg: centenas de milhares de livros (476 mil), computadores (25 mil), centenas de lousas digitais, materiais esportivos variados e uma infinidade de kits pedagógicos (ilustres desconhecidos), ar condicionados, encontrados sem uso nas escolas municipais e abarrotados em um galpão alugado da prefeitura, entregue ao abandono. Material que custou a “bagatela” de bem mais de 100 milhões de reais. Duas CPIs na Câmara de Vereadores, investigações na mídia e averiguação do Tribunal de Contas, levaram as denúncias para a esfera criminal, prisões e se comprovou a ação de uma verdadeira quadrilha na gestão da pasta da educação.
Para estancar a crise, foi chamado um gerente do Sistema “S” (Sesi, Senac, Senai, Senar, Sesc), José Paulo da Rosa (jul. 2023 a maio 2024), um tecnocrata sem experiência alguma com escolas públicas que veio para varrer a sujeira para debaixo do tapete, moralizar a tropa e nada fez de substantivo para a melhoria das condições da educação. Junto com ele, a intensificação de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para a gestão da manutenção da infraestrutura das escolas e contratação/precarização dos vínculos de monitoras(es) e demais educadoras(es) que atuam na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME) e um golpe na gestão democrática, cerceando a ação do Conselho Municipal de Educação.
Desde maio deste ano, um advogado que faz carreira como quadro de confiança do governo municipal (Carris, Procempa), estranho à área da educação, ocupa a pasta, Maurício Cunha. Toca o barco porque, na verdade, a educação é vista como negócio, gerencialismo pragmático, e não como formação humana integral, dever do Estado e direito da cidadã e do cidadão.
Virar o jogo, colando o bloco na rua!
Os anos recentes foram particularmente desafiadores para todos nós, docentes, com perdas salariais (cerca de 30%), reforma na Previdência e alterações no Plano de Carreira sob as gestões de Marchezan Jr e Sebastião Melo. Mas, pior ainda, tem sido o impacto para as comunidades periféricas da cidade, que são atendidas pelas escolas municipais: a agoniante pandemia da covid-19 e os descompromisso dos gestores, a onda negacionista e fascista potencializada pelo bolsonarismo, o cerceamento e ataques à liberdade de ensino, a desconstituição da gestão democrática na educação, uma enchente de proporções devastadoras a revelar a imprevidência do atual gestor à frente do Paço municipal, o abandono completo das escolas e dos educadores, corrupções e escândalos sem fim.
O que vemos no programa de Melo e Betina para a Educação? Destacamos três propostas, para se ter ideia do risco iminente de novos ataques à escola pública: “Implantar duas escolas cívico-militares”; “Implementar a PPP Escola Bem-Cuidada, que incluirá investimento na recuperação, construção de novas escolas e gestão do processo de manutenção, liberando os professores para dedicação exclusiva ao ensino” (previsão de concessão de vinte anos, ao custo de quase 4,5 bilhões, para uma única empresa realizar a construção e manutenção dos prédios escolares e outros serviços. Não há transparência nem participação ou controle sobre essas parcerias, que precarizam e desqualificam a educação), e “Criar uma central de conteúdos online, permitindo o amplo acesso de alunos e professores a conteúdos pedagógicos”.
Por certo, não precisamos, por mais quatro anos, amargar com continuidade do projeto do candidato Sebastião Melo e, sabe-se-lá, que secretária/o de Educação – representantes da coalizão conservadora e privatista que, ávida, quer continuar a vender a cidade, aprofundar a devastação da natureza, atacar a democracia, dilapidar o patrimônio público e acabar com o que resta do que já foi o orgulho de viver na capital de todos os gaúchos e gaúchas.
Para que isso não aconteça, é preciso virar o jogo e colocar o bloco na rua!
* Professores na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira