Rio Grande do Sul

Coluna

Não em nosso nome, quase um manifesto

Imagem de perfil do Colunistaesd
“O Grito”, uma das pinturas mais icônicas do século XIX, é uma obra-prima do artista norueguês Edvard Munch - Imagem: Reprodução
Parem o genocídio na Palestina! Quero gritar meu desespero e dizer Não em nosso nome!

Por um acaso, chamemos assim, em 1994 estive na Alemanha. Foi uns meses depois de ter morado no Estado de Israel, outro acaso, entre os anos 1990 e 1993.

Parada no metrô, em Berlim, ficava olhando as pessoas mais velhas e, eu, com essa mania que tenho de fazer cálculos, me perguntava se teriam ou não estado na época do Holocausto. Se teriam apoiado o regime e votado em Hitler.

Era uma obsessão.

Como tinha sido possível permitir o assassinato de 6 milhões de pessoas judias, mais outros 4 milhões de indesejáveis para o regime nazista como o eram as prostitutas, pessoas LGBT, ciganas, de esquerdas?

Sempre que possível eu me apresento como judia não sionista. E escrevo sobre isso. Por favor, que não me confundam. Contudo, quero mais do que não ser misturada com as pessoas que apoiam ou exercem o genocídio, quero gritar meu desespero e dizer “Não em nosso nome! Nós não estamos desse lado”. Existem, felizmente, algumas organizações judaicas que também denunciam o massacre

Sempre escrevo na primeira pessoa porque não estou aqui representando ninguém, mas me parece que soma forças falar no plural − felizmente não estou sozinha nesta luta − e precisamos de muitas forças!

Quero me abraçar e chorar junto ao povo que estão tentando dizimar. É terrível o que estamos viVendo!

Agora, enquanto sentava na mesa para escrever a coluna, abri o Instagram para ver um dado e me encontrei com este vídeo na página da deputada federal Jandira Feghali, “Israel está bombardeando área residencial no Líbano em plena luz do dia. Sem escrúpulos e com a certeza da impunidade”.

Parem por favor!!

Me pergunto o que faremos? Assistir ao genocídio em silêncio, no celular? Dias atrás havia imagens de pessoas palestinas sendo queimadas vivas!

Até onde vamos permitir sem sair do nosso normal? O que é o normal?

Vamos assistir Auschwitz pelo Instagram?

Em uma das mesas mais emocionantes da FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty – que aconteceu entre os dias 9 e 13 de outubro −, esteve presente o escritor palestino Atef Abu Saif. Ele contou dos horrores que viveram depois do 7 de outubro, mesmo ele, sendo ministro da Cultura de Palestina não esteve a salvo. Falou do horror. Houve uma hora que não sabia se estava vivo, morto, sonhando. Estavam em quatro pessoas. Três morreram. “Quero estar acordado quando morrer” é o nome do seu livro.

Eu não quero que ninguém tenha dúvidas sobre qual o lugar em que eu estou na vida. Politicamente sempre estarei junto das pessoas oprimidas. Esse é meu feminismo, interseccional. A luta social é como a natureza, a monocultura é a morte da diversidade, igual que a voz única se impondo sobre as outras. As nutrientes estão nas pluralidades, precisamos da biodiversidade, de muitas cores e palavras e posicionamentos.

Nunca uma causa única vai me representar e quem ainda não tenha entendido isso, veja o seguinte exemplo. Em janeiro de 2001 eu chegava a Porto Alegre (isso não foi um acaso) para vivenciar o 1º Fórum Social Mundial. Eu vinha de Buenos Aires e fui à única mesa de homossexualidade, como ainda se chamava ao que hoje é o Movimento LGBTQIA+, e uma moça, uma hora comenta: se Hitler tivesse sido gay teríamos de tê-lo defendido. Deusas! Minhas deusas! Que confusão.

A luta não se faz por separado dentro das caixinhas, um elo está unido a outro e outro; como as raízes das árvores e das plantas.

Vejam esse outro vídeo (abaixo) que chegou a mim : “A senadora australiana Lidia Thorpe, de origem aborígene, confrontou o rei Charles III nesta segunda-feira (21), no Parlamento da Austrália. ‘Você não é o nosso rei’, gritou a parlamentar independente para o monarca e para a rainha Camilla, que estavam em visita ao país na Oceania”. “’Devolvam nossas terras, devolvam o que vocês roubaram’, falou ela enquanto os agentes de segurança se moviam para escoltá-la para longe. A chegada de colonos britânicos à Austrália levou ao massacre de povos indígenas em centenas de locais até recentemente, na década de 1930. Seus ancestrais ainda sofrem com racismo e discriminação sistêmica no país.”

Voltando as causas únicas, é possível estar junto ao povo palestino, libanês, mas não ao lado dos povos originários de Abya Yala e do mundo?

Será por isso que na língua hebraica não existe o conceito de vida em singular? O que importa é o nó do Nós. Nós todas/es vidas humanas e não humanas.

Conto os acasos que me aconteceram, como fatos ou fotos, para me deixar mais politizada na vida. Cada acaso foi um elo que foi formando um colar. Um ponto unido a outro de uma grande teia. De um grande leque. Uma whipala.

É possível ter vivenciado as enchentes e votar no Melo?

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko